2008/02/07

Façamos então um esforço…


… para escrever sobre o momento da educação em Portugal. Na grande pausa que fiz passou-se muita coisa a que não terei ligado suficientemente. Ao regressar, a minha memória recente não deixaria de encontrar motivos para recuperar o tema ao qual dediquei a minha vida; mas a um desafio da Saltapocinhas não poderia ficar indiferente. Vou no entanto tentar ir mais longe do que me foi pedido, e em vez de dizer apenas o que penso da avaliação dos professores vou tentar dar opinião sobre muitos mais aspectos da realidade presente no campo da educação.

Em crónica recente no Público, intitulada “O fim das reformas”, Vital Moreira caracterizou assim o conjunto daquelas levadas a efeito pelo actual governo no âmbito da educação: “A reforma da educação recolocou o ensino nas prioridades da agenda política, incluindo o reordenamento e requalificação da rede escolar, a universalização do ensino pré-escolar, a nova disciplina da carreira docente, o alargamento do horário escolar, a mudança da gestão escolar”. Como síntese, parece-me bem.

Nos primeiros tempos do ministério de Maria de Lurdes Rodrigues (já existia este blog) estive na generalidade acordo com as suas iniciativas, com o natural desacordo num ou noutro ponto. Entretanto (e também aqui isso já foi referido) apercebi-me de aspectos importantes que começaram a ter reflexos na vida política da ministra. Pessoalmente, mostrou-se inábil no modo como actuou e muito pouco persuasiva quando expôs publicamente as suas ideias (na televisão, no parlamento), e nunca melhorou. Ao mesmo tempo, não mostra ter um conhecimento prático do que é uma escola a funcionar e mesmo a nível teórico revela fragilidades. Ainda que pense que um ministro não tem de ser um “expert” sobre todos os aspectos relacionados com a pasta que gere (para isso tem secretários de estado e assessores), essas fragilidades demonstram uma de duas coisas: ou não tem os apoios necessários ou então não os escuta e segue.

Acresce que a política seguida foi a de “mexer” muito no sistema, eu diria indiscriminadamente. Devo dizer que não sou adepto de reformas, no sentido de “grandes reformas”: penso que a escola, professores e alunos, devem estar sempre abertos a pequenas mudanças, preferíveis a grandes mudanças. Escrevi-o pela primeira vez num artigo que publiquei em 1995 e a experiência subsequente confirmou as minhas reservas. Marçal Grilo também não acreditava em reformas, e por isso o seu consulado, não deixando de tentar alterações (que eram necessárias) foi moderado nas mexidas, mas mesmo assim enfrentou dificuldades. O sistema educativo é muito pesado e aceita mal mudanças bruscas, sobretudo se elas não forem claramente explicadas e entendidas como úteis. No fundo, grandes mudanças geram desconforto: e a maior parte das pessoas não gosta de ser obrigada a alterar os padrões de trabalho, a não ser que isso se revele mais útil (leia-se compensador).

A maior parte dos especialistas que têm estudado as mudanças em educação convergem num ponto: elas não são possíveis se tentarem ser levadas a efeito sem o apoio da maioria dos professores. Sejam quais foram as posições que se assumam sobre o papel dos outros intervenientes no processo educativo – alunos, pais, sociedade em geral – são os professores, na verdade, as peças fundamentais que asseguram o funcionamento da escola.

Como é impossível que todos os professores concordem com alterações propostas ou impostas, há que confiar que uma maioria as adopte. Para isso é necessário que o que se propõe mudar seja entendido como necessário e benéfico. Em termos globais, penso que é isso que tem faltado: medidas corajosas, algumas de há muito compreendidas como indispensáveis, como a reorganização da rede escolar, não tiveram como suporte uma informação clara que convencesse as pessoas (neste caso não só os professores mas as populações afectadas).

Este tem sido, pois, o erro capital do Ministério da Educação. Em post futuro farei análises mais detalhadas.

2008/02/05

Uma de peso!

Um deputado republicano do Estado de Mississipi, nos Estados Unidos, apresentou um projecto de lei (válido apenas para esse Estado, claro) para proibir os restaurantes de servirem clientes obesos. Baseia-se no facto de 30% dos adultos de Mississipi serem considerados demasiadamente gordos, incluindo o proponente da lei, que pesa mais de 104 kgs, e deverem assim “ser protegidos” de qualquer ataque de gula…

Claro que a iniciativa está condenada ao fracasso (os democratas, e possivelmente mesmo confrades da mesma cor política, não deixarão passar o projecto). Aliás, parece que o próprio deputado que teve a iniciativa não espera que tenha êxito: apenas quis alertar as consciências dos obesos. Mas, num país como os Estados Unidos, onde em algumas cidades já nem na rua é permitido fumar, talvez não demore muito tempo até ver vingar a ideia de controlar o peso… proibindo comer!

E esta, hein?

2008/02/04

Viver em democracia


Sou daquela geração que normalmente ouvia pela primeira vez a palavra democracia no Liceu, quando se estudava a Grécia antiga: Atenas era uma cidade onde vigorava um sistema democrático, contrapondo-a a Esparta, cidade onde os éforos (sabíamos mesmo isso) controlavam o poder. A pouco e pouco, fui depois aprendendo o que poderia ser a democracia, mas só quando, já homem feito, tive oportunidade de sair de Portugal, percebi um pouco o que era. Depois, já entre nós nos havíamos libertado do “regime” de Salazar-Caetano, pude viver um ano em Inglaterra e três anos e meio nos Estados Unidos e essa foi uma aprendizagem insubstituível. Não que considere que não vivemos numa democracia – claro que vivemos – mas porque estamos ainda numa fase muito incipiente que, quero acreditar, só se alterará dentro de uma ou duas gerações.

O sistema democrático tem respondido bem no nível político. As muitas eleições que têm sido feitas para diferentes fins têm sido respeitadas e conduzido a soluções que têm funcionado. Governos com maiorias absolutas, de coligação ou maioria simples com arranjos parlamentares têm assegurado a vida do Estado. O mesmo para as autarquias – e veja-se o exemplo de Lisboa, que conseguiu ultrapassar (ou, melhor, estar a ultrapassar) uma crise gravíssima, em condições complicadas.

A outros níveis, porém, ando desgostoso com a nossa democracia. Para que um regime que deriva da palavra “povo” (“Demos”, do grego Δέμος) honre o seu nome, o povo deve ser informado. Por quem governa – e por quem se opõe a quem governa. Por isso me confunde que exista tão pouca informação – sobretudo informação clara, que chegue a todos, e isenta, isto é, que não seja apenas meia informação ou, pior, informação falseada – de parte a parte. Muitas medidas do governo, que eu percebo serem indispensáveis, não podem ser assim compreendidas por muitas pessoas (veja-se o caso das medidas no campo da saúde). E não me digam que os deputados na Assembleia, que ajudei a eleger, me representam “mesmo”; formalmente sim, mas na substância, não.

Da parte de partidos da oposição, apenas se vê o ataque e a promessa de fazer o contrário – o que manifestamente é um ludíbrio, porque não seria possível evitar muitas das medidas agora tomadas. Mais grave ainda, que na falta de informação se busque o ataque sob as mais diversas formas, desde a insinuação à mentira, sendo que neste aspecto a comunicação social, de uma maneira geral, se venha mostrando incapaz de desempenhar o papel pedagógico que deveria ter e não tem: o de esclarecer sem enviesamentos ou, se os deseja ter, assumindo claramente de que lado está. Porque em democracia, se uma fonte de informação (jornal, rádio, televisão) tem uma orientação política determinada deve declará-lo. É o que acontece em países de democracia desenvolvida. Ainda há semanas, o jornal da “minha” Universidade nos EUA, o Daily Iowan, declarava o seu apoio a Barak Obama e John McCain na sua candidatura presidencial.

Churchill disse, em 1947, que a democracia era a pior forma de governo, com excepção de todas as outras formas que têm sido tentadas de vez em quando. Dizia-o depois de ter sido derrotado em eleições para as quais se esperava que o povo inglês lhe desse um voto de reconhecimento pelo seu papel na Grande Guerra de 39-45. Dizia, assim, que apesar de tudo, a democracia era, à falta de melhor, a única forma de forma de governo possível. Só precisamos pois de aperfeiçoá-la. Isso, demorará as tais uma ou duas gerações que referia há pouco: confio, em absoluto, nas crianças de hoje!

2008/02/02

O Portugal das rotundas


Regresso ao Algarve num fim de Janeiro esplendoroso, e preciso de fazer um reconhecimento do território: como já lá não ia há uns anos, é preciso reler o mapa e certificar-me do rumo que vou tomar. Fora da via do Infante, percebo que também aqui houve a conversão às rotundas. Há tempos explicaram-me que facilitam o trânsito, mas desconfio da versão; que quebram a velocidade é bom de ver, mas na maior parte das situações não se percebe muito bem para quê, dado o insignificante volume de tráfego. Enfim, talvez haja alguma razão escondida: quem sabe se a rotunda não é uma espécie de imagem de marca do português, que porventura gostará mais de andar à roda do que seguir em frente?

2008/01/25

Segunda declaração de intenções


Resisti muito tempo a publicar o “meu” blog, mesmo depois de ter experimentado com os meus alunos as suas virtualidades em termos de comunicação. Devo dizer que inicialmente os blogs pareciam-me representações de narcisismo tolo. Quando mudei o meu pensamento e me decidi, assumi claramente que queria com ele recuperar memórias de um passado que para mim foi rico de experiências, sem enjeitar a possibilidade de comentar o que vai acontecendo e tenha, para mim, certo significado. Curiosamente, não pensei muito na sua difusão e até fiquei quase surpreendido quando comecei a ter algumas visitas regulares, e alguns comentários interessantes. Identifiquei umas duas dúzias de outros blogs que de vez em vez visitei e por vezes comentei, evitando banalizar o comentário.

A uma dada altura regressaram as dúvidas (sem dúvida ampliadas pela minha aposentação) e a Memória teve larguíssimos períodos de inactividade. Regressa agora com a intenção de se manter. Talvez para me obrigar a andar menos distraído no que se refere às coisas que me interessam, à cabeça as da educação. Tive esperanças que neste sector se avançasse mais do que tem acontecido, não porque não se tenham tomado medidas importantes e por vezes necessárias, mas porque não se cuidou de como favorecer a mudança. E se há coisa difícil de aceitar na vida dos professores (e não só deles) é a mudança!

Portanto, o regresso de A Memória Flutuante mantém a mesma intenção inicial: deixar fluir a minha memória em relação a um passado rico que vivi sem deixar de estar atento ao que se passa, em especial no mundo da educação, o que mais me preocupa de facto. Ao regressar como autor, voltarei também certamente ao comentário de blogs amigos. A começar em Fevereiro: vou ter agora um curto período de férias…

2008/01/22

Recordando os meus tempos de fumador


A Memória flutuante procura ser isso mesmo, flutuar ao sabor dos acontecimentos. Por isso adiciono ao post desta manhã o que relembro da minha longa vida de fumador.

O meu pai era um grande fumador, o que terá apressado a minha primeira experiência, mesmo assim relativamente tardia – andava eu no 3º ano do liceu, que corresponde, agora, ao 7º. Lembro-me perfeitamente: o meu pai guardava um maço de cigarros na mesa-de-cabeceira e um dia surripiei um. Era um UNIC e soube-me terrivelmente mal. Mas, como sempre acontece, apesar de não ter gostado, acabei por reincidir, ainda que só uns largos anos depois me tornasse fumador regular. Desses tempos “iniciáticos” recordo marcas como os Três Vintes, os Vera Cruz, os VIC (todos sem filtro). Fixei-me muito mais tarde nos cigarros Porto e SG, e também fumei, com agrado, Negritas, que “misturava” com tabaco mais leve. Nos anos 60 comecei a fumar cigarrilhas (Melior, que eram umas cigarrilhas pequenas, muito saborosas, Wilhelm II) e no final da década praticamente comecei apenas a fumar cigarrilhas ou charutos pequenos, Ritmeester e sobretudo Mercator). Cigarros, nunca mais! Nunca me dei bem com charutos de grandes dimensões, que normalmente tinha de deixar a meio…

Nos Estados Unidos tive de me contentar com as King Edward, que nunca me satisfizeram completamente.

Tive também um longo período em que fumei cachimbo, mas nos intervalos das cigarrilhas, que ficavam para o pós-café do almoço e do jantar. Marcas do tabaco de cachimbo? Players, o melhor, mas também Ânfora, e até o português Gama (creio eu que era assim que se chamava).

Por vezes perguntam-me por que deixei de fumar. Na verdade, aconteceu por uma razão subjectiva: deixou de me dar prazer. Quando percebi que fumava porque era costume fumar, tentei contrariar o hábito e em pouco tempo passei a ser não fumador. Dizem-me que nunca tomei o vício: talvez seja verdade. De qualquer modo, uma coisa é certa: sinto-me muito bem sem tabaco.

Prós e contras – vê-se, ouve-se e lamenta-se

É um programa interessante e quase sempre revelador. O de ontem não foi excepção.
Certamente a democracia suporta que todos tenham a sua opinião, e até que se possa ter opiniões tolas – até tem graça. A democracia também aceita que se possa ser mal-educado, pelo menos um pouquinho – porque uma má criação muito desabrida é desagradável.

O que estava ontem em debate, a célebre lei do tabaco, era de molde a sugerir o que o programa foi: depois dos dislates que já tinham sido proferidos pelos cronistas do costume (escuso de os nomear, porque estão sempre na brega), o que se poderia esperar? Pois por muito que estivesse disponível para quase tudo, fiquei sem palavras com a intervenção da polivalente convidada Doutora Fátima Bonifácio, que (na linguagem popular) se “passou” ao defender o direito ao fumo, não hesitando em chamar o testemunho familiar da mãe de 98 anos que viveu saudavelmente em ambiente viciado. Das suas ideias sobre educação (e neste blog creio já ter falado dela) discordo, mas, enfim, que se há-de fazer, de educação toda a gente fala e tem soluções com excepção dos que a estudam. Das suas ideias sobre os malefícios, não do tabaco mas da lei que visa proteger quem não é fumador, discordo e acho-as espantosas vindas de quem tem formação académica e agride de tal forma a investigação médica.

Para que se saiba: fui fumador de cigarros, cachimbo, cigarrilhas – mais ou menos por esta ordem… – e deixei de fumar, por decisão própria, em 2001. Quando estive nos Estados Unidos, já há vinte anos não podia fumar em praticamente todos os recintos fechados; na Biblioteca da minha Universidade havia uma sala própria para quem queria fumar, o que hoje já não é possível. Ao deixar o tabaco não me tornei por isso anti-tabagista, considerando que todos têm o direito de fumar, mas comecei a verificar quão incómodo é para quem não fuma estar num ambiente de fumo. Por isso estou de acordo com a lei, que não violenta mais os cidadãos do que aquela que impede que na auto-estrada eu circule a mais de 120 quilómetros por hora. O motivo é o mesmo: tentar preservar a vida dos outros e, provavelmente, baixar os custos em desperdícios (de saúde ou sucata).

2008/01/21

O dia de Martin Luther King, Jr.


Oiço na rádio que hoje, nos Estados Unidos da América, se celebra o dia de Martin Luther King. Inicialmente fico surpreso: tinha a ideia do dia 15 de Janeiro como o dia do seu nascimento. Num segundo momento recordo que é um dos feriados federais móveis, ou seja, são marcados para coincidir com uma segunda-feira próxima do evento que se quer comemorar.

Acontece que em 1990, quando eu estava nos Estados Unidos, o dia 15 de Janeiro foi numa segunda-feira. A minha memória ainda funciona… Recordo que na altura o feriado ainda não era respeitado em todos os Estados, porque não havia consenso quanto ao mérito do homenageado. A própria decisão de instituir o dia a ser observado nacionalmente teve a sua história de dificuldades. Por outro lado, o feriado é relativamente pouco observado, não havendo uma obrigatoriedade estrita para o efeito. Por exemplo, há escolas que não dão feriado, embora creia que a grande maioria o faça.

Neste ano, em que Obama é candidato à presidência dos Estados Unidos, haverá maior simbolismo no dia de Martin Luther King (acrescido à já célebre frase de Hilary Clinton) e maior aproveitamento da ocasião? A ver vamos…

2008/01/18

A Universidade do Minho decidiu


Leio uma nota informativa da Reitoria da minha Universidade que a Assembleia Estatutária decidiu não solicitar a passagem da Universidade ao regime fundacional.

Acho sensato, porque a informação disponível não é completa e há muita coisa em jogo que tem de ser acautelada. Continuarei, a distância, a seguir o trabalho da Assembleia e, também, a ter em conta as decisões das outras instituições, em especial das que já decidiram de outra maneira, como a Universidade de Aveiro.

2008/01/17

E a educação, como vai?


Lembrar-se-ão alguns dos leitores da Memória Flutuante do meu interesse pela educação (alguns dos mais interessantes diálogos que mantive neste blog foram nessa área). Nesta longa ausência, desde meados do ano passado, muita coisa aconteceu que teria naturalmente merecido comentário.

Como creio que é opinião da generalidade dos portugueses, o estado da educação no país precisava mudar, e em meu entender tinham-se começado a criar condições para essa mudança a partir de um quadro de referências razoavelmente definido e preparado no tempo do ministro Marçal Grilo. Repare-se: digo que se tinham começado a criar as condições, não que foram criadas; por diversas razões as linhas mestras das alterações foram ou abandonadas ou abastardadas e escolas, professores e alunos, salvo raras excepções (que existem!) nada mudaram – talvez, até, tenham aqui ou ali piorado.

O advento da ministra Maria de Lurdes Rodrigues, em 2005, permitiu pensar a muita gente que tinha chegado a hora da acção, e em certo sentido assim foi. Recordo que apoiei algumas das medidas do início do seu mandato, como as aulas de substituição. A pouco e pouco, contudo, apercebi-me que Maria de Lurdes Rodrigues dominava mal aspectos importantes da educação, e que o seu voluntarismo e inabilidade em dois domínios fundamentais – comunicação e diálogo – estavam a complicar a hipótese de levar a efeito uma mudança real e consequente. Concordando com muitas das ideias, tenho hoje muitas interrogações acerca da maneira como têm sido concretizadas e lamento que se esteja a desperdiçar uma oportunidade única.

Cabe aos professores, como profissionais, darem o seu melhor: são os seus alunos que o exigem.

2008/01/16

Meio século depois…


Volto a deambular por avenidas e ruas que percorria e conhecia bem. Salvo um curto período, sempre vivi em Lisboa na zona conhecida por “Avenidas Novas”, que neste regresso à capital me acolheu de novo – é aqui que gosto de viver e penso que em qualquer outro lugar teria menos prazer no reencontro.

Muito mudou e muito permaneceu. Entrar na Versailles é como se tivesse lá estado ontem; do lado de fora, o estaleiro para a construção da nova estação do metro do Saldanha lança a confusão no estrangulamento do trânsito na Avenida da República, um ónus para todos nós na esperança que acabe depressa e permita usar um pequeno novo troço de linha que nos leve em minutos à Gare do Oriente.

Mas não é só a Versailles: quase em frente a Pastelaria Ceuta, onde durante alguns meses tomei o pequeno-almoço antes de ir para o Liceu Padre António Vieira onde dava aulas de Filosofia e História no longínquo ano de 1967, continua aberta quase com a configuração que tinha na altura. E reconheço meia dúzia de lojas que permanecem – sobreviveram nestes cinquenta anos – como reconheço, na sua traça da primeira metade do século passado, o Liceu D. Filipa de Lencastre, onde nos anos 70 fui professor efectivo.

Claro que há muitas novidades: o edifício da Caixa Geral de Depósitos, o Centro Comercial do Campo Pequeno (no fundo, todo o arranjo da praça de touros, que só no exterior é a mesma), a estação de comboios de Entrecampos… Mas nada disso retira o ar familiar que reencontro na alta da cidade.

Pena o ar de algum desleixo que existe nas ruas, sobretudo ao pé dos muitos locais onde estão implantados os recipientes de recolha para materiais recicláveis: a cidade está suja, mal cuidada. Há demasiados buracos nos passeios, que são obstáculos para os peões, sobretudo os mais velhos – e nesta parte da cidade a população residente está envelhecida. Será que uma gestão da Câmara Municipal mais atenta poderá minimizar este ar de desleixo? Seria bom.

Entretanto, continuo a explorar o resto da cidade – a que conhecia menos bem e a que não poderia conhecer porque é totalmente nova. Este sol de inverno que hoje está convida a um passeio.

2008/01/15

A delapidação da memória


Nos fins de Novembro do ano passado deixei de residir em Braga e regressei (pode dizer-se que regressei…) a Lisboa, embora desde 1983 o meu domicílio real nunca tenha sido na capital. Foi uma decisão que amadureceu ao longo dos últimos meses, fruto do termo das minhas funções na Universidade do Minho e também das da minha Mulher, que se aposentou igualmente. A não ser a Universidade pouco nos ligava a Braga, mau grado as boas amizades que deixamos – mas amizades que permanecem sem ser necessária convivência frequente – e o ambiente global da cidade, que é agradável.

Devo dizer que se fosse para trabalhar poria sérias reticências em regressar a Lisboa – nessas condições viver na capital é um inferno, com as horas de ponta… Mas para quem não tem horários, Lisboa é muito atraente e estou a gostar: quando não chove o céu de Lisboa é uma maravilha (só no Algarve é mais bonito).

A mudança é que foi um quebra-cabeças. O que se acumula ao longo dos anos! Tinha caixas que já tinham vindo de Faro e nunca tinham sido abertas. Tive verdadeiros momentos de angústia quando me apercebi que não podia pura e simplesmente trazer tudo: não sendo mais pequeno, o apartamento em Lisboa tinha menos hipóteses de arrumações e por isso tive de decidir sobre o que tinha de “deitar fora”, como se diz no quotidiano.

Procurei conservar o máximo, sobretudo o que me trazia “memórias”, mas mesmo assim reduzi substancialmente o acervo que fui acumulando. Nos últimos tempos a minha grande tarefa tem sido arrumar – livros e papeis, sobretudo – de modo a ter um passado organizado. Ainda me falta muito tempo, claro, mas tempo é coisa que não falta a um aposentado, ainda que me queira convencer do contrário…

Tudo somado, delapidei um bom pedaço do suporte físico da minha memória. O que talvez a torne ainda mais flutuante…

2008/01/14

A memória da “Memória”…


Faz hoje três anos que iniciei este blog – que tão desprezado tem estado nestes últimos tempos. Depois de um ano de muita actividade, e coincidindo de algum modo com a passagem à nova situação de “aposentado”, tenho de reconhecer que o meu interesse esfriou e tenho-me interrogado sobre vários aspectos desta actividade, que tanto me seduziu inicialmente.
Pouparei os meus leitores a divagarem comigo sobre essas interrogações, e apenas direi que apesar de todas as minhas dúvidas sobre o interesse (para mim e para quem me lê) em prosseguir, ou melhor, reactivar, a Memória, decidi fazê-lo, aproveitando o simbolismo do aniversário.
Espero que regresse em bem…