2006/05/06

O Café Atenas de Coimbra


Na quarta-feira passada fui a Coimbra para apresentar um livro que é a tese de doutoramento de uma docente da Escola de Enfermagem Bissaya Barreto de quem fui orientador. A Escola comemorava 35 anos de idade e quis também homenagear essa docente, que bem o mereceu. Foi uma festa bonita e que me deu a ideia de a Escola ter conseguido ao longo destes anos criar um “ethos” que a personalizou.

Aproveitei a manhã para uma romagem de saudade à Coimbra dos anos 60 do século passado na qual vivi. Muitas diferenças… As ruas Ferreira Borges e Visconde da Luz, o Largo de Santa Cruz, predominantemente pedonais (mas apesar disso, com trânsito de veículos a mais) conservam muito do passado. Mas desapareceu o Café Internacional, o que mais frequentava quando ia à Baixa, mas também a Brasileira; na Praça da República procurei em vão o Mandarim… Contudo, ao subir para a Alta, mesmo ao fim da Rua Lourenço de Almeida Azevedo tive a surpresa agradável: o pequeno Café Atenas ainda existia! Foi lá que durante quase dois anos almocei e jantei.

Entrei. À distância de mais de quarenta anos ainda posso reconhecer que no essencial pouco mudou – ainda que o mobiliário não seja da época. Sento-me na mesa do canto, que normalmente ocupava. Via dali a televisão, a preto e branco nessa altura, hoje a cores e já em LCD… Há meia dúzia de fregueses àquela hora (seriam onze e meia da manhã). Alguns serão professores da Escola José Falcão, que fica ali a dois passos… Tento saber se ainda há qualquer ligação ao proprietário do meu tempo (creio que era o Sr. Quaresma, mas não estou seguro). A senhora que me atende diz que não – o Café já terá passado por outras mãos, mas tem-se conservado. Ainda bem!

Vou ver as “minhas” duas casas, onde morei: uma na Rua João Pinto Ribeiro, outra na Avenida Afonso Henriques. Estão na mesma – melhor, mais velhas mas ainda firmes… Na fachada do Liceu (deixem-me dizer assim…) um cartaz anuncia que o edifício comemora os 70 anos de idade. Não sabia que também ele nascera em 1936… Não entrei. Um dia fá-lo-ei, naquele momento não me apeteceu. Preferi regressar à Baixa, demorar-me ainda deambulando no Parque de Santa Cruz…

Creio que já o disse anteriormente: gostei de viver em Coimbra, Por isso gostei também de, nesta manhã, deixar a minha memória flutuar até esse passado tão distante.

2006/05/05

Uma reflexão sobre a memória dos outros


No dia seguinte ao da minha jubilação, um colega procura-me para me fazer um convite que sem me espantar me deixa curioso. Estava em Braga uma colega, professora na Universidade dos Açores, que viera fazer uma conferência e manifestara a esse meu colega o seu interesse em se encontrar comigo, porque fora minha aluna na Horta e gostaria de me rever. Eu estivera por duas vezes na Horta, em 1961 e 1968, e o nome da colega não me dizia nada (por respeito à privacidade, vou designá-la por R)… Claro que não tenho a pretensão de me recordar de todos os nomes dos meus ex-alunos, mas pensava que devia lembrar-me de alguém que se lembrava de mim...

Decidiu-se que jantaríamos nesse dia. Quando vi a R, senhora que fora menina há trinta anos, nada ma fez lembrar, e foi preciso algum tempo de conversa para eu reconstituir esse passado. Afinal, a R não estava no Liceu, mas sim na Escola do Magistério, que nesse tempo, funcionava no mesmo edifício, e eu fora seu professor de Psicologia Aplicada à Educação, conforme mandava a legislação. Ora essa turma, estive com ela muito menos vezes do que com as turmas do Liceu, e a R não era – ela o confessou – muito interveniente.

Mas o que me espantou foi a quantidade de memórias que conservou das minhas aulas (talvez, dizendo melhor, do que eu era), algumas verdadeiros pormenores sobre o método que eu utilizava e que ela muito apreciou. Independentemente do relativo prazer que tive por tal facto – afinal, sou humano e não deixo de ter a minha pequena dose de vaidade pessoal – regressei a casa pensando na responsabilidade que os professores têm em tudo o que fazem. Eu já o sabia, porque comigo se passa o mesmo em relação a muitos dos meus velhos professores: cada palavra nossa, cada acção, pode ter uma influência decisiva nos nossos alunos.

Apesar de não ter muitas recordações da R foi muito bom reencontrá-la: como lhe disse no fim do jantar, foi mais uma das coisas bonitas que me aconteceu na hora da despedida.

Os lugares onde vivi – Londres (1978 – 1979)


A primeira vez que estivera em Londres fora em 1973, quando a libra valia 60 escudos e havia pessoas que iam de propósito à capital do Reino Unido para fazer compras na época de saldos (não foi o meu caso, contudo…). Como turista, gostara da cidade. Agora, cinco anos depois, tinha pela frente, pelo menos, um ano para viver lá. A minha Mulher e a filha tinham ficado em Lisboa. Eu regressaria a Portugal nas férias do Natal, elas ir-me-iam visitar na Páscoa.

Resolvera a acomodação instalando-me no John Adams Hall, uma residência para alunos do Instituto de Educação, que ficava convenientemente localizada na Endsleigh Street, a três blocos do Instituto e da Russell Square (Praça e Metro) e ainda, embora sem grandes vantagens para mim, a dois passos da estação de comboios de Euston. O quarto era razoável para um estudante, com o senão, naquele tempo frequente (não sei se já alteraram os hábitos) de a casa de banho, que servia pelo menos quatro quartos não ter duche, o que obrigava ou a um banho de imersão numa banheira gigantesca ou a uma lavagem complicada que incluía uma espécie de exercícios de educação física, substituindo o chuveiro por uma série de copos de água depois do ensaboamento… Se o quarto era razoável, a comida (pequeno almoço à parte) era horrorosa.

Depois do Natal, cansado da residência, aproveitei o facto de ter vago um apartamento, igualmente gerido pelo Instituto, e desafiei o Lemos Pires, que partilhara a aventura londrina, para me acompanhar. Felizmente fomos os preferidos e mudámo-nos então para a Woburn Square, também ali na zona. Melhorei consideravelmente, porque para além de deixar de fazer ginástica no banho (havia duche!) passei a ser o responsável pela minha alimentação e embora não tenha grande aptidão para a cozinha consegui, mesmo assim, ter mais satisfação do que no Hall (aprimorei-me nas feijoadas…).

De qualquer modo, voltar a ser estudante e em condições que nunca tinham sido as minhas, porque estudara sempre ao pé de casa, com limitações financeiras porque, embora generosa, a bolsa do British Council tinha de ser gerida com tacto, não foi fácil. Confesso que na generalidade simpatizei pouco com os ingleses, embora tivesse excelentes relações com alguns e, em termos de resultados, tivesse aproveitado imenso da minha estadia. Foi um ano de trabalho intenso e proveitoso: passava os dias na Biblioteca do Instituto, que na altura não estava, como hoje, no edifício, mas a uns quinhentos metros, ocupando três andares. Só tinha aulas ao fim do dia, pelo que me sobrava tempo para estudar – e foi o que fiz. Só ao fim de semana, caso o tempo permitisse, fazia longos passeios.

Recordo-me que o Inverno foi rigoroso; nevou várias vezes. Foi igualmente um ano politicamente sensível – numerosas greves, entre elas uma da recolha de lixo que durou imenso tempo – o que teve como remate a mudança do governo trabalhista para o da Senhora Tatcher quando das eleições antecipadas (creio que em Maio de 1979).

Costumo dizer que me adapto bem e normalmente gosto de viver onde vivo. Não foi o caso de Londres: talvez tenha sofrido demasiadamente o facto de estar longe da família, e embora tivesse vários amigos nas mesmas condições, e com os quais tive um bom convívio, cheguei ao fim do ano sem grande vontade de continuar. O acaso proporcionou-me isso mesmo, e por isso, em vez de continuar, como era suporto que acontecesse, regressei a Portugal em Julho de 1979.
Voltei a Londres várias vezes, para curtas estadias, quase sempre com o objectivo de aproveitar a excelente organização do Instituto de Educação, e hoje a cidade parece-me menos hostil do que há trinta anos. Mas não seria o local onde gostaria de voltar a viver…

2006/05/04

Público e privado


Hoje (4 de Maio), dez da manhã. Entro em Coimbra no Alfa Pendular nº 123 em direcção a Braga e ocupo o meu lugar. A viagem vai durar duas horas, que destinei para ler o Público e talvez começar a ler um livro que ontem me foi oferecido. Mal o comboio arranca, atrás de mim soa um sinal discreto de um telemóvel. A voz que atendeu já não era tão discreta, soava como se estivesse na sala de sua casa. Impossível não ouvir. E até ao Porto, com pequenos intervalos, a voz da senhora que se sentava atrás de mim, e que nos (aos passageiros do comboio, claro) declarou ser actriz, com nome e tudo (M.M.), usou aquele espaço como seu escritório, falando com umas tantas pessoas de negócios (discutindo mesmo pagamentos pelo seu trabalho) ou assuntos pessoais que obviamente não interessavam a quem tinha tido a pouca sorte de estar no seu raio de acção.

Não foi a primeira vez que me aconteceu ter de partilhar uma conversa ao telemóvel em comboios, mas nunca me acontecera uma tal exposição forçada ao que devia ser uma privacidade. Aquela senhora, não sei se por ser actriz, confunde o privado com o público, e deu hoje um espectáculo desagradável. Não deveria existir uma etiqueta de uso dos telemóveis em espaço público?

2006/05/01

O caso da Cinemateca


Tenho acompanhado o caso da direcção da Cinemateca Nacional por duas razões. A primeira é o próprio João Bénard da Costa, que foi meu colega de curso na Faculdade de Letras de Lisboa e que, de algum modo, considero um meu amigo distante, porque não nos temos encontrado desde há muito. A segunda razão porque tendo eu próprio atingido há dias o “limite” de idade, e tendo sido desligado do serviço, estou em condições de reflectir sobre a situação.

Sou dos que pensam que não há razão para o Estado impor a aposentação a quem quer que seja, mesmo atingido pelo limite de idade, se essa pessoa tiver condições físicas e psicológicas para continuar a exercer o seu cargo e o desejar fazer. Pessoalmente, eu continuaria a trabalhar até sentir que não tinha mais essas condições.

É verdade que, em casos excepcionais, pode ser autorizada essa continuidade, desde que seja feita uma proposta aceite pelo Primeiro Ministro, ficando nessa altura o funcionário com o direito de, além da pensão da aposentação, receber um terço da remuneração a que o lugar que desempenha dá direito.

Julgo que terá sido esta a cláusula que terá levado o actual Governo a dar indicação aos serviços para restringir ao mínimo essas excepções. Eu distinguiria aqui casos como o do Bénard da Costa, que tem 70 anos, de outros, de funcionários que se reformaram com muito menos idade e foram depois “repescados”, arranjando assim um complemento de reforma que é legal, sem dúvida, mas sugere a pergunta: “Então, por que se reformou?”

Talvez fosse bom repensar também estes casos e encontrar uma solução lógica para eles e para quem atingido pelo limite de idade não tem problema em continuar a trabalhar (caso do João, a que acresce a sua indiscutível competência na área do cinema). Uma vez que continuam a servir o Estado, não seria de lhes manter o vínculo com todas as consequências – incluindo a suspensão da pensão de aposentação e manutenção do devido vencimento, incidindo nele todos os descontos legais, incluindo o que é devida à Caixa Geral de Aposentações?