2020/05/07

Dia Mundial da Língua Portuguesa


Foi ontem o dia mundial da língua portuguesa. Lembremos como no século XVI havia uma preocupação maior do que hoje com a nossa língua.

Floresça, fale, cante, oiça-se e viva
A portuguesa língua, e já onde for,
Senhora vá de si, soberba e altiva.
Se té qui esteve baixa e sem louvor,
Culpa é dos que a mal exercitaram,
Esquecimento nosso, e desamor.
(António Ferreira, Poemas Lusitanos)

'E verdadeiramente que não tenho a nossa língua por grosseira nem por bons os argumentos com que alguns querem provar que é essa; antes é branda para deleitar, grave para engrandecer, eficaz para mover, doce para pronunciar, breve para resolver e acomodada às matérias mais importantes da prática e escritura.
Para falar, é engraçada, com um modo senhoril; para cantar, é suave, com um certo sentimento que favorece a música; para pregar , é substanciosa, com uma gravidade que autoriza as razões e as sentenças; para escrever cartas, nem tem infinita cópia que dane, nem brevidade estéril que a limite; para histórias, nem é tão florida que se derrame, nem tão seca que busque o favor das alheias.
A pronunciação não obriga a ferir o céu da boca com aspereza, nem a arrancar as palavras com veemência do gargalo.
Escreve-se da maneira que se lê, e assim se fala.
Tem de todas as línguas o melhor: a pronunciação da latina, a origem da grega, a familiaridade da castelhana, a brandura da francesa, a elegância da italiana. Tem mais adágios e sentenças que todas as vulgares, em fé de sua antiguidade. E, se à língua hebreia, pela honestidade das palavras, chamaram santa, certo que não sei eu outra que tanto fuja de palavras claras em matéria descomposta, quanto a nossa. E, para que diga tudo, um só mal tem, e é que, pelo pouco que lhe querem seus naturais, a trazem mais remendada que capa de pedinte!'
(Francisco Rodrigues Lobo, A Corte na Aldeia)

Hoje, depois do triste desfecho do acordo ortográfico que parece ninguém querer reconhecer, temos de nos contentar em relembrar os clássicos…

2020/05/04

De desconfinado a desconfiado: reflexões de um velho


Há quarenta e sete dias que não saía de casa. Saí hoje, uma vez que disciplinadamente me foi permitido fazê-lo: fui desconfinado! Não o digo com azedume. Compreendi muito bem que o que me pediam tinha fundamento e abdiquei, com pena mas sem esforço, do hábito que há uns três anos criara de caminhar, todos os dias, perto de cinco quilómetros. Isto a bem da minha saúde futura. Porque, apesar dos meus 84 anos, continuo a pensar que tenho futuro. É evidente que eu sou um privilegiado: estou na minha casa, suficientemente ampla e confortável, com todos os meios de comunicação actualmente disponíveis, com a minha Mulher, e com a assistência da Filha que, embora a distância, continua diariamente connosco, partilhando até, via Skype, as refeições festivas das datas que calharam neste tempo esquisito, os dias do Pai e da Mãe e o dia dos meus anos. Penso muitas vezes em quem não tem esta sorte, os que vivem em lares ou sozinhos, sem família, em condições precárias. Reconheço a dificuldade em tentar resolver o problema, mas esse teria de ter tido, porventura, maior atenção.