2020/03/27

Notícias do nosso Serviço Nacional de Saúde


Hoje de manhã recebemos uma chamada telefónica. Era a Enfermeira Catarina do Centro de Saúde da nossa área de residência. Queria saber como estávamos, minha Mulher e eu, e se, estando bem, precisávamos de qualquer apoio, uma vez que não devíamos sair de casa. Perante a nossa negativa, quis saber se tínhamos alguém que nos ajudasse, e descansou quando lhe dissemos que a nossa filha estava sempre em contacto connosco. Despediu-se dizendo que em qualquer momento que fosse preciso a procurássemos no Centro.

Tendo em atenção o momento tão complicado que todos os serviços de saúde vivem, o que conto merece uma consideração especial pelo que significa: as preocupações com a população idosa. O que prova que o nosso Serviço Nacional de Saúde, e reforço, neste momento tão delicado, está a corresponder aos princípios gerais consignados na nossa Constituição.

No meio de um ambiente pesado e incerto, este telefonema fez-me bem.

PS – Qualquer um (ou uma) dos críticos do SNS (e de tudo…) seriam capazes de dizer: “O quê? Então só contactam agora? Isso devia ter sido feito há duas semanas… Uma vergonha de serviço!” Ficariam sem resposta: nunca são capazes de ter uma visão abrangente da realidade.

2020/03/25

Apontamento para memória futura


São nove horas. Há um silêncio de domingo. E é quarta-feira. Há cinco anos que moro aqui – numa avenida onde há trânsito intenso às horas de ponta, que, apesar das janelas com vidro duplo, se apercebe claramente dentro de casa. E hoje, como há dias, não. Fui há pouco à janela: a avenida está praticamente sem trânsito (descem três ou quatro carros, sobem um ou dois). No passeio que posso ver ninguém sobe ou desce. Pensava, nestes últimos dias, que quase não passavam ambulâncias. Mas não é verdade: elas continuam a passar, que este é caminho natural para Santa Maria; só que não precisam de sirene porque têm a via desimpedida. No céu, nada de aviões que demandam o aeroporto, que dista escassos quilómetros da minha casa: desde há dias tem sido um sossego. De algum modo poderia dizer que a vida, se não parou, está em pausa, em Lisboa. É estranho.
A esta hora eu costumava sair para fazer a minha caminhada diária, mais ou menos cinco quilómetros, pelas redondezas: Campo Grande, Alvalade, Avenidas do Brasil, de Roma, da República, Saldanha… faço isto há quase cinco anos, para não enferrujar. Pois é. Há uma semana pus de parte este hábito que me ajudava a equilibrar o peso. Compreendi que o devia fazer, sou um dos cidadãos com risco elevado face à epidemia, e ainda que não me pareça que as minhas caminhadas fossem muito susceptíveis, por si só, de serem perigosas, senti que devia aceitar o “mais vale prevenir…”
Para além dessa hora, hora e pouco, de caminhada, eu estava em casa. Por isso esta clausura, que sinto e aceito agora obrigatória, não me custa muito. Tenho sempre com que me entreter, há muito tempo que ando a organizar papéis, transformando-os em pdf, e continuo a escrever. Passo os olhos por alguns jornais na Net e visito dois ou três blogs que estimo. Vejo alguns programas de televisão e, recentemente, recomecei a usar o leitor de DVDs, revendo alguns que há muito estavam em pousio.
Estou preocupado? Como diria o nosso Primeiro Ministro, “vamos lá ver…” Nem eu nem ninguém teve uma experiência igual, porque a grande epidemia mundial, a “nossa” pneumónica, ou febre espanhola para a maior parte, foi há cem anos, e mesmo os centenários existentes seriam muito crianças para terem memória directa desses tempos. Eu tive relatos dos meus pais, que eram jovens na altura e, felizmente, não foram afectados pela doença – e contaram-me coisas terríveis. Esta pandemia, a Covid-19, é na verdade algo muito sério, e que, penso, só não será ainda mais sério por ter surgido quando a humanidade já dispõe não só de conhecimento prévio como de condições científicas e técnicas de eleição. Por isso, apesar do ritmo assustador a que a doença se espalha e das situações tão graves e tão próximas da Itália, da Espanha, e de outros países, creio que iremos vencer a crise – e por isso estou apenas moderadamente preocupado.
Contudo, talvez levado pelas análises de economistas, que têm a obrigação de saber do que falam ou escrevem, o que me preocupa verdadeiramente é o “depois” da pandemia. E não só em termos económicos, que podem de facto ser muito, mas muito sérios, mas pelo que eles podem trazer a reboque – desestabilização social e política a diversos níveis. Ninguém quererá regressar a tempos bem próximos. A incerteza agrava a preocupação. Como estaremos nós, que seremos nós, daqui a três meses? No Natal?
Por isso deixei aqui estas linhas, para memória futura.