2005/09/23

Os meus últimos alunos


Daqui por umas horas vou dar início à minha última prestação como professor no activo (empreguemos uma expressão técnica…). Leccionarei uma disciplina do mestrado em Estudos da Criança que faz parte dos planos curriculares de duas especializações, Educação Musical e Comunicação Visual e Expressão Plástica. O nome dessa disciplina é “Currículo e Cultura”, e, se elas e eles aceitarem, vai ter o seu blog – continuação do que existia ou um novo. Não sei o que vou sentir, nem logo, ao começar, nem em Dezembro, quando me despedir. Mas tudo isto tem significado. Sobretudo, quando penso que fará em Outubro 46 anos que dei a minha primeira aula…

2005/09/22

A destreza das dúvidas

O blog do Luís foi dos primeiros que me suscitou uma curiosidade continuada e de certeza foi o primeiro no qual comentei. A partilha que o seu Autor fazia (e faz) da sua experiência de doutorando nos Estados Unidos aproximou-me, talvez por (com todas as diferenças) eu ter sido também um “exilado” nos States com o mesmo objectivo. Agora, que sei que o Luís terminou a tarefa, para além dos parabéns que já deixei no seu blog, quero igualmente assinalar, neste meu quase diário de memórias, a alegria que sinto pelo “novo” colega. Vou esperar pela descrição do seu doutoramento – que nos Estados Unidos é coisa séria mas desdramatizada em termos de encenação (o que não quer dizer que não haja, depois, esse momento de encenação), quando se entregam os diplomas.
Recordo o meu doutoramento: numa sala pequena, de seminário, com uma única assistente, uma colega brasileira que me pediu para ir, lá estava eu e o júri de cinco membros, à volta de uma mesa, todos em mangas de camisa, a discutir a tese, durante cerca de duas horas, num acto simples mas profundamente honesto. Para trás, ficavam três anos e meio de trabalho aturado, dois deles a construir a dissertação, sempre apoiado pelos meus dois orientadores, com tarefas marcadas, mas sem haver o mínimo sinal de imposição. Sempre que eu discordava, dizia-o claramente e, como se diz agora, “não havia crise”, teria de se chegar a um consenso. Devo dizer, porque é verdade, que tive colegas que se queixavam amargamente da maneira como eram orientados; não foi o meu caso.
Fiquei sempre preso a esse tempo, lamentando apenas que tivesse sido tão tarde. Nisso, o Luís (e como ele tantos outros) teve a sorte de viver noutros tempos. Que seja feliz na sua vida académica (e não só, claro)!

2005/09/21

O tabaco e eu


Quando se apertam as regras para impedir a proliferação de fumadores, sobretudo para os mais jovens, sou levado a rever a história da minha relação com o tabaco.

Quando comecei a fumar? Como quase todos os garotos, quando no Liceu via os mais velhos a esgueirarem-se para a casa de banho para tirarem umas fumaças, e me convencia que crescia mais depressa se os imitasse… Como tinha em casa um exemplo vivo de fumador (o meu pai) um belo dia surripiei um “3 vintes” (quem se lembra?) e experimentei. Não vale a pena dizer que não gostei, como não vale a pena dizer que apesar de tudo insisti: e pelo fim do liceu fumava, não muito, é verdade, mas com certa regularidade. Verdadeiramente, só comecei a ter prazer no fumo quando um dia, teria os meus 17 anos, ao fazer uma viagem (sozinho) para a Beira Alta, no comboio da noite, comprei um maço de tabaco americano, o “L&M”. Que maravilha! Era muito caro para o meu bolso, mas mesmo assim sempre que podia misturava as marcas da altura – havia o “VIC”, de embalagem de cor vermelha, sobre o qual corria uma das muitas anedotas em que intervinha Salazar (e que me inibo de contar aqui…), o “UNIC”, o “Vera Cruz” – isto para não falar dos “Definitivos” e “Provisórios”, os chamados mata-ratos… – com as de tabaco americano ou inglês. Por exemplo, o já então célebre “Philip Morris”, mas também o “Camel”, o “Lucky Strike”, o “Marlboro”, o “Benson and Hedges”.

Continuei pois a fumar e sempre em crescendo. Surgiram novas marcas – por exemplo o “Porto”, que consumi bastante, e um tabaco curioso, muito escuro e forte, “Negritas”. Na altura não havia campanhas anti… Curiosamente, nunca conseguia fumar de manhã, antes de almoço; depois, eram uns a seguir aos outros… Mas nunca fumei numa aula.

Ora isto durou assim até um dia. Estava, nesse ano de 1963, em Lamego, a dar aulas no Liceu, aguardando que fosse chamado para estágio, o que ira acontecer em Janeiro do ano seguinte. Estava frio, e eu trabalhava, de tarde, no meu quarto da Casa de Santa Zita, onde estava hospedado (não havia outras instalações razoáveis ao preço que lá pagava, na altura). Preparava as minhas aulas, e naturalmente, fumava… Uma tarde, cansado, apesar do frio, achei que devia ir dar um passeio pela estrada do Relógio, e assim fiz. Era uma daquelas tardes outonais bonitas. Quando regressei, cheio de ar puro nos pulmões, abri a porta do quarto e quase dei um passo atrás: o fumo era tanto e tão espesso, que parecia uma cortina a impedir-me a passagem. Fiquei tão preocupado que disse para mim que não podia continuar a fumar. E num daqueles rasgos que de vez em quando são muito meus, pequei no maço de tabaco (que ainda teria uns dez cigarros) e lancei-o para o caixote de lixo, amarrotado. Estive sem fumar quase dois anos: mas ao acabar o estágio, tive uma recidiva. Com uma variante: comecei a gostar de cigarrilhas. Então, partilhava duas “Melior”, uma depois do café do almoço e outra depois do café do jantar, com um macito de tabaco normal…A pouco e pouco fui deixando cair os cigarros, e a dada altura deixei mesmo de os fumar. Conservei as cigarrilhas, religiosamente – uma depois de almoço, outra depois de jantar… Descobri depois o prazer do cachimbo (o tabaco “Players”, em lata e prensado, era sensacional) e durante anos foi meu companheiro – sempre depois de almoço. Abandonei-o porque os meus dentes não aguentaram…Quando estive nos Estados Unidos sofri, como qualquer outro fumador, as contingências do fundamentalismo. Fora de casa, praticamente não se fumava. Ainda me lembro de em pleno Inverno, com muitos graus negativos, ver a meio da manhã, à porta do meu “College”, duas secretárias de departamento, que viciadas, vinham fumar para a rua porque, lá dentro, não podiam…

Ora bem, há relativamente pouco tempo – dois anos e meio? três anos? – decidi, como nos anos 60, deixar de fumar de vez. Andava a tossir muito, e já não tinha com o fumo o prazer de outros tempos. E tal como outrora, deixei a meio uma caixa de cigarrilhas. E nunca mais fumei. Às vezes, depois de um bom almoço e de um bom café, sinto um longínquo apelo a uma boa cigarrilha. Mas passa.

Felizmente, não me tornei fundamentalista e não combato quem fuma, nem me faz diferença estar numa sala onde se fume. Mas estou contente por ter posto de lado o hábito (porque creio que nunca foi um verdadeiro vício).

2005/09/20

Porquê?


Por que não me apetece escrever? Não me posso queixar de falta de temas – quer actuais, quer exumados da minha memória (afinal, o que justifica o blog), não faltam temas. Mas não me apetece. Provavelmente, é a qualidade dos temas que me afasta da escrita. Não está a ser fácil presenciar o que se passa no mundo e na nossa pequena casa desse mundo e ficar tranquilo.
Egoistamente, penso mais na minha casa – afinal é onde vivo, e onde gostaria apesar de tudo de continuar a viver nos muitos ou poucos anos que me restem. Leio jornais, vejo a televisão, oiço rádio e as (poucas) conversas de rua, e parece que há um ensandecimento global, que ninguém se preocupa a não ser com destruir, por acções ou omissões, desde os que governam aos que são governados. Os primeiros porque criam oportunidade de críticas justas, quando deviam estar vacinados por situações anteriores; os segundos porque não são capazes de perceber (ou se percebem, então são desonestos) que neste momento, apesar de tudo, não se pode facilitar na luta pelo equilíbrio orçamental, quer se aceite de bom grado, ou não, as consequências de medidas que são de facto, duras.
Não, não me apetece escrever sobre tudo isso, preciso mesmo de flutuar acima do presente e procurar temas neutros do passado. Tentarei.

2005/09/19

Um novo ano na UM…


Regressaram os estudantes. Começam hoje as aulas para todos os anos excepto o 1º – porque para os alunos desse ano o que se inicia é uma semana que lhes é dada para se inscreverem, depois de conhecidas, neste fim-de-semana, as colocações. O campus vai ganhar pois uma animação extra, porque para além das aulas há também a “caça” aos caloiros, pelo menos para os pintarem…
É sempre com alegria que vejo iniciar-se um novo ano – mesmo este, que tem para mim um significado menos alegre. Mas a vida é deles, desses jovens que logo pela manhã deram outra cor ao campus. Já sei que vão cometer excessos nestas semanas iniciais, com aquela mania da praxe que se tem expandido neste país. Já sei que vamos ser incomodados e só espero que não existam situações graves, que podem ocorrer dada a falta de sensatez de uns tantos. Por mais que se procurem soluções, incluindo acordos com os estudantes da Associação Académica, que até são relativamente sensatos, há sempre quem salte a barreira…
Mas não quero antecipar nada. Hoje, só queria assinalar o começo do ano lectivo de 2005-2006. Num dia bonito, cheio de sol, como devem ser os dias em que se começam coisas importantes.