2015/12/31

Memória de um 31 de Dezembro


Há dias lembrei um meu Natal diferente. Hoje posso lembrar um 31 de Dezembro igualmente diferente – e, sobretudo, de desilusão. Curiosamente, ocorreu um ano depois: foi em 1968.

2015/12/25

Um Natal diferente

Quem tem muitos anos de vida tem memórias de muitos Natais. De quando se era criança e se aguardava o momento de, pela manhã do dia 25, ir à chaminé ver o sapatinho que lá se tinha posto na véspera (eu testemunho: fi-lo, e até fui por vezes generosamente compensado…), e depois, de muitos outros em que, havendo diferenças, se repetiam – e repetem – umas quase formalidades, no fundo rituais que é difícil romper, ainda que possam mudar. Quem não se lembra das resmas de cartões de boas festas a enviar pelos correios, hoje substituídos por mensagens de e-mail ou sms?

Não sou diferente de outras pessoas, mas tenho na minha vida um Natal muito especial, e é esse o motivo deste post. Em 1967 eu tinha sido colocado como professor efectivo no então Liceu Nacional da Horta, na ilha açoriana do Faial, para onde viajei em Outubro. Porque fora sozinho queria vir no Natal ao continente, pelo que atempadamente marquei a viagem de ida (via marítima, porque nessa altura era complicado usar a via aérea) no navio Funchal, um dos mais rápidos em serviço, que tinha como dia da chegada a Lisboa precisamente o dia 24 de Dezembro. Não me recordo bem do dia da partida, mas não deveria andar muito longe de 19. Tenho uma vaga ideia de por minha causa se ter antecipado uma reunião de professores para lançar as classificações do período.

Aconteceu, no entanto, que o dia da chegada do Funchal coincidiu com um violento temporal que quase impediu a entrada no navio no porto e tornou completamente impossível a sua saída. Durante dois dias de chuva intensa, mar de vagas alterosas que varriam o cais, tornaram-me prisioneiro na ilha. E quando o tempo acalmou, havia uma certeza: o meu Natal ia ser passado no Atlântico! E assim foi: véspera e dia de Natal passei-os num navio em que os tripulantes eram muitos mais do que os passageiros, felizmente com um mar razoável para a época, e com porventura refeições melhoradas (mas sinceramente não recordo as ementas).  

Por isso eu sei com toda a certeza o que foi o meu Natal de 1967, e não serei capaz de ter qualquer certeza se quiser lembrar, por exemplo, o Natal de 1985.

Para todos, um bom Natal! E um feliz 2016.

2015/12/20

O Secretário de Estado da Educação

Em post anterior, analisando o perfil do Ministro da Educação, que acolhi favoravelmente, disse no entanto que seria importante para ele ter como Secretários de Estado elementos com qualidade e conhecedores do terreno que pisam.


Tive agora a oportunidade, por mão amiga, de ter acesso a uma curta intervenção feita na Assembleia da República pelo Prof. João Costa, Secretário de Estado da Educação, a qual pode ser vista e ouvida aqui. Não só porque esclarece bem a posição correcta acerca dos rankings das escolas, mas porque dá pistas sobre como deve o Ministério da Educação actuar no futuro, apoiando-se em quem sabe e não em quem apenas opina, fiquei bem impressionado e, em certa medida, mais tranquilo.

2015/12/16

Dos consensos em educação


Ontem, pelas 10 e 20 da manhã, tomei um táxi perto da minha casa para ir para o Palácio Ceia, sede da Universidade Aberta, onde ia decorrer a posse do meu Amigo, o Reitor Paulo Dias. (Não é esse o tema deste post, mas não posso deixar de dizer que o Paulo Dias foi meu parceiro em muitas iniciativas nos últimos anos da minha vida académica no Minho, entre as quais o Centro de Competência Nónio Século XXI, e sobretudo as conferências Challenges, com início em 1999 e que ainda hoje se mantêm, com periodicidade bi-anual).

Mas vamos ao ponto que quero desenvolver. O taxista tinha o rádio sintonizado na TSF e entrei a tempo de ouvir qual o tema do fórum: “Estabilidade na Educação: os partidos devem assumir um compromisso de médio prazo?” Segundo o apresentador, o Manuel Acácio, esta pergunta estava no site da estação e até essa altura havia 100% de respostas “sim” e, obviamente, 0% de respostas “não”. Ainda tive tempo de ouvir o ex-ministro David Justino, actual Presidente do Conselho Nacional de Educação, expor o que o referido Conselho tem definido sobre exames e provas de aferição.

Parece que o resultado final da questão colocada no site foi 96%-4%, o que revela que uma grande maioria apoia a estabilidade. Não posso estar mais de acordo, mas reconheço dificuldades, sobretudo desde que se rompeu uma ideia básica que, creio poder dizê-lo sem errar, era comum à maior parte dos responsáveis pela educação, em diferentes sectores, e que era transversal mesmo em relação a partidos políticos. Essa ideia básica privilegiava a educação, sem menorizar a instrução (já mencionei este aspecto em anterior post). Se atentarmos bem, a política seguida pelo ministério Crato era o inverso: a instrução sobrepunha-se à educação.

No final do século XX o Ministro Marçal Grilo propôs um pacto educativo, salvo erro em 1996. Era um documento muito sólido e nada complexo, mas como o PS não tinha maioria, os outros partidos não responderam como se desejava, e a ideia perdeu-se. Foi pena, porque na altura não havia o tipo de divergências que hoje existem.

Por isso, o grande problema para que seja possível um amplo consenso é definir de uma maneira cabal que educação queremos neste país. Ter em atenção a célebre afirmação de Montaigne e decidir sobre ela: “Mieux vaut une tête bien faite qu'une tête bien pleine”. Interrogar-se se depois da Internet e das redes sociais a escola pode ficar como era. Discutir se a verdadeira aprendizagem não deveria ser o aprender a aprender. Questionar se querer que a escola proporcione bem-estar aos seus alunos é incompatível com a aprendizagem.


E muito mais, que a inteligência de cada um poderá elencar.

2015/12/14

Agora, os “rankings”


Os rankings das escolas portuguesas não universitárias já não são uma novidade: existem desde 2001. Há opiniões contraditórias sobre a sua oportunidade. O Ministério da Educação (ME) tinha até então resistido à divulgação dos resultados escolares, mas cedeu à pressão da comunicação social, que os exigia. Tanto quanto penso, as reticências do ME teriam a ver com a disparidade de resultados entre escolas públicas e privadas, que, interpretadas de um modo linear, levantariam dúvidas sobre a eficácia do ensino público.

O conhecimento dos resultados das escolas, em termos de aproveitamento dos seus alunos, é evidentemente importante. O problema, percebido desde um primeiro momento, é que os dados que serviam para organizar as escalas eram insuficientes para explicar os resultados: classificações internas ou de exames, dados brutos, não podiam reflectir senão uma parte da realidade. Por isso a ordenação das escolas só fazia sentido se se tentasse adivinhar o que não a suportava: por exemplo, a razão porque no topo apareciam sempre escolas privadas.

Para o comum dos mortais, no entanto, essas listagens configuravam uma verdade que nem sempre correspondia à realidade. Muitas escolas (sobretudo da rede pública) apareciam mal colocadas, mas quem as conhecia por dentro sabia que elas tinham virtualidades que os resultados iludiam. Faltavam outros dados complementares.

Como referi em post anterior, os serviços de estatística do Ministério da Educação passaram a disponibilizar esses dados, que permitem uma abordagem diferente, para bem melhor, dos rankings. Definiram-se as chamadas variáveis de contexto (por exemplo, escolaridade das mães e dos pais, proporção de alunos que beneficiam de apoio de ASE – acção social escolar - em cada um dos escalões, distribuição dos alunos pelos níveis e modalidades de ensino). Partindo do princípio que essas variáveis poderiam explicar os diferentes resultados escolares, utilizaram-se modelos de regressão linear múltipla aos indicadores desses resultados, permitindo chegar ao chamado “valor esperado” para cada uma das variáveis.

Temos assim um quadro que, teoricamente, permite uma interpretação mais confiável da realidade das diferentes escolas do país. No entanto sou dos que pensam que continua a ser necessário algum cuidado na interpretação dos resultados, porque nem tudo é redutível a números e, a menos que se aceite que a única função da escola é garantir o êxito académico (o que me parece redutor), há outros elementos que devem ser considerados quando se avalia o trabalho da instituição.

Para além do conhecimento que tive, como professor, de muitas escolas, entre 2010 e 2013 fiz parte de equipas que conduziram a avaliação externa de escolas do ensino básico e secundário, as quais, para além de considerarem esses elementos objectivos, procediam a visitas às instituições e entrevistavam membros da comunidade escolar. Esse contacto directo mostrou, mais do que uma vez, que em termos de acção educativa plena, ou seja, esforço de integração social de alunos com dificuldades, respeito pelas diferenças, e até práticas inovadoras nos processos de ensino-aprendizagem, escolas mediocremente classificadas nos rankings mereciam maior louvor do que outras no topo.

Por isso quase sempre senti um certo desconforto no momento da decisão, por não poder equilibrar, nos pratos da balança, os dados objectivos e os subjectivos (ainda que razoavelmente explicados) de uma escola.

Isto não significa que não considere a importância dos dados estatísticos, que podem agora ser trabalhados na tentativa de compreender o que se passa realmente nas escolas em termos de rendimento escolar. Os investigadores têm agora à sua disposição muitos mais dados do que em passado recente para poderem trabalhar.


No entanto, em meu entendimento, mais do que hierarquizar escolas é importante encontrar meios de ajuda às que lutam com dificuldades e cumprem deficientemente a sua missão – ou parte dela. Esta vertente vai muito para além dos rankings. Felizmente, tanto quanto sei, a Inspecção-Geral de Educação desenvolve um programa com essa intenção.

2015/12/12

Antes de escrever sobre os “rankings”…


Já antes de Nuno Crato ser ministro não o apreciava pelas suas opiniões sobre educação. Quando foi anunciado o seu nome para o elenco de Passos Coelho (recordo-me bem, estava na Universidade do Minho numa das sessões de um seminário sobre avaliação) não augurei nada de bom para a educação em Portugal. Continuo a pensar que Nuno Crato patrocinou medidas que prejudicaram uma evolução positiva do que estava a ser implementado, o que não quer dizer que tudo o que existia fosse excelente.

No entanto, há um sector para o qual Nuno Crato até poderá ter contribuído positivamente: na indiscutível melhoria que se verificou na organização e difusão de dados estatísticos, fruto da criação da Direcção-geral de Estatísticas da Educação e Ciência, que passou a facultar informação relevante para um trabalho mais consistente dos investigadores. A análise dos “rankings” agora divulgados pode assim ser diferente do que era quando começaram a ser conhecidos.

Mas sobre esse tema, peço mais um dia ou dois para emitir opinião.

2015/12/04

Ainda os exames

Embora tivesse vontade, não comentei posts recentes que versaram sobre a decisão de terminar com os exames do 4º ano. Decidi esperar um pouco e escrever sobre o tema. Sendo porventura o mais velho (ou dos mais velhos…) colaborador deste blog (A Destreza das Dúvidas), conheci a via-sacra de todos os exames nacionais, desde a 3ª classe (excepto o da admissão às escolas comerciais e industriais), incluindo os exigidos para a obtenção do título de professor do ensino liceal e, depois, os necessários para uma carreira académica; e acrescentei-lhes muitos outros, na Inglaterra e nos Estados Unidos da América. Sobrevivi, como se vê. Isso não me leva porém a que considere hoje os exames como a melhor arma contra o que se chama facilitismo e muito menos que sirvam para “endurecer” a capacidade de resposta das crianças à dureza da vida competitiva que as espera.

Antes de continuar, devo desde já dizer que considero extemporânea a medida aprovada, não porque não concorde com ela mas porque deveria ser integrada num conjunto mais vasto de alterações que deviam ser discutidas visando uma outra política educativa que bem precisa é.

Por dever de ofício tive ao longo da vida de reflectir sobre o papel e importância dos exames. E o que me ocorre em primeiro lugar é que em muitas ocasiões eles são necessários e, portanto, se justificam. Seguidamente, direi que os exames não são um fim em si, mas um meio de prova. Como tal, podem revestir aspectos diferentes conforme o que se pretende provar.

Pondo de parte qualquer análise histórica, a existência de exames em educação terá começado a ser combatida logo que a evolução consistente da psicologia e da sociologia contribuíram para dar suporte ao conjunto de conhecimentos que hoje constitui a(s) ciência(s) da educação. Nos Estados Unidos Dewey esteve numa primeira linha, tal como na Europa Claparède. No fundo, estimava-se que os exames constituíam um corpo estranho na lógica de uma educação que se pretendia livre e integral. Fez-se depois o caminho para formas alternativas dos exames, e em meados do século XX surgiu o termo avaliação, que prevalece hoje, genericamente; o exame é apenas mais uma técnica de avaliação. O conceito de avaliação contínua revela uma lógica diferente do exame (acto isolado, num dado momento): os resultados da aprendizagem dos alunos são monitorizados ao longo do seu percurso escolar, num processo natural que tem como principal fim ajudar quem aprende e não provar que “sabe” aquilo que aprendeu.

Se nos lembrarmos do modo como aprendemos a ler, a escrever, a fazer contas (a trindade clássica da velha instrução primária) certamente recordaremos como havia interacção entre nós e o nosso professor (ou professora[CF1] [CF2] ). Nos primeiros anos de escolaridade, com professor único, sempre prevaleceu (mesmo quando não se falava dela) a avaliação contínua. O exame surgia assim como um meio de prova desnecessário, que parecia radicar numa desconfiança da capacidade do professor.

É o exame, a esse nível, ameaçador, causador de stress, para as crianças? Para a maior parte, sem dúvida. Para elas e para os pais… Mas independentemente disso, os exames do 4º ano originam um chamado efeito perverso, bem conhecido: a generalizada tendência dos professores para “ensinarem para os exames”, para treinarem os alunos para a prova. Semanas a fio, tudo na sala de aula gira à volta do futuro exame, desvirtuando uma verdadeira situação educativa. Português, Matemática – muito bem; as restantes áreas curriculares são praticamente esquecidas.

Ora já há alguns anos o Ministério da Educação havia introduzido, no calendário escolar, as chamadas provas de aferição, que no fundo são semelhantes aos exames mas não têm consequências para a classificação do aluno, fornecendo contudo elementos interessantes sobre a aprendizagem. A realização dessas provas não implicava grandes perturbações na vida das escolas e, para as crianças, não revestiam o mesmo grau de preocupação que, inevitavelmente, o exame acarreta, porque se inseriam (ou deviam inserir) na actividade normal da sala de aula.

Resta referir a ideia de que os exames seriam uma boa preparação para a vida – ou seja, que é salutar que os alunos convivam com dificuldades, porque no futuro elas existirão. Admito que sim, mas aos 9, 10 anos? Nessa idade a criança gosta de brincar! No final do século XIX um psicólogo alemão, Karl Groos, defendeu mesmo uma teoria segundo o qual o jogo da criança funcionava como preparação para a vida. Dizia mesmo que pedir a uma criança que “trabalhasse” na escola era como expô-la a trabalhos forçados. Não indo tão longe, reflictamos um pouco sobre a ideia.

Por estas razões estou completamente de acordo em que não existam exames ao nível do ensino básico (ou seja, não só no 4º mas também no 6º).  Mas repito: não concordo que esta medida isolada (até porque ela está vertida no programa do PS num contexto diferente e aceitável) tenha sido tomada agora.


2015/11/29

Tiago Brandão Rodrigues


Casualmente, ao fim da tarde de ontem, ao passar pelo canal Económico TV, fui surpreendido com a retransmissão de uma entrevista feita em Maio de 2014 a Tiago Brandão Rodrigues (TBR), o actual Ministro da Educação. A curiosidade fez-me voltar ao início e ver a totalidade da entrevista, na altura justificada pela divulgação de um artigo que TBR publicara na revista Nature Medicine sobre uma nova técnica de avaliação da eficácia dos processos de tratamento para cura do cancro que é objecto de investigação na Universidade de Cambridge.

Os nomes da nova equipa que vai liderar o Ministério da Educação nada significam para mim. Daí o meu interesse em ter informação. Considerando os sucessivos Ministros da Educação que fui conhecendo, nada me autoriza a concluir que um bom ministro seja necessariamente alguém profundo conhecedor das diferentes vertentes da educação. Em contrapartida, penso que o mesmo não se aplica aos Secretários de Estado, que devem dominar os dossiers referentes a essas mesmas vertentes.

Pelo que percebi da entrevista, TBR tem algumas características que podem ajudá-lo. É jovem, tem uma experiência de vida variada e muito centrada no trabalho de equipa e na inserção em grupos sociais variados, além de cientista com obra feita é desportista (karateca, cinturão castanho!), e parece ter uma grande disponibilidade para o diálogo. Já nessa altura (Maio de 2014) admitia regressar a Portugal se sentisse que esse regresso seria motivante para ele, na perspectiva de servir o país.

O Ministério da Educação é porventura o mais complicado de gerir. Nuno Crato, afinal, não o implodiu, mas causou-lhe muitos estragos. Eu não sei se TBR vai conseguir ter êxito, mas em princípio fiquei bem impressionado. Ter na 5 de Outubro alguém com uma visão que não esteja muito condicionada pela “ruído” local pode ser muito importante.

Falta-me informação sobre os Secretários de Estado, que são peças relevantes na equipa.

Estejamos atentos.



2015/11/19

Segurança e insegurança face ao terrorismo



A segurança na Europa depois do atentado em Paris fez-me reviver uma experiência de há mais de quarenta anos. É que terror na Europa, já houve – e em diversas ocasiões.

Em Julho de 1973 participei, com mais seis colegas portugueses, professores dos ensinos preparatório (designação do tempo, 5º e 6º anos) e secundário, numa conferência organizada pela OCDE com o tema “School-based curriculum development”, a qual decorreu na Universidade de Coleraine, na Irlanda do Norte. Nessa altura, a Irlanda do Norte era um lugar complicado para viajar: a instabilidade provocada pelo IRA (Irish Republicain Army) estava ao rubro, com atentados constantes. Como é sabido, era no fundo uma guerra religiosa, católicos contra protestantes.

Na viagem para Belfast, via Londres, na British Airways, comecei a sentir os efeitos da instabilidade. Não havia o rigor que há hoje em relação a passageiros, mas a revista da minha pasta em Heathrow foi à minúcia de abrir a bolsa do cachimbo (podia lá ter um revólver…). Mas mais sério foi quando aterrámos. Como estava à janela numa das filas do lado esquerdo do avião, vi aproximarem-se, em passo acelerado, duas filas de soldados, de arma em riste, que formaram uma ala junto à escada, por onde passámos na saída, em relativo desconforto, em direcção à sala de entrega de bagagens.

Nós íamos ser alojados em Portrush, uma estância balnear a uns dez quilómetros de Coleraine. Estavam à nossa espera dois carros que nos iriam levar de Belfast a Portrush. Era no fim do dia, mas em Julho as noites começam tarde naquela zona, por isso tivemos oportunidade de perceber que ao longo da estrada havia muitos sinais de que levavam a sério a possibilidade de qualquer ataque. De vez em vez, havia um bloqueio, com soldados a querer revistar o carro. Não nessa vez, mas noutra ocasião pedirem mesmo as identificações dos passageiros. Na rua principal de Portrush não se podia estacionar; de 3 em 3 metros havia bidons que o impediam, a fim de evitar os carros armadilhados.

Na abertura da Conferência, as primeiras palavras (encorajadoras…) foram para avisar que se soasse um sinal de alarme deveríamos em primeiro lugar deitar-nos do chão. E, nas viagens de autocarro que fazíamos diariamente percebíamos sempre que se procurava antecipar qualquer surpresa. Um exemplo: no fim-de-semana sem actividades, foi-nos oferecido um passeio, para o qual foi distribuído um itinerário. Mas na altura, já no autocarro, foi-nos comunicado que iríamos seguir um itinerário diferente, evidente manobra de despiste.

Vou referir apenas mais duas notas dessa viagem. Na altura, a localidade mais afectada pelos terroristas era Londonderry, que distava uns quarenta quilómetros de Portrush. Tínhamos travado relações amigáveis com o director da escola secundária de Londonderry, e ele, a dada altura, convidou-me, e ao Helder Pacheco (exactamente, o notável portuense, ao tempo professor numa escola da sua cidade e que, com sua Mulher, apresentou uma interessante exposição de trabalhos realizados pelos seus alunos e que foi muito bem recebida por todos), a ir até à sua cidade para ver in loco o que se passava. Além de nós dois foi também outro participante cuja nacionalidade e nome me escapam.

 A escola ficava fora do perímetro da cidade, num local aprazível. A simpatia do director foi ao ponto de nos oferecer de jantar e, depois, descemos para o centro. Ainda hoje tenho presentes as imagens e as emoções desse fim de tarde. Os carros não podiam circular, por isso o carro teve de estacionar num local relativamente afastado e fizemos o percurso a pé. Bom: a rua principal tinha todos os prédios numa semi-ruína; a única coisa que possuíam era fachada. Lembrava as imagens que tínhamos dos edifícios de Londres depois dos bombardeamentos alemães.

A dada altura, começámos a ouvir passos de corrida e do nada apareceu uma brigada de soldados, armados, a fazer-nos sinal para nos afastarmos. O anfitrião sugeriu que deveriam estar à procura de alguns membros do IRA refugidos perto. E desandámos, claro… Confesso que nesse momento tive medo.

A nota final: numa segunda-feira, um participante que vinha de Belfast contava aos amigos que no domingo a sua secretária tinha morrido vítima de um ataque bombista. E dizia isso demonstrando um mínimo de emoção, como se se tratasse de um “fait divers”.

Percebi então, juntando tudo o que já vira – e o que haveria de ver – que mesmo numa situação de insegurança a continuidade necessária da vida gera habituação. Apesar de estarem em constante alerta, as pessoas criam uma espécie de carapaça e são capazes de reagir portando-se como sempre. Não ouvi muitos queixumes. Genericamente, as pessoas comportavam-se como se tudo fosse normal. Numa festa do hotel, os irlandeses riram, dançaram, fizeram inclusivamente humor com a situação.

Eu próprio, à medida que o tempo passava, me fui habituando e quase esquecendo o insólito de estar a viver numa zona de guerra. O que não quer dizer que, quando ao fim das duas semanas regressei a Londres (e fiquei lá mais uma semana), não me sentisse bem mais seguro.


À margem da mensagem principal deste post, uma referência para a importância que a conferência de Coleraine teve na minha vida profissional: ela marcou, decididamente, a minha orientação para o estudo do currículo como factor dominante na educação.

2015/11/14

Ressentimento e tolerância


Há dias escrevi um post sobre o ressentimento, que para mim explica muito do que se está a passar em Portugal face ao rumo que a situação política tomou depois das eleições de 4 de Outubro. No fundo, as duas forças políticas com maior apoio nacional têm (objectivamente) razões de queixa mútuas. E, não as esquecendo, avolumam-nas quando em dificuldades ou, pelo contrário, quando estão “na mó de cima”, como popularmente se diz.

O mais curioso é que a história dos ressentimentos, contada por cada uma das tais forças políticas, aparece aos olhos dos seus apoiantes como a correcta, sendo muito difícil alguém ser neutro na apreciação. Não me coloco de fora: eu também julgo que a possível “narrativa” da força em que eu acredito é a que tem mais suporte.

Mas isso não significa que o meu ressentimento me retire o que eu considero complemento indispensável numa democracia, a tolerância. Por isso, embora eu não concorde com muita coisa que está a acontecer e que merece, aliás, ser evidenciada e combatida (até porque a democracia assim o exige), tempero meu desacordo com a dose necessária de tolerância. Escuso-me neste momento a exemplificar.

Mas neste discurso da tolerância intrometem-se as imagens que ontem todos vimos provenientes de Paris, e que lembram as muito diferentes, mais trágicas, vindas de New York em Setembro de 2001. Tal como nessa altura, a minha revolta eliminou a tolerância. E se posso compreender o ressentimento por parte do Islão, a resposta dada elimina qualquer tolerância. Tenho se concordar com o Presidente francês, os ataques são acto de guerra (mas a França já não estava em guerra?). Eu não sei como é possível concertar esta complexa situação que opõe dois mundos tão diferentes.

E dei por mim a pensar em como a nossa caseira desavença é coisa pouca comparada com a desavença desses dois mundos.


2015/11/13

Bloco doce


Em Nápoles, fui surpreendido ao pequeno almoço com os envólucros de açúcar da Doreca que aqui reproduzo, Isto foi o ano passado. Casualmente reencontrei um que guardei  como memória não particularmente de um insólito, mas de uma curiosidade. E lembrei-me de o divulgar - agora que o Bloco adoçou.



2015/11/10

Reflectindo sobre educação (I)


Ninguém estranhará que alguém que durante quarenta e sete anos foi professor (por vezes com outras funções ligadas à educação, em sentido lato) considere que a educação é um problema central da sociedade. Não digo o, digo um, porque há na verdade outros problemas cruciais, como a saúde. Esta ideia da importância da educação é no entanto generalizada. Ela está presente na família, o primeiro agente educador, e prolonga-se quando se percebe que são necessários outros meios para alargar as aprendizagens necessárias para vencer na vida.

Pondo de parte qualquer análise à história da educação, consideremos o quadro actual, que estabelece que a educação é uma das funções do Estado, o que implica, desde logo, que exista por parte desse Estado a definição de uma política educativa. No caso português, embora a Constituição estabeleça que “[o] Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas” (nº 2 do artº 43º), é evidente que o sistema educativo reflecte uma determinada orientação, necessariamente política. A Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei nº 46/86, de 14 de Outubro) estabelece orientações nesse sentido.

Será do entendimento geral que tal política educativa deva ter o maior consenso possível, fugindo a criar situações que possam ser discutíveis, o que naturalmente não é fácil de alcançar. Devo no entanto dizer, desde já, que entre nós, após o 25 de Abril e até há relativamente pouco tempo, houve um razoável consenso (razoável, não total, o que se compreende) acerca dos princípios gerais da educação. As discordâncias começaram a notar-se de 2002 em diante, com David Justino e Maria de Lurdes Rodrigues a divergir e Nunco Crato a destruir.

Uma das razões para a existência de consenso é o próprio termo educação. Muitas vezes refere-se educação quando se deveria dizer instrução. E pensar em educação ou em instrução numa escola faz toda a diferença. Educar tem uma abrangência que permite encarar o desenvolvimento da criança (ou adolescente, ou mesmo adulto) considerando todas as vivências em que se envolverá, e por isso a arte em geral, o desporto, a participação na vida da comunidade, não devem deixar de fazer parte do currículo. Instruir tem como finalidade promover aprendizagens específicas que permanecerão e permitirão o seu desenvolvimento numa determinada área do saber. Uma escola completa encarará estes dois aspectos como fundamentais.

A par da definição de uma política educativa existem outros pontos de grande importância no desenvolvimento da educação. Como é que a escola e os professores concretizam o que foi estabelecido? Tal concretização é aquilo que, no léxico educativo (não confundir com o célebre “eduquês” do ministro Nuno Crato de má memória) se designa por “desenvolvimento curricular”. Dito brevemente, tudo o que a escola oferece aos seus alunos é currículo.

São os alunos a razão de ser da escola e são, também, o seu maior desafio. Embora toda a gente saiba que não há duas crianças iguais, que os seus estados de desenvolvimento variam, que há “slow learners” e “fast learners”, na maior parte das vezes escolas e professores agem como se estivessem perante um grupo homogéneo, não respeitando nem ritmos de aprendizagem nem outras diferenças de personalidade. Dir-me-ão: e é possível ser de outro modo? A resposta é: é possível, mas não é fácil e pode acontecer que muitas vezes os resultados fiquem aquém do esperado.

É que estamos, claramente, a abordar um “tema problema” em educação/instrução: até que ponto a educação, por si e sustentada por ciências como a psicologia e a sociologia, consegue ser… científica?

Posto nestes termos, será difícil sustentar que há uma base científica segura na construção de um processo educativo. Aliás, não é o que acontece com todas as áreas em que o homem é objecto de estudo enquanto ser racional? Por exemplo, não é o que se passa com a economia (de economia, percebo pouco, por isso, se me quiserem contradizer, é favor)?

Mas uma coisa é não haver base segura e outra é existirem investigações muito sérias que permitem conclusões em aspectos bem definidos nas diversas áreas da educação, com realce para aquelas que têm a ver com os processos de ensino-aprendizagem. No entanto, essas conclusões nunca podem ser apresentadas como podem sê-lo as que se desenvolvem em laboratório pelas chamadas ciências exactas.

A assunção desta realidade não impede que haja divergências de pensamento, mas pode ajudar a tomada de decisões. Pelo facto de ter estudado em Inglaterra e nos Estados Unidos sigo (embora hoje menos do que num passado recente) o que se passa nesses países, que têm certamente os melhores centros de investigação em educação do mundo. Ocorrem neste momento debates calorosos, quer sobre as “charter schools” quer sobre o valor dos testes e a sua influência no desempenho dos professores. Devíamos ter em atenção esses debates pensando no nosso caso, embora não defenda que copiemos modelos por copiar modelos.

Continuarei em próxima entrada.


2015/10/27

A cadeia do ressentimento

Infelizmente, não consigo ser totalmente isento em relação a muitas coisas. Eu bem me esforço, posso andar perto, mas há sempre uma falha. Querem um exemplo? Recente? Pois bem, admito que o Sporting ganhou bem ao Benfica, que não há discussão sobre isso. Mas não deixo de pensar que se o árbitro, antes do primeiro golo do Sporting, tem assinalado aquela grande penalidade sobre o Luisão, quem sabe se o jogo não teria sido outro? O Benfica até estava a jogar bem, nessa altura…

Se não sou isento em relação ao futebol, posso sê-lo em relação à política? Ora eu penso que nem eu nem praticamente ninguém (ou alguém?). O que tenho visto, lido e ouvido sobre a actual situação pós eleitoral demonstra à saciedade a falta de isenção na análise. E eu creio que isso deriva do que eu chamo a cadeia dos ressentimentos. A tendência para argumentar com base no passado origina uma catadupa de memórias nas quais é sempre possível encontrar um presumível culpado de uma situação que, embora apenas remotamente tenha ligação com o que se passa hoje, gera o contraditório de uma outra situação semelhante invocada pela parte oposta.
Ontem, ao ver o “Prós e Contras”, confirmei essa cadeia de ressentimentos. É evidente para mim que Cavaco Silva foi o principal responsável pela “crispação” na Assembleia (já agora, penso que é uma opinião maioritária). Por outro lado, concordo que Ferro Rodrigues poderia ter feito um outro discurso de posse. Mas compreendo que, ressentido com a posição do presidente em relação a deputados da Assembleia, ele não resistisse a uma resposta.

Um pouco marginalmente, devo declarar que não sou mesmo isento em relação a Cavaco Silva. Há mais ou menos dez anos, não posso precisar quando, mas em tempos próximos da eleição presidencial de 2006, num almoço no Restaurante Panorâmico de Gualtar com o Luís e o Fernando Alexandre, fui tão impressivamente contra a candidatura de Cavaco Silva que o Fernando teve o seguinte comentário: “Caramba (não estou certo que tenha mesmo dito “caramba”) você não gosta mesmo do homem!” E lembro-me de ter redarguido que isso acontecia desde aquela sua célebre afirmação, quando primeiro-ministro, de que raramente tinha dúvidas e nunca se enganava. Na altura, veio-me de imediato à memória o que outro iluminado dissera: “Sei muito bem o que quero e para onde vou”. Escuso de recordar quem era.

Eu não estou contente com o rumo que as coisas estão a tomar. Vejo difícil, com os actuais protagonistas, que exista sensatez para aceitar sem guerrilha mudanças – e elas terão de existir, e, penso, muito rapidamente. Primeiro, teriam de se eliminar ressentimentos: e é tão difícil…

Como não sou mais do que um cidadão interessado na “res publica” e não um político, fico-me por aqui. Até porque tenho na forja uma entrada mais sobre educação, que é onde me sinto mais à vontade…

2015/10/21

Sobre a célebre PACC



A propósito da recente decisão do Tribunal Constitucional sobre a PACC (Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades) quis refrescar as minhas lembranças sobre a legislação vigente, o que hoje é muito fácil, porque está tudo na Internet (basta saber procurar). Ora à primeira tentativa, aparece-me como referência o Decreto-lei nº 146/2013, de 22 de Outubro (faz amanhã dois anos!), que é descrito como segue: ”Procede à 12.ª alteração do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de abril, e à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho”.

Décima segunda alteração em 25 anos! Por aqui se vê como tem sido difícil estabelecer as linhas de uma carreira tão importante como a dos professores de uma maneira linear. Decisões importantes têm sido tomadas e revogadas (quem não se lembra, na profissão, dos professores titulares?) e outras mantêm-se com tal contestação (a PACC é uma delas) que não é saudável insistir nelas sem uma clarificação.

Há uma verdade que tem sido esquecida: qualquer medida que seja tomada em educação, para ser correctamente implementada, tem de ter o apoio dos professores. E não se pense que por isso a administração tem de sistematicamente capitular e não introduzir medidas que sejam justas. A avaliação é uma delas. Nenhum professor pode (deve) contestar ser avaliado. E, de algum modo, isso tem sido assumido tanto pelas estruturas representativas como, individualmente, por muitos docentes. O que é necessário é saber (e querer) negociar.

Simplesmente, a PACC, tal como foi introduzida, tem pouco ou nenhum sentido. Eu compreendo que o Ministério da Educação, entidade empregadora, tem toda a legitimidade para decidir quem quer empregar, mas nesse caso tem de ser repensado o modelo que, presentemente, confere às instituições de ensino superior a formação teórica e prática para todos os graus de ensino. Se o pretender, pode introduzir regras nas candidaturas aos cursos de formação (disposição decorrente da Lei 46/86, de 14 de Outubro, a lei de bases da educação) ou uma espécie de exame final, como nos antigos exames de Estado. Agora sujeitar quem tem um diploma que validou um curso a provas que, francamente, não asseguram que os seus resultados reflictam a qualidade do docente enquanto tal, é um absurdo.

Portanto, neste caso da PACC, não está em causa a possibilidade de o Ministério querer encontrar uma forma de selecionar os professores que pretende para as suas escolas, mas sim o modo como o quer fazer.

2015/10/17

Estado da Educação 2014

O Conselho Nacional de Educação (CNE) disponibilizou ontem no seu site o documento Estado da Educação 2014. Nas suas 383 páginas contém elementos de muito interesse que merecem atenção, em especial porque inclui dados comparativos obtidos pelo PISA (Programme for International Student Assessment) e, também, porque apresenta números actualizados sobre o sistema de ensino em Portugal.

Na Introdução, o Presidente do CNE, o Prof. David Justino, dá relevo ao facto de que, entre 2000 e 2012, Portugal “esteve entre os países que maior progresso obtiveram no conjunto dos três testes”, contrariando a opinião de muitos que acham que a nossa educação é um desastre. E continua: “Essa melhoria do desempenho dos alunos portugueses revelou ainda o facto de ela ter resultado da diminuição da percentagem de alunos com baixo desempenho e de um ligeiro aumento da proporção dos que tiveram melhores resultados”. Por outro lado, anota que a melhoria de resultados aconteceu numa altura em que o desempenho económico do país estava em declínio, pelo que “a educação progrediu mais do que a economia”.

David Justino enuncia depois cinco áreas que considera vitais para o futuro: (1) a educação de infância, (2) o sucesso escolar, (3) a condição docente, (4) o conhecimento escolar e (5) o ajustamento das qualificações à estratégia de desenvolvimento do país. Anuncia depois que o CNE vai, até ao fim de 2016, promover uma série de debates sobre estes temas, comemorando de algum modo os 30 anos da Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei nº 46/86). E define o que em seu entender se espera do futuro:

“Estes cinco domínios representam outros tantos desafios que não são suscetíveis de se transformar em medidas de curto prazo. Representam alterações estruturais que exigem debate, visão de futuro, compromisso político e capacidade de assegurar a continuidade das respetivas políticas. Em democracia a alternância política não pode significar errância das políticas, especialmente no domínio da educação cujo tempo é bem mais longo que o dos ciclos políticos. Esta exige convergência, visibilidade e continuidade das opções estratégicas, confiança dos atores diretamente envolvidos e capacidade para os mobilizar para a prossecução dos objetivos de médio e longo prazo” (ortografia original do documento).

Não poderia estar mais de acordo com estas palavras, e congratulo-me por David Justino, que enquanto Ministro da Educação (2002-2004) não pareceu muito disponível para aceitar políticas definidas consistentemente pelo governo anterior, defender agora a necessidade evidente de estabilidade na educação.

2015/10/14

Ensino vocacional

No Público de hoje, 14 de Outubro, Ana Maria Bettencourt publica um curto artigo que intitulou "Um retrocesso sem precedentes", no qual dá conta de uma medida do anterior governo constante da Portaria nº 341/2015, de 9 do corrente. Trata-se da generalização do chamado ensino vocacional, que aos poucos se foi "experimentando" em algumas escolas, decisão que a autora considera desastrosa.

Tem toda a razão. Num post que quero seja curto não vou elaborar muito sobre o tema, mas lembro apenas que desde meados do século passado, mesmo durante o consulado de Salazar, se começou a destruir a dualidade de cursos pós ensino primário, com a criação do ensino preparatório, e que mais tarde se instituiu, um pouco à maneira das comprehensive schools no Reino Unido, o ensino unificado. É certo que os resultados dessa unificação estiveram longe de ser brilhantes, tendo-se abastardado muito a parte técnica, mas qualquer alteração não deveria em caso algum associar um ano de fracasso escolar à ´passagem para um curso de índole técnica, como é previsto na referida portaria.

Infelizmente, durante a campanha eleitoral não se discutiu, praticamente, a educação, como se não tivesse sido uma das áreas da governação anterior em que mais se notou uma viragem política altamente discutível, sobretudo tendo em conta a relativa convergência de posições dos partidos socialista, social-democrata, e centro democrático social. Bom: mas isso era quando se dizia que o PSD era social democrata...

2015/10/13

Primeiras palavras


A primeira coisa que me ocorre ao iniciar a minha participação n’A Destreza das Dúvidas é propor que se acrescente a palavra Educação ao elenco daquelas que, no cabeçalho, indicam as áreas de interesse neste blogue (sugestão: entre “Pontes” e “Direito”, preferencialmente a “Roupa Interior Feminina” e “Literatura”…). A educação vai ser, creio, o tema mais frequente nas minhas participações, hipótese que terá levado o Luís a convidar-me para integrar esta equipa de múltiplos interesses. Mas não será o único, claro. Seguidamente, quero agradecer esse convite. Há mais de dez anos que o Luís e eu nos conhecemos e até colaborei, como comentador, no seu primitivo blogue A Destreza das Dúvidas. Colegas na mesma Universidade partilhámos conversas e almoços no Restaurante panorâmico de Gualtar, que durante dois anos foi o meu refúgio do meio do dia. Terei ainda uma palavra de agradecimento para os meus companheiros (e companheiras) pela cooptação, esperando não os desiludir.

Acontece que inicio a minha colaboração num momento particularmente interessante da nossa vida colectiva. Estou muito curioso em saber como vai evoluir. Seja qual for o resultado, nada vai ficar como dantes: e isso é bom. A minha expectativa é que haja alguma clarificação nos partidos existentes e que isso implique coragem em assumir que o mundo mudou muito e já não estamos nos anos 70 e 80 do século passado. Vamos aguardar.

Última nota para hoje: não escrevo segundo o chamado acordo ortográfico que, dizem, está em vigor.

UM NOVO COMEÇO



Há quase onze anos iniciei este blogue, que praticamente esteve activo até meados de 2006. Depois disso os meus posts tornaram-se muito irregulares. Nunca tive coragem de encerrar o blogue, e sempre me espantou o facto de, mesmo sem entradas novas, haver leitores que por aqui passavam.

As razões da minha ausência são várias e mesmo eu não as saberei definir todas com clareza. A minha situação de "reformado”, uma palavra que esconde, para pessoas, uma terrível realidade que é o sentimento de se ser descartável, como um lenço de papel que se usa e deita fora, foi, decerto, uma das razões. A crise – e o que ela representou – terá sido outra. Perceber a destruição do que fora possível fazer de bom em educação doeu muito.

Várias vezes encarei recomeçar, e sempre falhei. Até hoje.

Recebi um convite que não soube recusar e que interpretei como uma espécie de suplemento de alento para encarar o tempo que me resta sem a sensação de inutilidade. A partir de hoje, passarei a fazer parte da equipa que constrói diariamente o blogue A Destreza das Dúvidas, e, por acordo com ela, os meus posts passarão a ser também publicados n’A Memória Flutuante. Como sempre, aqui todos os comentários serão publicados sem moderação prévia.

2015/10/05

A República

Bem sei que ontem foi dia de eleições e por isso os jornais de hoje (Público, Diário de Notícias, os que "folheei" via Internet) dedicam páginas e páginas ao evento. Já esperava. Mas lamento que pouca ou nenhuma atenção tenham prestado ao aniversário do movimento que originou a República portuguesa. Desde que tenho lembranças sólidas o 5 de Outubro foi sempre um dia especial. O termo do feriado, uma das maldades do governo que cessa agora funções (sim, porque o próximo vai ser muito diferente), representou já uma ameaça à memória colectiva dos portugueses. Mas o insólito acontece quando o actual Presidente da República decide não comparecer à sessão solene que a Câmara Municipal de Lisboa promove para lembrar a data. Essa decisão desqualifica-o como chefe do Estado. Bem: desqualificado já ele está há muito tempo...

2015/09/25

Descodificando


A mensagem anterior terá sido pouco explícita? Talvez.

Descodificando: ao votar nas próximas eleições legislativas não posso deixar de lembrar as anteriores, o que as provocou, e o que se seguiu. Mas não devo votar como se estivesse nesse passado: o presente é bem diferente, e as diferenças, para o bem e para o mal, constituem o adquirido para que possa julgar estes quatro anos. O meu voto (o de todos) visa o futuro, não o passado e nem sequer o presente. A aposta no futuro tem sempre alguns riscos; em qualquer caso, vale sempre a pena corrê-los se as nossas convicções em relação às propostas dos partidos são fortes, cortando com o constante recurso ao passado para envenenar o presente.

2015/09/22

Apenas uma breve reflexão...


Neste tempo de eleições é sempre importante ter memória. Memória completa, não flutuante como a que me fez criar este blog. Memória ancorada num passado que se procure explicar mas que não cristalize aí: afinal, não se vota pelo passado mas pelo futuro. Um pouco difícil de entender? Talvez.