2015/12/16

Dos consensos em educação


Ontem, pelas 10 e 20 da manhã, tomei um táxi perto da minha casa para ir para o Palácio Ceia, sede da Universidade Aberta, onde ia decorrer a posse do meu Amigo, o Reitor Paulo Dias. (Não é esse o tema deste post, mas não posso deixar de dizer que o Paulo Dias foi meu parceiro em muitas iniciativas nos últimos anos da minha vida académica no Minho, entre as quais o Centro de Competência Nónio Século XXI, e sobretudo as conferências Challenges, com início em 1999 e que ainda hoje se mantêm, com periodicidade bi-anual).

Mas vamos ao ponto que quero desenvolver. O taxista tinha o rádio sintonizado na TSF e entrei a tempo de ouvir qual o tema do fórum: “Estabilidade na Educação: os partidos devem assumir um compromisso de médio prazo?” Segundo o apresentador, o Manuel Acácio, esta pergunta estava no site da estação e até essa altura havia 100% de respostas “sim” e, obviamente, 0% de respostas “não”. Ainda tive tempo de ouvir o ex-ministro David Justino, actual Presidente do Conselho Nacional de Educação, expor o que o referido Conselho tem definido sobre exames e provas de aferição.

Parece que o resultado final da questão colocada no site foi 96%-4%, o que revela que uma grande maioria apoia a estabilidade. Não posso estar mais de acordo, mas reconheço dificuldades, sobretudo desde que se rompeu uma ideia básica que, creio poder dizê-lo sem errar, era comum à maior parte dos responsáveis pela educação, em diferentes sectores, e que era transversal mesmo em relação a partidos políticos. Essa ideia básica privilegiava a educação, sem menorizar a instrução (já mencionei este aspecto em anterior post). Se atentarmos bem, a política seguida pelo ministério Crato era o inverso: a instrução sobrepunha-se à educação.

No final do século XX o Ministro Marçal Grilo propôs um pacto educativo, salvo erro em 1996. Era um documento muito sólido e nada complexo, mas como o PS não tinha maioria, os outros partidos não responderam como se desejava, e a ideia perdeu-se. Foi pena, porque na altura não havia o tipo de divergências que hoje existem.

Por isso, o grande problema para que seja possível um amplo consenso é definir de uma maneira cabal que educação queremos neste país. Ter em atenção a célebre afirmação de Montaigne e decidir sobre ela: “Mieux vaut une tête bien faite qu'une tête bien pleine”. Interrogar-se se depois da Internet e das redes sociais a escola pode ficar como era. Discutir se a verdadeira aprendizagem não deveria ser o aprender a aprender. Questionar se querer que a escola proporcione bem-estar aos seus alunos é incompatível com a aprendizagem.


E muito mais, que a inteligência de cada um poderá elencar.

2015/12/14

Agora, os “rankings”


Os rankings das escolas portuguesas não universitárias já não são uma novidade: existem desde 2001. Há opiniões contraditórias sobre a sua oportunidade. O Ministério da Educação (ME) tinha até então resistido à divulgação dos resultados escolares, mas cedeu à pressão da comunicação social, que os exigia. Tanto quanto penso, as reticências do ME teriam a ver com a disparidade de resultados entre escolas públicas e privadas, que, interpretadas de um modo linear, levantariam dúvidas sobre a eficácia do ensino público.

O conhecimento dos resultados das escolas, em termos de aproveitamento dos seus alunos, é evidentemente importante. O problema, percebido desde um primeiro momento, é que os dados que serviam para organizar as escalas eram insuficientes para explicar os resultados: classificações internas ou de exames, dados brutos, não podiam reflectir senão uma parte da realidade. Por isso a ordenação das escolas só fazia sentido se se tentasse adivinhar o que não a suportava: por exemplo, a razão porque no topo apareciam sempre escolas privadas.

Para o comum dos mortais, no entanto, essas listagens configuravam uma verdade que nem sempre correspondia à realidade. Muitas escolas (sobretudo da rede pública) apareciam mal colocadas, mas quem as conhecia por dentro sabia que elas tinham virtualidades que os resultados iludiam. Faltavam outros dados complementares.

Como referi em post anterior, os serviços de estatística do Ministério da Educação passaram a disponibilizar esses dados, que permitem uma abordagem diferente, para bem melhor, dos rankings. Definiram-se as chamadas variáveis de contexto (por exemplo, escolaridade das mães e dos pais, proporção de alunos que beneficiam de apoio de ASE – acção social escolar - em cada um dos escalões, distribuição dos alunos pelos níveis e modalidades de ensino). Partindo do princípio que essas variáveis poderiam explicar os diferentes resultados escolares, utilizaram-se modelos de regressão linear múltipla aos indicadores desses resultados, permitindo chegar ao chamado “valor esperado” para cada uma das variáveis.

Temos assim um quadro que, teoricamente, permite uma interpretação mais confiável da realidade das diferentes escolas do país. No entanto sou dos que pensam que continua a ser necessário algum cuidado na interpretação dos resultados, porque nem tudo é redutível a números e, a menos que se aceite que a única função da escola é garantir o êxito académico (o que me parece redutor), há outros elementos que devem ser considerados quando se avalia o trabalho da instituição.

Para além do conhecimento que tive, como professor, de muitas escolas, entre 2010 e 2013 fiz parte de equipas que conduziram a avaliação externa de escolas do ensino básico e secundário, as quais, para além de considerarem esses elementos objectivos, procediam a visitas às instituições e entrevistavam membros da comunidade escolar. Esse contacto directo mostrou, mais do que uma vez, que em termos de acção educativa plena, ou seja, esforço de integração social de alunos com dificuldades, respeito pelas diferenças, e até práticas inovadoras nos processos de ensino-aprendizagem, escolas mediocremente classificadas nos rankings mereciam maior louvor do que outras no topo.

Por isso quase sempre senti um certo desconforto no momento da decisão, por não poder equilibrar, nos pratos da balança, os dados objectivos e os subjectivos (ainda que razoavelmente explicados) de uma escola.

Isto não significa que não considere a importância dos dados estatísticos, que podem agora ser trabalhados na tentativa de compreender o que se passa realmente nas escolas em termos de rendimento escolar. Os investigadores têm agora à sua disposição muitos mais dados do que em passado recente para poderem trabalhar.


No entanto, em meu entendimento, mais do que hierarquizar escolas é importante encontrar meios de ajuda às que lutam com dificuldades e cumprem deficientemente a sua missão – ou parte dela. Esta vertente vai muito para além dos rankings. Felizmente, tanto quanto sei, a Inspecção-Geral de Educação desenvolve um programa com essa intenção.