Ainda haverá, dos meus leitores (certamente poucos), quem se lembre desta série? Por uma ou outra razão fui adiando o relembrar dos tempos em que trabalhei, com outros colegas, na construção do ensino politécnico. Regresso hoje ao tema. No
último post sobre este tema referi uma curiosidade relacionada com a aprovação da Lei de Bases do Sistema Educativo em 1986. Como é evidente, a elaboração da lei pertencia à Assembleia da República (embora o Governo pudesse tomar a iniciativa). Contudo, como todos os Partidos tinham apresentado propostas e o Governo não, a expectativa estava centrada na Assembleia.
Recordemos um pouco a história política do tempo… Em Julho de 1985, depois de Cavaco Silva ter sido eleito presidente do PSD e de ter desfeito o Bloco Central, ganha as eleições e começa o seu primeiro governo, no qual manteve, como Ministro da Educação, João de Deus Pinheiro, que já desempenhava essas funções no governo anterior. Cavaco Silva surpreende quando, em 21 de Janeiro de 1986, faz aprovar por uma Resolução do Conselho de Ministros a criação de uma Comissão de Reforma do Sistema Educativo [CRSE], sendo uma das suas finalidades “promover a realização de estudos orientados para a reorganização do sistema educativo, em conformidade com as directivas do governo”. Ou seja, de algum modo, esta Comissão seria concorrencial com a Assembleia da República.
Quem pertenceu à Comissão? Os Doutores Alberto Amaral, Sérgio Machado Santos e Virgílio Meira Soares, ao tempo reitores das Universidades do Porto, Minho e Lisboa; Britaldo Normando Rodrigues (que tinha sido Secretário de Estado do Ensino Superior em 1983-1984), Manuel Ferreira Patrício (ao tempo professor associado da Universidade de Évora, sendo hoje o seu Reitor) e Vítor Aguiar e Silva, que viria mais tarde a ser Vice-reitor da Universidade do Minho, uma figura de grande prestígio no domínio dos estudos literários; a ainda os Drs. António de Almeida Costa (ao tempo presidente do Instituto Politécnico de Lisboa), Manuel Joaquim de Azevedo (na altura pouco conhecido, muito ligado ao ensino profissional, tendo sido mais tarde Secretário de Estado no Ministério da Educação), Manuel Joaquim da Silva Pinto (como o anterior, um homem do Norte, hoje professor de comunicação social na Universidade do Minho, e que tinha tido um percurso importante na imprensa ao serviço do Jornal de Notícias, no sector da educação), Maria Manuela Pinto Teixeira (conhecida sindicalista), Carlos Miguel de Almeida Coelho (que se afastou da Comissão por motivos de ordem pessoal alguns meses depois do início dos trabalhos) e finalmente o Engenheiro Ricardo Manuel Charters d’Azevedo, na altura director do Gabinete de Estudos e Planeamento. Posteriormente, Manuela Teixeira, Manuel Pinto e Joaquim Azevedo obtiveram os seus doutoramentos.
Recordo-me bem do acto de posse da CRSE, realizado no Palácio Foz no dia 18 de Março de 1986 (dentro de dias, há dezanove anos!). Não se pense que apesar de me recordar do momento tenho a data na memória, claro que fui conferir aos meus papeis… Fui na qualidade de presidente da Comissão Instaladora da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Faro. Havia uma grande expectativa sobre o que iria ser feito, uma vez que a maior parte dos membros inspirava confiança.
O governo deu um prazo de dois meses para que lhe fosse presente um plano de trabalho, e a Comissão cumpriu. Em meados de 1986 foi dado a conhecer o Projecto Global de Actividades, que previa a realização de estudos temáticos, abertos a discussão pública, e a promoção de encontros “de sensibilização para a ideia da reforma”. A brochura publicada incluía uma extensa lista das propostas a concretizar.
Entretanto, na Assembleia da República, a comissão parlamentar de educação que tratava da lei de Bases continuava o seu trabalho sem alaridos, beneficiando imenso do trabalho de dois deputados excepcionalmente bem preparados no campo da educação, o Professor Bártolo Paiva Campos e o Dr. Eurico Lemos Pires. E, como disse no post para que remeti o leitor logo no início, em fins de Julho de 1986, a Lei de Bases foi aprovada. No fim da tarde do dia 24 de Julho, estava eu no meu gabinete da ESE quando recebo um telefonema do Lemos Pires: “Varela, aprovámos a Lei de Bases!” Fiquei mesmo surpreendido. E logo pensei: e agora, o que vai fazer a CRSE?
Como as suas actividades estavam no princípio, não seria preciso mais do que ajustar ao articulado da Lei os estudos que tinham sido pensados. E assim foi. Ao longo de dois anos, a Comissão cumpriu o seu programa. Atestam o seu labor uma série de livros, todos editados pelo Gabinete de Estudos e Planeamento. O último deles, o Relatório Final, é um grosso volume de 708 páginas que, apesar de passados estes anos, merece ainda uma leitura atenta. São nele consideradas todas as situações que no novo sistema educativo careciam de legislação de suporte, de que é apresentada uma proposta de texto.
Com esta digressão, afastei-me um pouco do ensino politécnico, que era o objecto de análise. Mas a CRSE não deixou de definir a sua posição. Assim, no que chamou o “Programa de Diversificação do Ensino Superior”, definiu como orientação “prosseguir o alargamento da rede do ensino superior politécnico, permitindo o seu crescimento a uma taxa superior à do ensino universitário, por forma a aumentar a frequência dos cursos de carácter mais marcadamente técnico-profissional”, bem como a criação de “incentivos à fixação regional dos bacharéis provenientes dos Institutos Politécnicos”. No fundo, conservava-se a ideia base de que os Politécnicos tinham uma área clara de acção educativa.
E no entanto, quando este livro é publicado, em 1988, e em especial no que dizia respeito às Escolas Superiores de Educação, já se notavam sinais de alguma inquietação para o futuro.
Sem querer fazer “suspense”, continuarei proximamente…