Embora tivesse vontade, não comentei posts
recentes que versaram sobre a decisão de terminar com os exames do 4º ano.
Decidi esperar um pouco e escrever sobre o tema. Sendo porventura o mais velho
(ou dos mais velhos…) colaborador deste blog (A Destreza das Dúvidas), conheci a via-sacra de todos os
exames nacionais, desde a 3ª classe (excepto o da admissão às escolas
comerciais e industriais), incluindo os exigidos para a obtenção do título de professor
do ensino liceal e, depois, os necessários para uma carreira académica; e
acrescentei-lhes muitos outros, na Inglaterra e nos Estados Unidos da América. Sobrevivi,
como se vê. Isso não me leva porém a que considere hoje os exames como a melhor
arma contra o que se chama facilitismo e muito menos que sirvam para “endurecer”
a capacidade de resposta das crianças à dureza da vida competitiva que as
espera.
Antes de continuar, devo desde já dizer que
considero extemporânea a medida aprovada, não porque não concorde com ela mas
porque deveria ser integrada num conjunto mais vasto de alterações que deviam
ser discutidas visando uma outra política educativa que bem precisa é.
Por dever de ofício tive ao longo da vida de
reflectir sobre o papel e importância dos exames. E o que me ocorre em primeiro
lugar é que em muitas ocasiões eles são necessários e, portanto, se justificam.
Seguidamente, direi que os exames não são um fim em si, mas um meio de prova.
Como tal, podem revestir aspectos diferentes conforme o que se pretende provar.
Pondo de parte qualquer análise histórica, a
existência de exames em educação terá começado a ser combatida logo que a
evolução consistente da psicologia e da sociologia contribuíram para dar
suporte ao conjunto de conhecimentos que hoje constitui a(s) ciência(s) da
educação. Nos Estados Unidos Dewey esteve numa primeira linha, tal como na
Europa Claparède. No fundo, estimava-se que os exames constituíam um corpo
estranho na lógica de uma educação que se pretendia livre e integral. Fez-se
depois o caminho para formas alternativas dos exames, e em meados do século XX
surgiu o termo avaliação, que prevalece hoje, genericamente; o exame é apenas mais
uma técnica de avaliação. O conceito de avaliação contínua revela uma lógica
diferente do exame (acto isolado, num dado momento): os resultados da
aprendizagem dos alunos são monitorizados ao longo do seu percurso escolar, num
processo natural que tem como principal fim ajudar quem aprende e não provar
que “sabe” aquilo que aprendeu.
Se nos lembrarmos do modo como aprendemos a
ler, a escrever, a fazer contas (a trindade clássica da velha instrução
primária) certamente recordaremos como havia interacção entre nós e o nosso
professor (ou professora[CF1] [CF2] ). Nos primeiros anos de escolaridade, com professor único, sempre
prevaleceu (mesmo quando não se falava dela) a avaliação contínua. O exame
surgia assim como um meio de prova desnecessário, que parecia radicar numa
desconfiança da capacidade do professor.
É o exame, a esse nível, ameaçador, causador
de stress, para as crianças? Para a
maior parte, sem dúvida. Para elas e para os pais… Mas independentemente disso,
os exames do 4º ano originam um chamado efeito perverso, bem conhecido: a
generalizada tendência dos professores para “ensinarem para os exames”, para
treinarem os alunos para a prova. Semanas a fio, tudo na sala de aula gira à
volta do futuro exame, desvirtuando uma verdadeira situação educativa.
Português, Matemática – muito bem; as restantes áreas curriculares são
praticamente esquecidas.
Ora já há alguns anos o Ministério da Educação
havia introduzido, no calendário escolar, as chamadas provas de aferição, que
no fundo são semelhantes aos exames mas não têm consequências para a
classificação do aluno, fornecendo contudo elementos interessantes sobre a
aprendizagem. A realização dessas provas não implicava grandes perturbações na
vida das escolas e, para as crianças, não revestiam o mesmo grau de preocupação
que, inevitavelmente, o exame acarreta, porque se inseriam (ou deviam inserir)
na actividade normal da sala de aula.
Resta referir a ideia de que os exames seriam
uma boa preparação para a vida – ou seja, que é salutar que os alunos convivam
com dificuldades, porque no futuro elas existirão. Admito que sim, mas aos 9,
10 anos? Nessa idade a criança gosta de brincar! No final do século XIX um
psicólogo alemão, Karl Groos, defendeu mesmo uma teoria segundo o qual o jogo
da criança funcionava como preparação para a vida. Dizia mesmo que pedir a uma
criança que “trabalhasse” na escola era como expô-la a trabalhos forçados. Não
indo tão longe, reflictamos um pouco sobre a ideia.
Por estas razões estou completamente de acordo
em que não existam exames ao nível do ensino básico (ou seja, não só no 4º mas
também no 6º). Mas repito: não concordo
que esta medida isolada (até porque ela está vertida no programa do PS num contexto
diferente e aceitável) tenha sido tomada agora.