2006/02/24

Continuando a pensar o futuro dos cursos “à Bolonha”


“…E vai ser preciso que desde o início os alunos percebam e adiram ao processo, arrastando para ele os professores.”

Esta frase, com que quase encerrei o post de ontem, ocasionou um comentário pertinente do Miguel Pinto que merece que eu esclareça o que penso de uma maneira mais abrangente do que por uma simples resposta ao comentário.

Qual deve ser o papel dos professores universitários? Genericamente, esse papel tem sido o de considerá-los guardiães do saber, acumulando a docência com a investigação na sua área, a fim de transmitir esse saber aos seus alunos.

Ninguém contesta que o professor (seja de que nível for) tenha de deter um “saber”. Simplesmente, o melhor professor não é o que mais sabe, mas o que melhor ensina (eu costumo acrescentar, a esta velha máxima, “a aprender”).

Ora é precisamente esta ideia, que nem é nova, que está por detrás do chamado paradigma de Bolonha. O professor tem de deixar de se pensar como sendo apenas um transmissor de conhecimento e tem de assumir o papel de estimulador de aprendizagens significativas. Dito de uma maneira simples, mantendo-se ou mesmo aumentando o número de horas de contacto, quer dizer, horas em que professor e alunos interagem (face a face ou por meios digitais), devem existir menos aulas teóricas e mais práticas e, sobretudo, as chamadas horas tutórias. Para tal, o aluno tem de estudar, em permanência, para poder aprender; desde o começo das actividades terá de diariamente ir construindo o seu conhecimento das matérias.

Isto implica um esforço de planeamento por parte do docente que é certamente muito mais pesado do que “dar” aulas. Será preciso seleccionar materiais, organizar esquemas de avaliação frequentes, estar disponível para ajudar, esclarecendo dúvidas individualmente ou em pequeno grupo. É a esta mudança que não antevejo fácil que a maior parte (a maior parte, repito) dos docentes universitários adira. A tendência será, se não me engano, em conseguir que, sob a aparência de haver um novo modelo, regressar ao que existe.

Com esta afirmação não estou a pôr em causa os colegas – estou apenas a ser realista e a aplicar princípios conhecidos sobre a resistência à mudança.

Ora eu creio que este novo figurino é muito mais motivador para os alunos. Não porque venham, regra geral, preparados do secundário para ele; mas porque na verdade se vão sentir mais responsáveis e é mais atractivo aprender por si do que entrar na rotina de ouvir aulas e estudar para exames… Espero pois, como dizia, que sejam eles a “pressionar” os professores no sentido de concretizar o que Bolonha preconiza. Evidentemente as instituições, através dos seus órgãos próprios, não deixarão de estar vigilantes; e espero que aos novos alunos seja desde o primeiro dia claramente enunciado o que significam os novos cursos.

Sei que há argumentos para contradizer o que deixo exposto, que vão desde a contabilização das horas de “serviço docente” até à desconfiança que os nossos alunos queiram trocar a boa vida de estudar quinze dias por ano por um trabalho diário continuado. A minha resposta é apenas uma: não há outra solução senão encontrar meios para ultrapassar essas dificuldades. A primeira poderá resolver-se com uma outra organização da vida nos departamentos e dos horários; a segunda, com maior exigência em relação à situação do estudante na universidade. A universidade não pode pactuar com a mediocridade, e deve tolerar mal a simples suficiência. E, já que tive o apoio de um estudante do nosso curso de Medicina, dias atrás, repito: se os nossos alunos de Medicina há quatro anos convivem, e com sucesso, com Bolonha, por que não todos os outros?

2006/02/23

Pessimismo, optimismo


Ao terminar a primeira fase da minha intervenção no dossier (de facto, não me habituo à grafia dossié!) Bolonha da minha Universidade, no qual, por dever de ofício, me passaram pelas mãos mais de três dezenas de propostas de “adequação” de cursos existentes ao formato Bolonha, enquanto relaxo um pouco aguardando uma reunião magna onde essas propostas serão apreciadas – isto será a 1 de Março – pergunto-me se, como optimista que sou, tenho razões para estar satisfeito ou não.

Há um ponto positivo: houve empenhamento quase total da comunidade académica para concretizar um processo que estava em banho-maria desde há alguns meses, e em certos casos há uns anos. A tardia publicitação do anteprojecto de um Decreto-lei que nunca teve projecto “obrigou” a encurtar os prazos e por isso houve necessidade de horas extra para os cumprir, com reuniões “non-stop” por parte de algumas escolas…

Contudo, esta necessidade de uma resposta rápida não é boa conselheira para decisões reflectidas e, a não ser em casos onde o amadurecimento já estava no ponto, receio bem que os resultados fiquem aquém do que era esperado.

Bolonha, e não faço senão repetir o que tem sido dito por quem tem estudado o processo, é, mais do que um simples reajustamento de cursos, uma oportunidade de mudança. E mudar, todos sabemos, não é fácil. Por isso mudanças mais ou menos forçadas conduzem muitas vezes a um disfarce: a mudança é apenas um fingimento…

E sinceramente, apesar do meu optimismo, pergunto-me se, numa maioria de casos, não é esse disfarce que vai prevalecer. Nas entrelinhas do discurso e na objectividade das grelhas das normas técnicas, onde se faz a leitura das horas de trabalho do estudante – cerne da mudança – na maior parte das vezes descobre-se o mesmo número de horas teóricas da disciplina que cedeu o nome à unidade curricular, e os resultados de aprendizagem são tão vagos que cabe lá tudo…

Vai ser necessário um grande acompanhamento do progresso da experiência, porque de uma experiência se trata; e vai ser preciso que desde o início os alunos percebam e adiram ao processo, arrastando para ele os professores.

Espero não estar a ser injusto (e para o não ser tenho de afirmar que há propostas que me parecem excelentemente pensadas para uma renovação de metodologias). E por aqui me fico, por hoje...