2005/09/29

Haverá necessidade?


Num pequeno livro que li quando era ainda muito jovem na profissão, encontrei uma verdade que fui comprovando pela vida fora. O livro era de Orlando Ribeiro, penso que se chamava Problemas da Universidade (não estou em casa e não tenho o livro à mão), e a verdade era esta: “Ensinar é o maior subterfúgio para iludir o tempo”. Sempre liguei o ser professor e ter todos os anos contacto com gente mais jovem a um certo optimismo e aceitação de quase tudo a que a juventude adere.

Mas hoje, ao percorrer o campus depois de almoço, deparei com uma daquelas cenas de praxe que, tenho de confessar, não percebo e não aceito. Ainda pensei: será que é mesmo sintoma de velhice? Mas repudiei a ideia. Não, as coisas que os estudantes hoje definiram como básicas para “integrar” os caloiros não são racionais. Já não falo em dignidade, falo em inteligência. Eu não posso aceitar a imbecilidade.

Por isso me pergunto: haverá necessidade?

(Hoje, uma colega enviou-me uma mensagem protestando contra o barulho, contra as praxes que nesta semana impedem muitos docentes de conseguir trabalhar nos gabinetes. Mas que podemos fazer? Proibir? Há, por parte da Associação Académica, genuíno interesse em encontrar uma solução, mas é verdadeiramente impossível controlar centenas de garotos – é o que me apetece chamar-lhes – em roda livre).

2005/09/28

Homenagem: gratidão e respeito


Hoje, a minha Universidade presta homenagem à memória de um dos membros da sua Comissão Instaladora, falecido em Março deste ano – o Professor Joaquim Barbosa Romero, que foi Vice-Reitor e durante algum tempo Reitor em exercício.
Por isso, o seu retrato vai passar a figurar na galeria dos retratos dos Reitores, onde se encontram os Professores Carlos Lloyd Braga, Lúcio Craveiro da Silva, João de Deus Pinheiro, Sérgio Machado Santos e Chaínho Pereira.
É bom que as instituições guardem memória da sua história. O Professor Romero teve um papel importante no arranque da Universidade, e por isso é justa a homenagem de hoje, que perdurará assim ao longo dos tempos.

2005/09/26

O primeiro dia de aulas

Elas e eles aí andam – conduzidos pelos colegas mais velhos, das “Comissões de Praxe” – entoando cânticos, muitas com a cara pintada, quase todos com um distintivo do seu curso. Almoçaram, às centenas, na enorme cantina da Universidade, e, mais tarde, reuniram-se no pavilhão gimno-desportivo, completamente cheio – os caloiros sentados no chão, os “doutores”, quase todos com trajo de gala, nas bancadas. Ouviram as boas vindas do Reitor, do Presidente da Associação Académica e do “Papa” (o Papa é o equivalente minhoto ao “Dux Veteranorum” coimbrão), escutaram pela primeira vez o hino da nossa Academia, e dispuseram-se para uma semana diferente, pensada para a sua integração na Universidade do Minho. Não tenho dúvidas de que vão surgir queixas do barulho que não deixa trabalhar quem está em sossego nos gabinetes, de práticas pouco canónicas da praxe, em suma, queixas quanto à decisão que se tomou nesta casa de, em colaboração com a Associação Académica, proporcionar aos estudantes do 1º ano uma semana inteirinha de actividades de integração.

Sinto-me por vezes dividido em relação a isto. A minha memória não regista nada – nada, mesmo – do meu primeiro dia de aulas na Universidade. E não regista nada porque pouco haveria a recordar. Nos meus tempos, a entrada na Universidade (Lisboa, 1954) não supunha enquadramento, integração, nada: era o salve-se quem puder. Assim, eu nunca fui caloiro, sendo naturalmente caloiro…

Ao observar hoje as centenas de jovens sentados no chão do gimnodesportivo, vi nos seus rostos alegria, talvez um agradecimento por sentirem tão perto a presença dos colegas mais velhos. Talvez até a presença de nós, professores, que estoicamente suportámos um barulho que deve superar o do descolar de um Boeing 747… Eu detesto ver algumas praxes. Não lhes acho graça e por vezes penso-as humilhantes. Serão os meus olhos?

Há uns meses, entrevistando um aluno brilhante do curso de Medicina, o melhor aluno da sua escola secundária, e sondando o que ele pensara das praxes, ouvi o que não esperava – que tinham sido um cimento excelente para a camaradagem do curso, que não achava que prejudicassem quem quer que fosse. Talvez seja verdade e eu esteja enganado. Hoje, repito, pareceu-me genuína a alegria dos jovens. Alegria de que fui privado, há cinquenta anos…

2005/09/25

Fim-de-semana


Acredito que para a maior parte das pessoas o fim-de-semana acabe por ter as suas rotinas, mesmo para aquelas que sejam avessas à manutenção de hábitos. Eu, que assumo sem qualquer problema que sou um homem de hábitos, criei sem esforço rotinas de fim-de-semana, como desligar o rádio despertador, mesmo que saiba que quase inevitavelmente vou acordar à mesma hora dos dias ditos de trabalho. Uma outra rotina é dar atenção ao correio que chegou, e que foi visto rapidamente na altura mas deixado no cesto (forma de expressão, porque é de madeira…) até ao sábado seguinte. Finalmente – é por ela que escrevo este post – a minha outra rotina é preparar, essencialmente ao domingo, a semana de trabalho que segue. E aí, claro, pára a rotina, porque nesta altura o meu trabalho é muito mais variado do que quando era só professor e apenas me preocupava com o plano de actividades para os meus alunos.

Mas neste fim-de-semana este trabalho foi bem diferente.

Como disse, comecei as aulas da unidade “Currículo e Cultura” e conheci, na sexta-feira, a quase totalidade dos meus alunos. Como sempre, gostei deste arranque. Não tenho mesmo memória de alguma vez ter começado um curso e não ter tido prazer em fazê-lo. É um grupo numeroso (35 alunos) mas vamos encarar estratégias que consigam ter sessões lectivas com actividade partilhada. A média de idades é 33 anos e meio, com um máximo de 48 e um mínimo de 23 anos. Quanto ao género, 25 senhoras e 10 homens. São praticamente todos profissionais, ligados à educação em uma diversidade de instituições escolares. São provenientes de meio país: desde Lisboa a Bragança, passando por Leiria, Coimbra, Viseu, Ovar, Porto e arredores. Juntam-se estes estudantes a uma pequena maioria do eixo Braga-Guimarães. Deste número de estudantes, também quase todos têm endereço de e-mail e acesso fácil à Internet. Isso era condição indispensável para sugerir a continuação do blog que começara há dois anos, que foi aceite (unanimemente). Dois estudantes têm o seu próprio blog.

Tem sido esse o meu trabalho de fim-de-semana, preparar as coisas para que para a semana arranque tudo como deve ser. Um trabalho agradável.

Parto para este curso com expectativas, como sempre, também. Gosto de ser professor, realizei-me nessa profissão, e embora tenha gosto em outro tipo de trabalhos e até os faça bem (perdoe-se-me a imodéstia) é com os estudantes que me sinto bem, ainda que por vezes estar três horas consecutivas no comando das operações já seja cansativo.

Mas começar o curso fez-me bem. Na altura própria, direi quando o nosso blog, “Currículo & Cultura”, vai arrancar. Para já, se quiser, pode visitá-lo aqui.
A terminar esta reflexão de fim-de-semana, apenas uma nota: as rotinas vão-se substituindo… Por exemplo, há anos era prática corrente almoçar fora aos domingos; hoje, só por excepção saio. Aproveita-se tão bem o tempo na calma de um domingo!