Os doze alunos da antiga alínea f) do antigo 7º ano (actual 11º) de 1960-1961 com os seus cinco professores (Matemática – Drª Evelina; Ciências Naturais – Drª Maria José; Desenho – Dr. Madruga; Física e Química – Drª Zoraida; Filosofia e OPAN - eu).
Estive na Horta (ilha do Faial, Açores) em dois anos lectivos distintos, separados por seis anos. Pode surpreender que um professor eventual, colocado em Santarém no primeiro ano de exercício, seja, no segundo, “desviado” para os Açores. Houve uma razão para que isso acontecesse, e não estou arrependido por de algum modo a ter provocado, porque a experiência que tive na Horta foi, a muitos títulos, gratificante e até de algum modo decisiva para a minha auto-formação (um dia escreverei sobre isso). Quando soube que fora colocado na Horta, pôs-se-me um problema adicional. Para os Açores não se ia de comboio, e por isso a guia de viagem foi passada à Empresa Insulana de Navegação. Tanto quanto me recordo, havia barcos para os Açores de quinze em quinze dias; logo, tive de esperar pelo primeiro que partisse. E não foi pequena espera! De facto, o “Carvalho Araújo” era o primeiro transporte disponível e partia no dia 15 de Outubro, o que me deu um suplemento de meio mês de férias que no fundo não me agradaram.
Embora não faça rigorosamente parte dos locais onde vivi, a minha primeira experiência de viajante no alto mar merece ser recordada…
O “Carvalho Araújo” era um paquete já com uns anos de vida, mas simpático. As instalações eram razoáveis (pelo menos em 1ª classe!), a alimentação boa (aliás, comer era dos bons momentos a bordo, desde que não se enjoasse), e gostei francamente daqueles dias de descanso forçado mas diferente. O tempo não esteve mau até se chegar aos Açores, porque aí, entre ilhas, ainda apanhei mar alto e não era fácil mantermo-nos de pé se tal tentássemos.
Para mim, era tudo novidade, e como tal fui de descoberta em descoberta. Eu estava muito habituado a barcos – como se lembram, vivia no Seixal e inúmeras vezes fiz o percurso até Lisboa e volta, mas o estuário do Tejo não é o Atlântico. Assim, quando “não vimos mais que mar e céu”, como escreveu o Poeta, abriu-se-me um mundo novo… A Madeira, a que se chegava de manhãzinha depois de duas noites e um dia de viagem, foi um deslumbramento vista do mar. Como o barco estava todo o dia atracado ao cais do Funchal, fiz as habituais visitas a pontos turísticos da ilha, incluindo neles o próprio liceu (mal sabia que ainda iria ser professor lá!).
Depois, a viagem continuou por mais um dia e meio até S. Miguel (onde o barco permaneceu igualmente um dia) e Terceira, e depois, em percursos mais curtos, parou no Pico, Graciosa, e S. Jorge antes de rumar ao Faial, onde apenas chegou no dia 21 e Outubro – sete dias depois de sair de Lisboa… Nas primeiras horas em terra parecia-me que continuava a navegar, sentindo-me tonto, como se tudo à minha volta oscilasse. Era o enjoo de terra! Eu, que não enjoara no alto mar, sofria agora do mal inverso…
Bom. Mas é tempo de escrever sobre a Horta.
A Horta era (e é) uma pequena cidade, implantada na orla sul da ilha do Faial. Depois de a conhecer melhor, costumava dizer, um pouco exageradamente, que a cidade era uma rua muito comprida que mudava várias vezes de nome… Claro que era mesmo exagero. Instalei-me no “Fayal Hotel” – era mesmo assim. A Horta era uma cidade que ainda mostrava bem as influências que sofrera das prolongadas estadias de estrangeiros que, na primeira metade do século XX, tinham por lá estado em virtude de a Horta ser um ponto nevrálgico dos cabos submarinos que cruzavam o Atlântico. Diziam mesmo hotel à inglesa, marcando muito a primeira sílaba – “hótel”. E a estadia de ingleses e alemães tornara a cidade um pouco cosmopolita – era, de longe, a mais aberta dos Açores (conheci depois, menos bem mas mesmo assim razoavelmente, Angra e Ponta Delgada).
Vale a pena dizer que quando cheguei à Horta tinha passado pouco tempo sobre a erupção dos Capelinhos, e ainda esse era um tema de conversas. Passei o ano todo à espera de um tremor de terra, mas nunca veio, para meu grande consolo!
Que dizer da cidade? Era, ao tempo, o sítio mais pacato que conheci. Longe de tudo, numa altura em que não havia aeroporto e portanto só havia ligações marítimas, a população estava à mercê do tempo. Depois da minha chegada houve um longo período de tempestades e por isso o outro navio que alternava com o “Carvalho Araújo” as viagens para os Açores, o “Lima”, não pôde fazer o serviço na Horta: ficámos um mês sem notícias, porque os barcos mais pequenos que faziam a ligação a Angra do Heroísmo, e poderiam assim trazer correio vindo de avião para as Lajes, também não operavam. O movimento nas ruas era muito reduzido, à noite não se via ninguém nas ruas. Por outro lado, havia uma vida social intensa, em que as famílias se visitavam regularmente, e a cidade possuía um clube excelente, o “Amor da Pátria”, onde se reunia a sociedade local.
Chovia muito, mas não havia praticamente frio. Com excepção dos dias de temporal, e sem chuva, era agradável viver lá. Como tive de preparar matérias novas – fui professor de Filosofia do 6º e do 7º ano, para além de ter tido as turmas de História do 3º, 4º e 5º e, claro, a Organização Política e Administrativa da Nação – continuei a trabalhar bastante.
A Horta tem uma pequena maravilha à sua frente – a ilha do Pico, que, desde que não haja nuvens, se vê perfeitamente, distinguindo-se a povoação da Madalena, a pouco menos de meia hora de travessia do canal. Estando bom tempo, observar o Pico é uma distracção compensadora.
Uma palavra para o ambiente humano, e basta uma: admirável. Apesar de ter tido um conflito latente com o Reitor do Liceu (como prometi, contarei isso mais tarde), não deixei de apreciar a generosidade e o calor humano dos açorianos em geral e dos que encontrei na minha estadia na Horta. Tive com os alunos uma relação fantástica – em sua lembrança registei, acima, uma fotografia que conservo, como muitas outras.
Quando o ano acabou, nos finais de Julho, e regressei a Lisboa, não imaginava que seis anos depois iria regressar (em Outubro de 1967).
Mas esse episódio constituirá a segunda parte da minha estadia na Horta, na qual continuarei a descrever a cidade.
Embora não faça rigorosamente parte dos locais onde vivi, a minha primeira experiência de viajante no alto mar merece ser recordada…
O “Carvalho Araújo” era um paquete já com uns anos de vida, mas simpático. As instalações eram razoáveis (pelo menos em 1ª classe!), a alimentação boa (aliás, comer era dos bons momentos a bordo, desde que não se enjoasse), e gostei francamente daqueles dias de descanso forçado mas diferente. O tempo não esteve mau até se chegar aos Açores, porque aí, entre ilhas, ainda apanhei mar alto e não era fácil mantermo-nos de pé se tal tentássemos.
Para mim, era tudo novidade, e como tal fui de descoberta em descoberta. Eu estava muito habituado a barcos – como se lembram, vivia no Seixal e inúmeras vezes fiz o percurso até Lisboa e volta, mas o estuário do Tejo não é o Atlântico. Assim, quando “não vimos mais que mar e céu”, como escreveu o Poeta, abriu-se-me um mundo novo… A Madeira, a que se chegava de manhãzinha depois de duas noites e um dia de viagem, foi um deslumbramento vista do mar. Como o barco estava todo o dia atracado ao cais do Funchal, fiz as habituais visitas a pontos turísticos da ilha, incluindo neles o próprio liceu (mal sabia que ainda iria ser professor lá!).
Depois, a viagem continuou por mais um dia e meio até S. Miguel (onde o barco permaneceu igualmente um dia) e Terceira, e depois, em percursos mais curtos, parou no Pico, Graciosa, e S. Jorge antes de rumar ao Faial, onde apenas chegou no dia 21 e Outubro – sete dias depois de sair de Lisboa… Nas primeiras horas em terra parecia-me que continuava a navegar, sentindo-me tonto, como se tudo à minha volta oscilasse. Era o enjoo de terra! Eu, que não enjoara no alto mar, sofria agora do mal inverso…
Bom. Mas é tempo de escrever sobre a Horta.
A Horta era (e é) uma pequena cidade, implantada na orla sul da ilha do Faial. Depois de a conhecer melhor, costumava dizer, um pouco exageradamente, que a cidade era uma rua muito comprida que mudava várias vezes de nome… Claro que era mesmo exagero. Instalei-me no “Fayal Hotel” – era mesmo assim. A Horta era uma cidade que ainda mostrava bem as influências que sofrera das prolongadas estadias de estrangeiros que, na primeira metade do século XX, tinham por lá estado em virtude de a Horta ser um ponto nevrálgico dos cabos submarinos que cruzavam o Atlântico. Diziam mesmo hotel à inglesa, marcando muito a primeira sílaba – “hótel”. E a estadia de ingleses e alemães tornara a cidade um pouco cosmopolita – era, de longe, a mais aberta dos Açores (conheci depois, menos bem mas mesmo assim razoavelmente, Angra e Ponta Delgada).
Vale a pena dizer que quando cheguei à Horta tinha passado pouco tempo sobre a erupção dos Capelinhos, e ainda esse era um tema de conversas. Passei o ano todo à espera de um tremor de terra, mas nunca veio, para meu grande consolo!
Que dizer da cidade? Era, ao tempo, o sítio mais pacato que conheci. Longe de tudo, numa altura em que não havia aeroporto e portanto só havia ligações marítimas, a população estava à mercê do tempo. Depois da minha chegada houve um longo período de tempestades e por isso o outro navio que alternava com o “Carvalho Araújo” as viagens para os Açores, o “Lima”, não pôde fazer o serviço na Horta: ficámos um mês sem notícias, porque os barcos mais pequenos que faziam a ligação a Angra do Heroísmo, e poderiam assim trazer correio vindo de avião para as Lajes, também não operavam. O movimento nas ruas era muito reduzido, à noite não se via ninguém nas ruas. Por outro lado, havia uma vida social intensa, em que as famílias se visitavam regularmente, e a cidade possuía um clube excelente, o “Amor da Pátria”, onde se reunia a sociedade local.
Chovia muito, mas não havia praticamente frio. Com excepção dos dias de temporal, e sem chuva, era agradável viver lá. Como tive de preparar matérias novas – fui professor de Filosofia do 6º e do 7º ano, para além de ter tido as turmas de História do 3º, 4º e 5º e, claro, a Organização Política e Administrativa da Nação – continuei a trabalhar bastante.
A Horta tem uma pequena maravilha à sua frente – a ilha do Pico, que, desde que não haja nuvens, se vê perfeitamente, distinguindo-se a povoação da Madalena, a pouco menos de meia hora de travessia do canal. Estando bom tempo, observar o Pico é uma distracção compensadora.
Uma palavra para o ambiente humano, e basta uma: admirável. Apesar de ter tido um conflito latente com o Reitor do Liceu (como prometi, contarei isso mais tarde), não deixei de apreciar a generosidade e o calor humano dos açorianos em geral e dos que encontrei na minha estadia na Horta. Tive com os alunos uma relação fantástica – em sua lembrança registei, acima, uma fotografia que conservo, como muitas outras.
Quando o ano acabou, nos finais de Julho, e regressei a Lisboa, não imaginava que seis anos depois iria regressar (em Outubro de 1967).
Mas esse episódio constituirá a segunda parte da minha estadia na Horta, na qual continuarei a descrever a cidade.