Regresso pois a Lisboa nos começos de 1970, desta vez com casa própria, se bem que alugada. Não vou estar muito tempo nela, também: apenas seis meses. No fim do ano escolar (Junho-Julho) houve nova alteração da minha situação profissional e tendo surgido uma oportunidade de passar para uma casa mais ampla e bem situada, mudámo-nos, passando a residir num 7º andar de uma pequena artéria ao Campo Pequeno, que se chamava então Travessa do Marquês de Sá da Bandeira e hoje se chama Rua Laura Alves. Esta casa continua a ser a “nossa”, embora em condições diferentes; até há bem pouco tempo era alugada, e passou a ser propriedade da filha. Vivi ininterruptamente nessa casa de 1970 até 1977 e entre 1979 e 1983; depois dessa data, apenas a espaços.
Nestes 35 anos, muita coisa mudou na paisagem envolvente da minha casa! Chegando à varanda da frente, tinha campo aberto – o quartel do Trem Auto, do qual se via claramente a parada, permitia ver a linha de Monsanto, lá ao longe. Nas traseiras, também havia largueza – em frente havia um armazém, relativamente baixo; via, na Avenida 5 de Outubro, passarem os carros. Só na esquina da Avenida de Berna havia um edifício do mesmo porte daquele em que vivo. Menos agradável o facto de ter igualmente vistas para as traseiras do hospital do Rego e de o prédio ficar no enfiamento do corredor principal de aterragem do aeroporto da Portela, com os aviões a fazerem por vezes um ruído enorme.
Era então fácil estacionar o carro quase à porta de casa. Lisboa não era, ainda, sujeita ao inferno do trânsito dos nossos dias, a ainda não se tinham sacrificado nelas árvores das Avenidas Novas para aumentar os lugares de estacionamento. A razão disso não era que os transportes públicos fossem muito melhores – o metropolitano continuava com as duas linhas com que se inaugurara, e autocarros e eléctricos, estes já a serem postos de parte, eram poucos e com horários muito espaçados – mas porque o parque automóvel era muito menor (e pior). Nesse tempo ainda era possível cruzarmo-nos, de madrugada, com carroças carregadas de produtos das hortas que vinham dos arredores para os mercados lisboetas…
A minha memória desses anos não pode deixar de estar profundamente marcada pelo 25 de Abril e sobretudo pelo 1º de Maio de 1974. Creio que Lisboa nunca terá vivido e porventura não voltará a viver um dia semelhante ao 1º de Maio (já escrevi sobre ele neste blog).
Também não posso esquecer o Novembro de 75, o ambiente tenso que contaminou a cidade.
Estes anos foram anos de consolidação profissional, ligando a profissão docente para a qual me preparara, à gestão – que tive de aprender com bons mestres que eram meus subordinados (!) mas com quem tive as melhores relações, e que me deram ferramentas importantes que usei nos anos que vieram.
A década caminhava para o seu final, e os rumos da educação tardavam a ser os que eu gostaria fossem tomados. Experimentara ser professor metodólogo no Liceu Pedro Nunes, chefe de divisão e director de serviços no Ministério da Educação, fora, durante cerca de ano e meio, consultor da Norma (Departamento de Psicologia Aplicada), quando numa altura em que regressara ao meu lugar de professor num Liceu de Lisboa (onde era efectivo, aliás: o Liceu D. Filipa de Lencastre), recebo um convite que mudou a minha vida. Em Fevereiro de 1977 esse convite faz-me viajar até Braga. Braga, que conhecia por em 1973 ter estado na equipa do Ministério que estabeleceu com o Conservatório Calouste Gulbenkian a sua integração na rede escolar pública, e por lá ter passado umas duas ou três vezes. Braga será, pois, a nova cidade onde vou viver.