2005/07/02

Mais sobre estágios na formação de professores (1)


Os comentários ao meu anterior post, muito pertinentes e estimulantes, sugerem-me que permaneça no tema, que é actual e merece por isso mais algum desenvolvimento e debate.

Vou esquecer hoje as razões que trouxeram à discussão o assunto e vou apenas dar a minha actual opinião sobre a prática na formação de professores. Digo actual porque tenho evoluído nas minhas ideias.

O estágio na formação de um professor, como aliás acontece com qualquer outra profissão, visa proporcionar uma vivência em contexto apropriado que permita testar as capacidades do candidato para exercer com qualidade a profissão para a qual se preparou. E preparou, como? Aprendendo as matérias da sua especialidade, das chamadas ciências da educação, numa mescla de teoria e prática às quais faltaram, normalmente, uma clara aplicação no terreno – a escola. Isto é: estar diante de alunos, ter de planear e concretizar situações de ensino-aprendizagem, seleccionando materiais, delineando estratégias e escolhendo técnicas apropriadas, incluindo a avaliação desses alunos.

Não se pode assimilar um estágio desta profissão ao de muitas outras, em que o trabalho é predominantemente dominar uma técnica, e comprová-lo de modo mais ou menos seguro. Um professor enfrenta todos os dias situações diferentes, mesmo quando parecem iguais. Não se pode pois esperar que o estágio lhe dê mais do que algumas oportunidades de experimentar as suas competências. Ele (ou ela) irá aprendendo sempre coisas novas ao longo da vida, e é por isso que a formação contínua deveria ser obrigatória e avaliada. Eu comparo muitas vezes o professor ao médico, porque tal como ele encontrará certamente situações que nunca imaginara ter de resolver.

Durante o estágio, tanto ou mais importante do que dar aulas, é ter um orientador (eu preferiria a designação inglesa tutor ou mentor) experiente, que aceite reflectir com o estagiário e que provoque ele próprio a reflexão. Por outro lado, é bom que o estagiário seja colocado em contextos diferentes (isto é, experimente turmas de anos diferentes).

Na maior parte das vezes, o aluno que entra em estágio quer apropriar-se de um modelo, coleccionar umas tantas “receitas” para as usar no futuro. Cada vez me convenço mais que é um erro fornecer modelos aos alunos. Cada professor deve criar o seu próprio modelo. (Não se confunda modelo com estratégias e técnicas, que as há diversificadas; o modelo que combato é o estereótipo tipo diagrama pronto a aplicar). Um orientador experiente deverá pois acompanhar o estagiário sem querer fazer dele um clone – o que exige de sua parte compreensão da sua função e competência para ser um bom supervisor.

Ora bem, aqui chegado, direi que penso (hoje) que nem é necessário um ano de estágio, e muito menos que os estagiários tenham turmas próprias. O que acontece na formação dos educadores e professores do 1º ciclo do ensino básico poderia ser repetido no secundário com grande vantagem. A leccionação de séries de aulas sobre temas do programa na turma do orientador, cuidadosamente preparadas e executadas, discutidas com os colegas, em ambiente cooperativo, abriria mais portas para o futuro do que estar ao longo do ano a leccionar a mesma turma, com visitas episódicas do orientador (e menos ainda do da Universidade).

De qualquer forma, todos temos de ter consciência que o estágio não torna milagrosamente bom professor um aluno que não possua as capacidades para tal, nem conseguirá facultar-lhe todos os ensinamentos práticos que, idealmente, desejaria.

Postas estas ideias, voltarei ao tema para o abordar de outros ângulos.

Os estágios na formação de professores


Casualmente, escrevi recentemente uma série de posts lembrando o que, há quarenta anos, fora o meu estágio. O tema “estágios” ganhou, entretanto, actualidade por o Ministério da Educação ter decidido alterar o sistema em vigor para a formação de professores do 3º ciclo do ensino básico e secundário. Dessa alteração apenas é sabido que os alunos das Universidades, ao entrarem em estágio (5º ano das licenciaturas) deixam de ser contratados e por isso não recebem vencimento. Outras alterações, que penso serem inevitáveis, como complemento desta, não as conheço. Neste momento, apenas quero deixar duas notas.

Primeira nota. Os alunos dos cursos de formação de professores do 1º e 2º ciclo do ensino básico e os de educadores de infância, no seu último ano (que não se chama de estágio, mas onde a prática acompanhada em escolas tem um papel importante) não recebem qualquer vencimento. Há, portanto, uma certa dualidade de critérios, porque em qualquer dos casos, os futuros professores continuam a ser alunos das escolas de formação.

Segunda nota. Há mais de dez anos que digo que estamos a formar professores para o desemprego (a Ministra, ontem, teve a coragem de reconhecer isso mesmo). È evidente que existe algum desperdício de formação, embora se possa dizer que a requalificação dos professores sem escola seja possível, já que a um diplomado pelo ensino superior se deve dar crédito às suas capacidades de adaptação. Mas tenho encontrado ex-alunas a fazer propaganda de produtos no Supermercado, ou nas caixas registadoras. O que não é, verdadeiramente, o que pode esperar quem acabou uma licenciatura. A verdade é que não tem havido racionalidade na abertura de cursos (e aí, mea ou nostra culpa, as visadas são as Universidades).

O tema merece desenvolvimento noutras perspectivas, e prometo que a ele voltarei. Breve!









2005/06/30

As Crónicas na RUM (14)


Realizou-se ontem a Gala do Desporto na Universidade do Minho, que vai na 5ª edição, e que como o nome deixa entrever se destina a galardoar os alunos e técnicos que se distinguiram em diversas modalidades desportivas na época de 2004-2005.

A nossa Universidade tem tido, e continua ter, um excelente registo no que se refere à prática desportiva dos seus alunos, que competem regularmente em provas nacionais e internacionais com resultados muito interessantes. Isto tem naturalmente a ver com as infra-estruturas que são disponibilizadas para a prática desportiva e que são efectivamente utilizadas, mas também com o trabalho dos técnicos, amplamente reconhecido pela comunidade académica.

A Gala de ontem teve, contudo, um interesse adicional: a apresentação de um programa de apoio aos alunos da Universidade do Minho que são atletas de alta competição. Muitos não saberão que a nossa Universidade tem como alunos quase duas dezenas de jovens que gozam desse estatuto. Ora como todos sabemos, as exigências de preparação desses atletas implica um estilo de vida que não se pode assemelhar ao de um estudante normal – e por isso a lei prevê, em estatuto próprio, que no campo académico existam, para esses alunos, condições especiais. Para além delas, porém, os Serviços de Acção Social propuseram aos órgãos próprios da Universidade a criação de um programa especial de apoio, que teve a designação de TUTORUM, e foi esse programa que foi apresentado ontem, antes da Gala, em conferência de imprensa.

O TUTORUM – como o nome deixa entrever – é um programa de apoio tutorial que visa dar aos alunos atletas de alta competição um enquadramento adequado para que eles consigam melhores resultados nos seus estudos, compatibilizando o esforço exigido na sua preparação física e desportiva com o que é indispensável para obter rendimento como estudante.

Este tipo de programa é pioneiro em Portugal, embora a legislação existente preveja acções deste tipo. Envolvendo a Reitoria da Universidade, o Conselho Académico, Serviços Académicos e Serviços de Acção Social, a figura chave deste programa é a do tutor, que acompanhará o estudante tendo em vista um grande objectivo de índole académica: que o estudante consiga obter, no ano escolar, pelo menos 50% dos créditos referentes às disciplinas em que se encontre matriculado. Esta é aliás uma condição indispensável para que o atleta se mantenha no programa.

O desporto é, em todo o mundo, um factor de desenvolvimento cuja importância não é sequer necessário realçar. A Universidade tem todo o interesse em fomentá-lo entre os seus estudantes, e em apoiar os melhores. O que não pode, ou não deve, é ter em menor atenção o objectivo primordial da sua acção – que é o êxito académico. Esperemos que o TUTORUM, em boa hora sugerido e agora em prática, se revele um elemento positivo para os nossos estudantes atletas de alta competição.

Até para a semana.




2005/06/29

“Ask not what your country can do for you; ask what you can do for your country” (J. F. Kennedy, 1961)

Quando Kennedy fez o seu discurso de posse, em Janeiro de 1961, sintetizou na frase que encima este texto um lema verdadeiramente exemplar para um imenso país no qual, apesar das enormes diferenças que separam as pessoas (diferenças de toda a ordem: económicas, sociais, culturais, religiosas) há um sentimento nacional muito forte, no qual a bandeira e o hino são os elementos externos visíveis e omnipresentes. Eu era na altura um jovem professor no Liceu da Horta (ilha do Faial), com pouca informação disponível para além da rádio e de dois pequenos jornais locais (o Telégrafo e o Correio da Horta). Só de vez em quando me chegavam de Lisboa alguns jornais, sempre com grande atraso. Recordo-me mesmo assim de ler o relato desse discurso e da impressão que me fez. Esse ano, como muitos se lembram, ficou ligado ao começo real da guerra nas ex-colónias, ao assalto ao Santa Maria, e àquela anedota que consistia em mostrar num papelinho, escrito à mão, o ano (I96I), rodar o papelinho 90 graus e, perante o mesmo ano (I96I) dizer com voz cúmplice: “Agora é que isto vira!” Isto: era a situação, o Salazarismo, a censura… E eu pensava: “o que posso eu fazer pelo meu país?” E nessa altura entrechocavam-se pensamentos complicados: “Ir para Angola já, em força, é fazer algo pela Pátria?” ou “Não seria fazer mais pela Pátria ajudar a nascer em África outros Brasis?”

Ao longo da vida, tenho em muitas ocasiões relembrado esta frase preciosa. Muitas ocasiões, de facto, porque infelizmente, parece que em Portugal o patriotismo se resume a querer que se seja campeão de futebol (ou qualquer outro desporto) mas raramente as pessoas deixam de pensar primeiro em si e só depois na Pátria. Há excepções, claro. Mas excepções.

Tudo isto vem a propósito dos tempos que correm. Portugal está a viver uma crise financeira, ou melhor, económica e financeira, praticamente desde os começos do século. Não sou competente para discorrer sobre as origens da crise mas sou suficientemente competente para perceber que ela existe e as razões por que é difícil sair dela. Não vale a pena argumentar com ideologias. De direita ou de esquerda qualquer pessoa lúcida compreende que o Estado, enquanto tal, se tornou um sorvedouro de dinheiro e um gastador impenitente. Julgo que a embriaguês dos ecus e depois dos euros vindos de Bruxelas turvaram as mentes. Porventura a minha também. Não conseguimos aproveitar bem a cornucópia das benesses, a não ser para conseguir entrar no euro (e ainda bem, apesar de tudo).

Não me interessa culpar ninguém, porque isso não resolve a situação. O que me interessa é exactamente que a situação se resolva. Quando em 2002 me disseram que o país estava de tanga, não acreditei verdadeiramente, mas compreendi que iam ser pedidos sacrifícios e dispus-me a eles. O IVA subiu 2 pontos, e durante dois anos não fui aumentado. Esperei que essa austeridade ajudasse, mas não ajudou: três anos depois, apenas tínhamos conseguido piorar. Há novas eleições, e um partido ganha as eleições com maioria absoluta. Nunca escondeu que vinham aí tempos difíceis. O seu líder faz a promessa de não aumentar impostos. Mas algum tempo depois quebra a promessa – e penso que foi a única que não cumpriu, até agora. Teria sido melhor não a fazer? Não sei. É feio mentir, mas seria muito mau que, na situação actual, o governo não tivesse o apoio de uma maioria absoluta.

E chego ao ponto essencial. A divulgação de medidas concretas para reduzir a despesa do Estado afecta naturalmente todos os que dele dependem. São, evidentemente, medidas duras para a maior parte. Mas alguém acredita que não tenham de ser as necessárias? Repare-se, antes das eleições, os críticos antecipavam que não iria haver coragem de tomar medidas por causa da proximidade das eleições autárquicas – e elas estão a ser tomadas, com os riscos inerentes de perda potencial de votos para o partido de governo. Os mais reputados economistas (ainda anteontem, nos “Prós e Contras”, Medina Carreira, Silva Lopes, Ferreira do Amaral e Santos Silva) praticamente convergem dizendo que ainda é pouco e terão de ser pedidos mais sacrifícios no sector da despesa pública. Vamos meter a cabeça na areia, como a avestruz? O país está doente e precisa de cura. E não ajuda a cura pormo-nos em bicos dos pés e proclamar que temos direitos! E os direitos de Portugal, como Nação? Vamos pô-los de parte?

Temos de ser exigentes connosco próprios, aceitar alguns sacrifícios e – naturalmente – ser implacáveis para com os desvios e as fugas, porque os sacrifícios devem tocar a todos. Não temos tempo a perder porque já se perdeu muito tempo. Isso não se compadece com polícias que prometem não policiar, enfermeiros que não cuidam doentes, em suma trabalhadores que decidem não trabalhar. Isto só acontece porque as pessoas pensam que o Estado nunca vai à falência – mas atenção, porque pode chegar-se a uma situação gravíssima se nada se fizer. Por isso, acho que é tempo de todos meditarmos no lema de Kennedy: “Não perguntes o que o teu país pode fazer por ti; pergunta o que podes tu fazer pelo teu país”.

2005/06/28

Serenando


Passadas as controvérsias sobre a greve que os Sindicatos dos Professores decidiram convocar para os dias de exame dos 9º e 12º anos, vale a pena, serenamente, acrescentar algumas considerações.

Antes de mais, os professores provaram – e a esmagadora maioria, não por medo de represálias mas por serem profissionais – que era indigno fazer reverter sobre os alunos qualquer agravo que tivessem contra a tutela. Tutela – e não entidade patronal. Eu, que tenho um forte sentimento de pertença à minha classe profissional, fiquei satisfeitíssimo.

Em segundo lugar, se se confirmarem as notícias, que li, a propósito de terem sido solicitados às Escolas nomes de grevistas por parte de estruturas do Ministério, é evidente que esse acto merece repulsa e em meu entender deveria ser severamente punido (aliás, um dos meus posts referia quanto no passado me incomodou uma situação análoga).

Finalmente, seria a meu ver salutar que houvesse mais serenidade (e porventura bom senso) na análise da actual situação (e aqui não penso só nos professores). O que está a acontecer, em termos de política governamental, deve levar toda a gente a reflectir sobre o que deva ser o estado real da economia e das finanças do país. E se o país está doente, é necessário encontrar um remédio, não agravar a doença.

Tenho vindo a reflectir sobre isto e talvez escreva um post brevemente.

2005/06/27

Um fim-de-semana diferente


Araucária no Buçaco
É bom, de vez em quando, deixar que entre as preocupações do dia a dia se enxertem dias diferentes. Por isso o último fim-de-semana, prolongado com o feriado de S. João, foi aproveitado para uma dessas pausas, perante paisagens diferentes das habituais. Não totalmente desconhecidas nem muito distantes de Braga – mas diferentes. A começar pelos verdes: apesar de tudo, a seca no Minho parece ser menos gravosa do que no centro do país, onde tudo o que é vegetação mostra que tem sede. Mesmo assim, a mata do Buçaco continua ser refrescante e sobretudo repousante. Dou por mim a pensar que desde que a conheço – mais ou menos desde há cinquenta anos – a paisagem não mudou. As árvores centenárias continuam a viver, imponentes, insensíveis às outras mudanças… E assim continuará a ser.

Quando regresso e abro o correio – 348 mensagens… - levo largos minutos a desembaraçar-me de lixo. E de repente, uma mensagem curta enche-me de alegria. O Luís vai voltar: seja no seu anterior blog, “A destreza das Dúvidas”, seja noutro, resolvidas as contrariedades, regressará. Fazia-nos (sei que posso falar no plural) muita falta. Até por isso, o fim de semana foi diferente!