2005/12/17

Os lugares onde vivi – (4) Horta, Açores (1960-1961; 1967-1968) – 1ª parte

Os doze alunos da antiga alínea f) do antigo 7º ano (actual 11º) de 1960-1961 com os seus cinco professores (Matemática – Drª Evelina; Ciências Naturais – Drª Maria José; Desenho – Dr. Madruga; Física e Química – Drª Zoraida; Filosofia e OPAN - eu).
Estive na Horta (ilha do Faial, Açores) em dois anos lectivos distintos, separados por seis anos. Pode surpreender que um professor eventual, colocado em Santarém no primeiro ano de exercício, seja, no segundo, “desviado” para os Açores. Houve uma razão para que isso acontecesse, e não estou arrependido por de algum modo a ter provocado, porque a experiência que tive na Horta foi, a muitos títulos, gratificante e até de algum modo decisiva para a minha auto-formação (um dia escreverei sobre isso). Quando soube que fora colocado na Horta, pôs-se-me um problema adicional. Para os Açores não se ia de comboio, e por isso a guia de viagem foi passada à Empresa Insulana de Navegação. Tanto quanto me recordo, havia barcos para os Açores de quinze em quinze dias; logo, tive de esperar pelo primeiro que partisse. E não foi pequena espera! De facto, o “Carvalho Araújo” era o primeiro transporte disponível e partia no dia 15 de Outubro, o que me deu um suplemento de meio mês de férias que no fundo não me agradaram.

Embora não faça rigorosamente parte dos locais onde vivi, a minha primeira experiência de viajante no alto mar merece ser recordada…

O “Carvalho Araújo” era um paquete já com uns anos de vida, mas simpático. As instalações eram razoáveis (pelo menos em 1ª classe!), a alimentação boa (aliás, comer era dos bons momentos a bordo, desde que não se enjoasse), e gostei francamente daqueles dias de descanso forçado mas diferente. O tempo não esteve mau até se chegar aos Açores, porque aí, entre ilhas, ainda apanhei mar alto e não era fácil mantermo-nos de pé se tal tentássemos.

Para mim, era tudo novidade, e como tal fui de descoberta em descoberta. Eu estava muito habituado a barcos – como se lembram, vivia no Seixal e inúmeras vezes fiz o percurso até Lisboa e volta, mas o estuário do Tejo não é o Atlântico. Assim, quando “não vimos mais que mar e céu”, como escreveu o Poeta, abriu-se-me um mundo novo… A Madeira, a que se chegava de manhãzinha depois de duas noites e um dia de viagem, foi um deslumbramento vista do mar. Como o barco estava todo o dia atracado ao cais do Funchal, fiz as habituais visitas a pontos turísticos da ilha, incluindo neles o próprio liceu (mal sabia que ainda iria ser professor lá!).

Depois, a viagem continuou por mais um dia e meio até S. Miguel (onde o barco permaneceu igualmente um dia) e Terceira, e depois, em percursos mais curtos, parou no Pico, Graciosa, e S. Jorge antes de rumar ao Faial, onde apenas chegou no dia 21 e Outubro – sete dias depois de sair de Lisboa… Nas primeiras horas em terra parecia-me que continuava a navegar, sentindo-me tonto, como se tudo à minha volta oscilasse. Era o enjoo de terra! Eu, que não enjoara no alto mar, sofria agora do mal inverso…

Bom. Mas é tempo de escrever sobre a Horta.

A Horta era (e é) uma pequena cidade, implantada na orla sul da ilha do Faial. Depois de a conhecer melhor, costumava dizer, um pouco exageradamente, que a cidade era uma rua muito comprida que mudava várias vezes de nome… Claro que era mesmo exagero. Instalei-me no “Fayal Hotel” – era mesmo assim. A Horta era uma cidade que ainda mostrava bem as influências que sofrera das prolongadas estadias de estrangeiros que, na primeira metade do século XX, tinham por lá estado em virtude de a Horta ser um ponto nevrálgico dos cabos submarinos que cruzavam o Atlântico. Diziam mesmo hotel à inglesa, marcando muito a primeira sílaba – “hótel”. E a estadia de ingleses e alemães tornara a cidade um pouco cosmopolita – era, de longe, a mais aberta dos Açores (conheci depois, menos bem mas mesmo assim razoavelmente, Angra e Ponta Delgada).

Vale a pena dizer que quando cheguei à Horta tinha passado pouco tempo sobre a erupção dos Capelinhos, e ainda esse era um tema de conversas. Passei o ano todo à espera de um tremor de terra, mas nunca veio, para meu grande consolo!

Que dizer da cidade? Era, ao tempo, o sítio mais pacato que conheci. Longe de tudo, numa altura em que não havia aeroporto e portanto só havia ligações marítimas, a população estava à mercê do tempo. Depois da minha chegada houve um longo período de tempestades e por isso o outro navio que alternava com o “Carvalho Araújo” as viagens para os Açores, o “Lima”, não pôde fazer o serviço na Horta: ficámos um mês sem notícias, porque os barcos mais pequenos que faziam a ligação a Angra do Heroísmo, e poderiam assim trazer correio vindo de avião para as Lajes, também não operavam. O movimento nas ruas era muito reduzido, à noite não se via ninguém nas ruas. Por outro lado, havia uma vida social intensa, em que as famílias se visitavam regularmente, e a cidade possuía um clube excelente, o “Amor da Pátria”, onde se reunia a sociedade local.

Chovia muito, mas não havia praticamente frio. Com excepção dos dias de temporal, e sem chuva, era agradável viver lá. Como tive de preparar matérias novas – fui professor de Filosofia do 6º e do 7º ano, para além de ter tido as turmas de História do 3º, 4º e 5º e, claro, a Organização Política e Administrativa da Nação – continuei a trabalhar bastante.

A Horta tem uma pequena maravilha à sua frente – a ilha do Pico, que, desde que não haja nuvens, se vê perfeitamente, distinguindo-se a povoação da Madalena, a pouco menos de meia hora de travessia do canal. Estando bom tempo, observar o Pico é uma distracção compensadora.

Uma palavra para o ambiente humano, e basta uma: admirável. Apesar de ter tido um conflito latente com o Reitor do Liceu (como prometi, contarei isso mais tarde), não deixei de apreciar a generosidade e o calor humano dos açorianos em geral e dos que encontrei na minha estadia na Horta. Tive com os alunos uma relação fantástica – em sua lembrança registei, acima, uma fotografia que conservo, como muitas outras.

Quando o ano acabou, nos finais de Julho, e regressei a Lisboa, não imaginava que seis anos depois iria regressar (em Outubro de 1967).

Mas esse episódio constituirá a segunda parte da minha estadia na Horta, na qual continuarei a descrever a cidade.

Aditamento ao post anterior: num exame oral no Colégio de Benavente


Na foto que arquivo neste blog estão os professores que examinavam, na prova oral, um candidato do Colégio de Benavente (1965?): da esquerda para a direita Drª Luísa Vitorino (Português), Drª Maria Adelaide (Inglês), Eu (História) e Drª Maria Natália Dias (Francês). Que saudades do cabelo!

2005/12/16

Os lugares onde vivi – (3) Santarém (1959-1960)


Tinha 23 anos, um curso universitário de História e Filosofia com classificação final de bom, queria ser professor (desde criança que queria ser professor). Na altura, bastava ir à Direcção-geral do Ensino Liceal, que funcionava no campo de Santana, no belo palacete que é hoje a Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, e fazer um requerimento em papel selado (lembram-se do papel selado?), cuja norma era fornecida por uma funcionária que nos atendia, solicitando colocação como professor de serviço eventual. Não havia multidões a requerer, e também não havia dezenas de vagas…

Recordo-me que a lista dos colocados vinha na II série do Diário do Governo (assim se chamava o actual Diário da República) num dos últimos dias de Setembro. E no dia 1 de Outubro devíamos estar no Liceu onde tínhamos sido colocados, recebendo para o efeito, se fora de Lisboa, uma requisição de transporte para a viagem de comboio em 1ª classe.

Tinha uma secreta esperança de ficar em Lisboa, mas não fiquei: fui colocado em Santarém. Santarém ficava a pouco mais de uma hora de comboio de Lisboa (se fosse rápido). Ainda tentei o que hoje é comum – continuar a viver em Lisboa e fazer a viagem diária, o que era possível, tanto mais que eu não tinha aulas de tarde; mas cedo percebi que não podia fazê-lo sem sacrificar grandemente a minha preparação de aulas – era o meu primeiro ano! – e, naturalmente, sem que tivesse um grande desgaste (tinha de me levantar todos os dias pelas seis da manhã para apanhar o comboio pelas 7 em Entre Campos, mudar em Braço de Prata para chegar a Santarém às 8 e 25, tomar na estação um táxi que me levasse, colina acima, até ao liceu). Por isso acabei por alugar um quarto numa casa perto do liceu, na Rua António Bastos, no qual fiquei até ao fim do ano.

Santarém era, na altura, uma cidade relativamente pequena. Cheia de história. Recordo-me que me encantei com as ruas estreitas da parte antiga, com as igrejas (Santa Clara, logo ao pé do liceu, a Graça, São João de Alporão, Marvila…), com a vista das Portas do Sol (foi um ano de cheias, era uma paisagem incrível, apesar da ansiedade pelas populações isoladas). A cidade não tinha nessa altura crescido como hoje, as zonas mais modernas apenas circundavam o núcleo histórico.

Diziam-me os colegas de lá naturais que Santarém desprezava tudo o que não tivesse a ver com touros, querendo com isso significar que o escalabitano era pouco dado às coisas da cultura. Talvez fosse assim. De qualquer forma, como tive um ano de muito trabalho (repito, era o meu primeiro ano e tinha quatro disciplinas diferentes em sete turmas, Língua e História Pátria do 1º ano, História do 3º e 4º, e ainda Organização Política e Administrativa da Nação do 7º) refugiava-me no quarto ou no liceu e por isso pouco andei pela cidade (até porque a casa onde morava não era no centro da cidade).

Regressei a Santarém por mais duas vezes, por períodos curtos: em 1961, voltei ao liceu por mês e meio; em 1965, fiz lá o serviço de exames (Junho-Julho). Sempre na mesma casa.

Anos mais tarde, na década de 80, fui muitas vezes a Santarém para reuniões das comissões instaladoras das Escolas Superiores de Educação, numa altura em que a cidade já crescera, e muito, para além dos limites que eu conhecera.

Tenho de Santarém uma boa lembrança, quanto mais não seja por ter sido lá que iniciei esta minha caminhada como professor, que agora termina. E também pelos “celestes”, aqueles bolos regionais que qualquer guloso, como eu, aprecia…

2005/12/15

Os lugares onde vivi (2) Lisboa (1947-1959)


Apesar de não ser lisboeta, Lisboa é a minha cidade: morando no Seixal, vinha com os meus pais a Lisboa, de vez em quando, atravessando o Tejo nos barcos que já então faziam a ligação entre as duas margens, numa viagem de cerca de 30 minutos. Quando entrei no Liceu, em Outubro de 1947, ainda morava no Seixal, e durante algum tempo ia e vinha todos os dias, mas depois fiquei durante algum tempo em casa de uma tia que vivia perto do Liceu, na Rua Fernandes Tomás, e é por isso que digo que desde 1947 vivo em Lisboa. Na verdade, a mudança da família só se deu em 1948.

Até 1959 vivi sempre em Lisboa, e depois dessa data voltei a lá viver durante longos períodos, nunca tendo cortado as amarras nem à cidade nem à casa onde vivi (e a que me acolho quando lá vou) desde 1970.

A Lisboa dos meus primeiros anos como seu habitante recordo-a como uma cidade onde era bom viver. Quem estava habituado à vida simples do Seixal tinha forçosamente de sentir o encanto de uma grande cidade, que não se confinava a duas ruas paralelas e a um cinema barracão.

Fui viver para um 4º andar de um prédio acabado de construir, na Rua do Arco do Carvalhão, a dois passos de Campolide. A lembrança mais viva desses tempos é a dos pregões que ouvia (e que desapareceram de todo na cidade): da peixeira, das vendedoras de fruta e hortaliça, dos “amola facas e tesouras”… Era uma casa cheia de sol, agradável, onde era bom estar.

Em virtude de uma doença que me tocou à porta, aos doze anos (um dia poderei lembrar esse facto da minha vida) a família considerou mudar de casa, porque um quarto andar sem elevador não era aconselhável para um convalescente, e por isso mudámos para um rés-do-chão de um edifício da Rua Padre António Vieira, ao parque Eduardo VII. Foi a minha segunda morada em Lisboa, e mantive-me muito pouco tempo nela, porque alguns meses depois aconteceu aparecer uma oportunidade que pareceu excelente para os meus pais e mudámo-nos uma vez mais para um rés-do-chão alto no Bairro Azul, na Avenida de Ressano Garcia. Não seria no entanto a última; ano e pouco depois, houve nova mudança, e desta vez definitiva, para um 6º andar (desta vez com elevador) na Avenida de João Crisóstomo, perto do parque de Palhavã, onde é hoje a Fundação Gulbenkian e era, na altura, a Feira Popular de O Século. No fundo, e para quem não conhece a topografia da cidade, todas estas minhas moradas ficavam relativamente perto umas das outras.

Neste período de doze anos que considerei no título deste post, “apropriei-me” da cidade. Estudando em dois liceus, o Passos Manuel e o D. João de Castro, fazia diariamente percursos razoavelmente longos para lá chegar, usando para o primeiro o eléctrico e para o segundo o autocarro, mas andava também muito a pé. Como sempre gostei de me levantar cedo, saía de casa com muita antecedência e, se não chovia, fazia sempre parte da deslocação andando, sobretudo quando ia para o D. João de Castro, em que ia tomar o autocarro ao Marquês de Pombal. Até lá, ou atravessava o Parque Eduardo VII (que na altura não era o que é hoje em termos de segurança) ou descia simplesmente a Avenida António Augusto de Aguiar e depois a Fontes Pereira de Melo.

Nesses doze anos, certamente a cidade mudou, mas conservo dela uma imagem muito consistente que referi atrás: uma cidade em que era bom viver, em que os automóveis ainda não estavam em cima de passeios, em que não havia sinais de insegurança. Lisboa tinha limites, percebia-se quando se saía da cidade e se estava nos chamados “arredores”. Como durante todo esse período não tinha automóvel não posso falar por experiência própria de como era relativamente fácil estacionar onde se queria (mais tarde, nos anos 70, já motorizado, isso ainda era relativamente possível).

Houve todavia um período onde a vida da cidade foi um pouco perturbada, quando começou a construção das primeiras linhas do Metropolitano, que transformou a Avenida da Liberdade num estaleiro… Recordo ainda o dia da inauguração, um dia de loucos, em que todos queriam experimentar a novidade (e eu também!) e por isso encheram-se cais e carruagens (quem quiser saber um pouco da história do metropolitano, pode clicar aqui).

Da Lisboa dos meus anos de estudante recordo ainda as inaugurações do excelente cinema S. Jorge, em 1950, de que fui um assíduo cliente, pois durante muito tempo não perdi um único filme exibido e do estádio da Luz, em 1954, onde, paradoxalmente, poucas vezes estive. Também nesses anos cinquenta cresceu a cidade universitária, ao Campo Grande; aliás, a minha Faculdade (de Letras) mudou-se para lá em 1958. Fiz todo o curso nas antigas instalações do Convento de Jesus mas o acto de licenciatura foi no edifício novo. Recordo finalmente os começos da televisão – cujas primeiras emissões experimentais foram feitas da Feira Popular, como disse pertinho da casa de meus pais.

Terminei o curso em Julho de 1959 e em fins de Setembro fui colocado como professor eventual no Liceu Nacional de Santarém. Santarém vai ser, durante cerca de um ano, o meu novo local de residência.

2005/12/14

Os lugares onde vivi - (1) Seixal (1936-1947)


Nasci na Cova da Piedade apenas porque os meus avós maternos – que cheguei a conhecer, ao contrário dos meus avós paternos – lá viviam. Nessa altura poucas mamãs não tinham os seus filhos em casa… Mas a minha infância foi passada no Seixal, onde a minha família se fixara. Nesses anos 30, o meu pai era contabilista de uma grande firma da indústria corticeira deste país, a Mundet & Cª Ldª, e a minha mãe – como tantas outras mulheres do seu tempo! – teria de inscrever, como profissão, se a tal fosse obrigada, “doméstica”. Eu era o mais novo de três filhos, a oito anos de distância da irmã e a doze do irmão.

Tenho uma ideia global dos tempos da minha infância, com episódios bem marcados e outros nebulosos, até que começo a ter uma memória mais precisa, detalhada. A recordação mais antiga é a de receber uma vacina no consultório do Dr. Fiadeiro, médico que nos finais dos anos 30 do século XX exercia no Seixal. Penso que terá sido uma vacina tardia – teria eu três anos? Lembro-me de estar sentado numa mesa alta, lembro-me do médico a retalhar a minha coxa direita, e sobretudo lembro-me de um cão preto, enorme, que do lado de fora do consultório, observava a cena. Penso que terei tido muito medo do cão e naturalmente da vacina; isto porque ainda hoje não gosto particularmente de me encontrar com cães desconhecidos e também não gosto de ter de me encontrar com médicos...

O calendário real ajuda-me a datar os eventos que recordo: o ciclone de 15 de Fevereiro de 1941 (estava eu portanto a meses dos cinco anos), a morte da minha Avó materna, um ou dois anos depois; um tremor de terra forte, que me apavorou, em data que não posso precisar. Visualizo com nitidez a noite na qual o meu Pai, de acordo com as instruções dadas, colou nas janelas tiras de papel, pôs à porta um balde de areia com uma pá, e apagou todas as luzes: era o “blackout” de prevenção nos tempos da Grande Guerra de 1939-1945. De manhã, foi a surpresa – e disso me recordo com nitidez, também! – ao ver pela janela, sobrevoando o braço do rio Tejo que se avistava de casa, muitos balões de barragem.

Tenho da guerra lembranças esparsas. Quando comecei a saber ler – teria eu uns seis anos, talvez – recordo-me de todas as manhãs ir espreitar o jornal que o meu Pai lia, O Século. Claro que ouvia conversas, mas não sei se cheguei a ter uma consciência clara do que estava a acontecer.

O Seixal era nessa altura uma pequena vila que de desenvolvia precisamente ao longo desse braço do rio. Era uma vila de pescadores e de operários, porque a fábrica da Mundet dava trabalho a muita gente. Havia duas ruas principais e paralelas, a Paiva Coelho e a Dr. Miguel Bombarda, na qual morava, num segundo andar que me permitia ver o rio, o moinho de maré em frente e ao longe, se não havia neblina, os contornos de Lisboa.

Terra de gente modesta e trabalhadora, com parcas diversões. O cinema era um barracão (na altura as crianças podiam ir ao cinema mesmo se fossem de colo), e recordo-me de se ter inaugurado a primeira pastelaria no Seixal – por acaso mesmo ao pé da casa de meus pais. Havia duas sociedades recreativas que eram rivais – se não me engano, tinham os nomes de Timbre Seixalense e União Seixalense. E o Seixal Futebol Clube.

Nesses anos 40 estava-se a electrificar a vila – recordo-me dos trabalhos feitos em casa, dos montes de fios, tomadas e interruptores – tudo montado à vista, claro. Também não havia ainda água canalizada – todos os dias o “aguadeiro” nos visitava para encher os potes na cozinha.

Desses tempos, recordo ainda as grandes festas de S. Pedro, o padroeiro da vila, com as ruas engalanadas, a procissão e as vendedeiras de bolos (sempre fui guloso).

Foi no Seixal que fiz a escola primária, os meus primeiros exames, e foi no Seixal que fiz os primeiros amigos – mas a vida afastou-me de todos eles. Em 1947 o meu pai foi transferido para os escritórios da Mundet em Lisboa, estava eu no 1º ano do Liceu, e a família mudou-se para a capital. Ia iniciar um novo capítulo da minha vida.

2005/12/13

Os lugares onde vivi


Outro dia, vagueando a minha memória por passados remotos, senti a tentação de escrever sobre os diferentes lugares onde vivi, de uma forma continuada. Foram muitos, na verdade! Também eu, professor, tive de “saltar” de escola para escola nos primeiros anos da minha vida. Sem os contornos dramáticos de quem entra hoje na profissão, nos anos 60 do século passado a colocação dos professores no início do ano lectivo constituía um pequeno problema que tinha de ser resolvido. A minha ideia é conseguir descrever esses lugares tal como a minha memória os restitui. Datando-os, claro está!
Amanhã, publicarei o primeiro…