2012/07/13

SÓ FALTAVA ESTA

Ontem, o ministro Miguel Relvas disse a jornalistas (vi e ouvi pela televisão): “Norteei a minha vida pela simplicidade da procura do conhecimento permanente”- Sabendo-se o que se sabe, estaria a fazer humor ou estará convencido disso?

2012/07/10

CONCLUINDO

Reafirmo: ser Miguel Relvas ou o Zé Ninguém o protagonista deste caso é irrelevante; mas os dados que temos são de Miguel Relvas, dados esses um pouco mais claros depois de a comunicação social ter tido acesso ao que foi chamado o seu processo individual na Universidade Lusófona. O que se sabe é lacunar mas relativamente claro para tirar conclusões. Infelizmente, os repórteres e mesmo comentadores demonstraram não conhecer bem a legislação, e estão perpetuando um erro para o qual chamei a atenção no post de ontem: na apreciação curricular feita não havia lugar a equivalências (excepção feita à disciplina de Direito Constitucional obtida na Universidade Livre) mas sim à creditação da “experiência profissional e a formação pós-secundária” (alínea c) do nº 1 do artº 45º do decreto-lei nº 74/2006, de 24 de Março). Na minha vida académica participei em muitos processos de equivalências, de cursos ou de disciplinas isoladas, mas não tive oportunidade de estar em júris em casos semelhantes a este, uma vez que a legislação que definiu o processo saiu um mês antes de me jubilar… Todavia, creio não errar a interpretação que faço dele. Uma vez que não conheço a documentação entregue pelo então candidato não posso emitir opinião sobre os méritos ou deméritos da sua vida profissional e da sua formação pós- secundária. Em relação a esta, o que consta hoje no jornal Público (p. 7) mostra um percurso (?) relativamente pobre: no curso de Direito na Universidade Livre, em 1984, para além da já referida disciplina de Direito Constitucional classificada com 10 valores, tem duas disciplinas com reprovação e uma outra a que faltou ao exame; no curso de História a que se candidatou no ano seguinte, tem duas reprovações e faltas às restantes disciplinas. Isto aconteceu quando o então candidato tinha mais de 24 anos (coisa em que vale a pena atentar). Devo confessar que estes dados são, para mim, relevantes, e tê-los-ia questionado numa apreciação para concessão de créditos para uma licenciatura. De qualquer modo, os dois relatores que elaboraram o parecer (o que é legal) chegaram a outras conclusões e acharam que tudo o mais que foi feito desde então constituiu um currículo excepcional, merecedor de 160 créditos (ECTS), que correspondem a dois anos de estudos. A creditação às diferentes unidades curriculares já me parece um absurdo. O aleatório dessa creditação salta à vista e julgo que seria muito mais lógico uma creditação global, que considero possível. Mas há um outro aspecto para o qual ainda não houve reacção. O parecer teria de forçosamente ser aprovado em Conselho Científico. Onde está a referência à acta da reunião onde foi feita essa aprovação, a qual serviria de base para despacho reitoral concedendo o grau? A aprovação foi unânime? Ninguém questionou nada? Em suma: as fragilidades do processo, que existem, e deixam no ar suspeições que nunca poderão ser provadas nem desfeitas, centram-se na análise dos relatores, considerando que o currículo do candidato merecia corresponder a dois anos de um curso com áreas diversas de estudo. A concluir, é forçoso reconhecer que o “ruído” à volta deste caso é maior pelo facto de o personagem central não ser o meu Zé Ninguém mas o ministro Miguel Relvas. Mas por que é que ele se pôs a jeito?

2012/07/09

CLARIFICANDO…

Um apêndice ao texto de ontem. Como até o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa cometeu o erro, convém clarificar. Equivalência e certificação são coisas diferenças. Há equivalência quando uma determinada formação obtida em instituição diferente daquela em que corre o processo de análise é considerada ser semelhante (pelos seus objectivos e conteúdos) a uma formação dispensada pela instituição que faz essa análise. Há creditação quando, em relação a competências obtidas no decurso da vida profissional (que pode envolver, claro, formações várias, mas não só por causa delas), se atribuem os mesmos créditos que se obteriam pela aprovação de unidades curriculares do curso em causa. Por isso não estou a ver que no processo do Dr. Miguel Relvas constem relatórios das unidades curriculares (as tais trinta e duas) que foram creditadas, valendo 160 créditos. Muito me espantaria se existissem…

2012/07/08

UM NÃO ASSUNTO

Reajo alguns dias depois de esta curta afirmação ter sido proferida. Não precisei de tempo para saber o que tinha de escrever, mas para confirmar alguns pontos que ainda me ofereciam dúvidas. Hoje, está tudo esclarecido. Para mim, é perfeitamente irrelevante que tenha sido o ministro Miguel Relvas o protagonista deste episódio. Suponhamos que a notícia dizia que, investigado o Sr. Dr. Zé Ninguém (sem ofensa, uso-o como nos Estados Unidos se usa o John Doe), verificou-se que, em 1984, ele se havia inscrito como aluno de uma Faculdade de Direito de uma instituição privada, tendo concluído uma única cadeira do 1º ano com a nota de 10 valores (obtida em oral). Anos mais tarde, mudara de curso, inscrevendo-se no de História, ainda numa escola privada: inscreveu-se, mas não concluiu nenhuma cadeira. Vários anos mais tarde, volta a mudar de curso: desta vez é seduzido pelo curso de Ciência Política e Relações Internacionais, mais uma vez numa instituição privada. Estamos em 2006. A instituição, certamente a solicitação do aluno, faz a apreciação do seu currículo académico e profissional para creditação do que nele for relevante, de acordo com o disposto no artº 45º do decreto-lei nº 74/2006, de 24 de Março (este artigo foi levemente modificado pelo decreto-lei nº 107/2008, de 25 de Junho, mas para este caso isso não conta porque a data é posterior à decisão). Dessa apreciação resultou uma decisão: conceder equivalência a trinta e duas UC (unidades curriculares) e obrigar o aluno a realizar quatro; ou seja, em termos de créditos, o Dr. Zé Ninguém teve o bónus de 160 e terá tido de trabalhar para obter os 20 restantes. Perante estes dados, o leitor mais desprevenido da notícia perguntaria: isto é possível? E a resposta é: é! A lei permite-o (por isso a citei). Mas são possíveis outras perguntas. Terá sido creditada alguma formação obtida em cursos de “estabelecimentos de ensino superior nacionais ou estrangeiros” (alínea a) do Artº 45º)? Eventualmente, aquele obtida na Faculdade de Direito, na tal disciplina classificada com 10 valores, pois é a única que existe no curriculum-vitae do candidato. Terá sido creditada alguma formação especializada (alínea b), mesmo artigo)? Não se sabe. Finalmente, terá sido reconhecida a experiência profissional e a formação pós-secundária (alínea c), mesmo artigo)? Muito provavelmente sim, porque apesar do nome, o Zé Ninguém terá tido alguma visibilidade, na política, terá estado lugares de destaque em algumas empresas… Ora bem, isto é absurdo. Se o Zé Ninguém, antes de ser Dr., atirou o barro à parede, como se costuma dizer, para ver se pegava, não merece censura. Mas a parede que aceitou que o barro pegasse, essa sim, denota erros de construção graves. Ou seja: eu não culpo o aluno, culpo a Universidade (Conselho Científico) que não teve pudor em fazer o que fez. Sobretudo quando leio que há quase uma centena de casos idênticos! Que desprestígio para a instituição universitária! Eu não estou de acordo com os que querem culpabilizar Bolonha: é verdade que Bolonha está a ser uma má experiência, mas não por causa dos seus princípios e sim da sua aplicação desconforme. A creditação de competências e/ou conhecimentos adquiridos fora da academia tem todo o sentido – mas tem de ser feita com ponderação e tendo em conta as exigências científicas que a atribuição de um diploma supõe. Como diria um saudoso professor de Matemática dos meus tempos do Liceu Passos Manuel, o Dr. Nicodemos Pereira, “como isto está barato!” (sempre que um aluno com boas notas mostrava ignorância na matéria). Transpondo para este caso: uma licenciatura tem de valer uma licenciatura. Por isso, senhor Primeiro Ministro, o que foi divulgado a propósito do seu ministro Miguel Relvas não é “um não assunto”. Pode não o considerar em termos de má imagem para o governo (e creio que está enganado), mas tem de o considerar como responsável pelo país. Quanto mais não seja depois de ter várias vezes afirmado que, com as novas oportunidades, se estava a certificar a ignorância. Não quero misturar as coisas, mas olhe que é de pensar em alguma analogia…