2005/03/18

Apanhei um susto...


Andei preocupado toda a manhã. Não consegui, até há minutos, fazer o download do Programa do XVII Governo Constitucional e a leitura dos jornais (via Internet) não me informou devidamente sobre uma notícia que a TSF transmitiu logo no noticiário das 7 e me assustou imenso. Disse a locutora de serviço que o Programa de Governo aprovado ontem dispunha que haveria exames no fim do 4º e 9º ano de escolaridade. Aí, assustei-me! Seria possível? Quando consegui finalmente ter o documento, fui ver o capítulo II – Novas Políticas Sociais, e embora a leitura fosse rápida, como primeira leitura que foi, não encontrei lá conteúdo para a notícia – e sosseguei.

O que o programa de governo diz é que vai insistir no aperfeiçoamento do sistema de avaliação nacional por provas aferidas, medida com a qual estou absolutamente de acordo e que já começara a ser ensaiada no governo do Eng.º Guterres, e, em relação ao sistema de avaliação dos alunos fala em alterá-lo, “de modo a que a aplicação de critérios rigorosos na transição entre fases ou anos de escolaridade e na conclusão de ciclos de estudos tenha por efeito útil a aplicação de programas de apoio à recuperação dos alunos com dificuldades de aprendizagem, e não a sua exclusão pura e simples ou a relegação para vias desqualificadas”. Não percebo como é que um noticiarista consegue transformar este texto e declarar que vão existir exames nacionais no 4º e 9º anos! (Bom, eu não li mais nada do programa, mas não acredito que exista noutro local tal informação).

Eu ainda não referi, neste blog, o novo governo. Estava muito na expectativa (e de algum modo continuarei a estar). Tinha esperança de, na educação, ver retomar uma linha que fora abruptamente partida em 2002. É evidente que um programa aponta metas – não especifica percursos, e não estou absolutamente tranquilo em relação a alguns pontos do programa, que merecem a minha concordância, mas só podem ser desenvolvidos com um trabalho muito sério, e sobretudo com grande inteligência para que os professores os sintam como seus. Por exemplo, a ligação educação – formação que é apontada para os jovens (bem como a valorização das componentes técnicas e vocacionais no 3º ciclo da educação básica) pode vir a ser uma chave que permita quebrar o abandono precoce, mas a meta dos 18 anos, sendo atrevidamente positiva, será alcançável?

Também quanto ao ensino superior a leitura rápida me satisfez: tranquiliza quanto a Bolonha e aponta caminhos que todos nós reconhecemos que têm de ser adoptados pelas Universidades, adaptando-se à realidade na qual vivem. Vou estar atento à prática dos Ministérios da Educação e da Ciência, Investigação e Ensino Superior. Como, aliás, a tudo o que este governo fizer. Não sou original ao dizer que esta oportunidade de ouro não pode ser perdida.

Uma notícia interessante


A que vem hoje no Público e que ouvi, também, mal acordei, na TSF. Numa altura em que parece que finalmente se vai concretizar uma generalização do ensino do inglês no 1º ciclo do ensino básico, pode ser que este convite a professores portugueses do ensino secundário para ensinarem em Inglaterra contribua para que aumente o número dos que pensam que o futuro passa, também, por globalmente o país falar a outra língua que é dominante no mundo – o Inglês. Com isso a língua portuguesa não perde nada, a sua literatura continuará a ser tão respeitada como é, falada pelos 200 e tal milhões de pessoas, mas todos poderemos ter uma ferramenta poderosa de afirmação no mundo. Olhemos para os países nórdicos, que perceberam cedo que com línguas minoritárias teriam dificuldades na relação com o exterior e fizeram do Inglês a segunda língua. Com o êxito que conhecemos. Perante a notícia de hoje, como não se sentirão desolados aqueles professores sem emprego que, por não saberem inglês, perdem uma oportunidade de trabalho e uma experiência que sem dúvida seria enriquecedora?

2005/03/15

Ensino superior politécnico (5)


Ainda haverá, dos meus leitores (certamente poucos), quem se lembre desta série? Por uma ou outra razão fui adiando o relembrar dos tempos em que trabalhei, com outros colegas, na construção do ensino politécnico. Regresso hoje ao tema. No último post sobre este tema referi uma curiosidade relacionada com a aprovação da Lei de Bases do Sistema Educativo em 1986. Como é evidente, a elaboração da lei pertencia à Assembleia da República (embora o Governo pudesse tomar a iniciativa). Contudo, como todos os Partidos tinham apresentado propostas e o Governo não, a expectativa estava centrada na Assembleia.

Recordemos um pouco a história política do tempo… Em Julho de 1985, depois de Cavaco Silva ter sido eleito presidente do PSD e de ter desfeito o Bloco Central, ganha as eleições e começa o seu primeiro governo, no qual manteve, como Ministro da Educação, João de Deus Pinheiro, que já desempenhava essas funções no governo anterior. Cavaco Silva surpreende quando, em 21 de Janeiro de 1986, faz aprovar por uma Resolução do Conselho de Ministros a criação de uma Comissão de Reforma do Sistema Educativo [CRSE], sendo uma das suas finalidades “promover a realização de estudos orientados para a reorganização do sistema educativo, em conformidade com as directivas do governo”. Ou seja, de algum modo, esta Comissão seria concorrencial com a Assembleia da República.

Quem pertenceu à Comissão? Os Doutores Alberto Amaral, Sérgio Machado Santos e Virgílio Meira Soares, ao tempo reitores das Universidades do Porto, Minho e Lisboa; Britaldo Normando Rodrigues (que tinha sido Secretário de Estado do Ensino Superior em 1983-1984), Manuel Ferreira Patrício (ao tempo professor associado da Universidade de Évora, sendo hoje o seu Reitor) e Vítor Aguiar e Silva, que viria mais tarde a ser Vice-reitor da Universidade do Minho, uma figura de grande prestígio no domínio dos estudos literários; a ainda os Drs. António de Almeida Costa (ao tempo presidente do Instituto Politécnico de Lisboa), Manuel Joaquim de Azevedo (na altura pouco conhecido, muito ligado ao ensino profissional, tendo sido mais tarde Secretário de Estado no Ministério da Educação), Manuel Joaquim da Silva Pinto (como o anterior, um homem do Norte, hoje professor de comunicação social na Universidade do Minho, e que tinha tido um percurso importante na imprensa ao serviço do Jornal de Notícias, no sector da educação), Maria Manuela Pinto Teixeira (conhecida sindicalista), Carlos Miguel de Almeida Coelho (que se afastou da Comissão por motivos de ordem pessoal alguns meses depois do início dos trabalhos) e finalmente o Engenheiro Ricardo Manuel Charters d’Azevedo, na altura director do Gabinete de Estudos e Planeamento. Posteriormente, Manuela Teixeira, Manuel Pinto e Joaquim Azevedo obtiveram os seus doutoramentos.

Recordo-me bem do acto de posse da CRSE, realizado no Palácio Foz no dia 18 de Março de 1986 (dentro de dias, há dezanove anos!). Não se pense que apesar de me recordar do momento tenho a data na memória, claro que fui conferir aos meus papeis… Fui na qualidade de presidente da Comissão Instaladora da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Faro. Havia uma grande expectativa sobre o que iria ser feito, uma vez que a maior parte dos membros inspirava confiança.

O governo deu um prazo de dois meses para que lhe fosse presente um plano de trabalho, e a Comissão cumpriu. Em meados de 1986 foi dado a conhecer o Projecto Global de Actividades, que previa a realização de estudos temáticos, abertos a discussão pública, e a promoção de encontros “de sensibilização para a ideia da reforma”. A brochura publicada incluía uma extensa lista das propostas a concretizar.

Entretanto, na Assembleia da República, a comissão parlamentar de educação que tratava da lei de Bases continuava o seu trabalho sem alaridos, beneficiando imenso do trabalho de dois deputados excepcionalmente bem preparados no campo da educação, o Professor Bártolo Paiva Campos e o Dr. Eurico Lemos Pires. E, como disse no post para que remeti o leitor logo no início, em fins de Julho de 1986, a Lei de Bases foi aprovada. No fim da tarde do dia 24 de Julho, estava eu no meu gabinete da ESE quando recebo um telefonema do Lemos Pires: “Varela, aprovámos a Lei de Bases!” Fiquei mesmo surpreendido. E logo pensei: e agora, o que vai fazer a CRSE?

Como as suas actividades estavam no princípio, não seria preciso mais do que ajustar ao articulado da Lei os estudos que tinham sido pensados. E assim foi. Ao longo de dois anos, a Comissão cumpriu o seu programa. Atestam o seu labor uma série de livros, todos editados pelo Gabinete de Estudos e Planeamento. O último deles, o Relatório Final, é um grosso volume de 708 páginas que, apesar de passados estes anos, merece ainda uma leitura atenta. São nele consideradas todas as situações que no novo sistema educativo careciam de legislação de suporte, de que é apresentada uma proposta de texto.

Com esta digressão, afastei-me um pouco do ensino politécnico, que era o objecto de análise. Mas a CRSE não deixou de definir a sua posição. Assim, no que chamou o “Programa de Diversificação do Ensino Superior”, definiu como orientação “prosseguir o alargamento da rede do ensino superior politécnico, permitindo o seu crescimento a uma taxa superior à do ensino universitário, por forma a aumentar a frequência dos cursos de carácter mais marcadamente técnico-profissional”, bem como a criação de “incentivos à fixação regional dos bacharéis provenientes dos Institutos Politécnicos”. No fundo, conservava-se a ideia base de que os Politécnicos tinham uma área clara de acção educativa.

E no entanto, quando este livro é publicado, em 1988, e em especial no que dizia respeito às Escolas Superiores de Educação, já se notavam sinais de alguma inquietação para o futuro.

Sem querer fazer “suspense”, continuarei proximamente…

2005/03/14

Mais sobre avaliação – desta vez, de alunos


Passei o fim-de-semana à volta dos portfolios dos meus alunos do curso de mestrado em Educação Musical, os mesmos que estiveram na génese e no desenvolvimento de um blog (Currículo & Cultura), que tinha o mesmo nome da disciplina de que fui professor (do 1º semestre). Eram apenas 9 alunos, todos eles com formação no âmbito da música e todos eles ligados à docência, uns em escolas profissionais, outros em escolas de formação geral; uns com formação musical apurada, com alto padrão de exigência, outros mais vocacionados para o ensino das bases, para a aprendizagem do que é elementar.

Desde há uns anos que em cursos de mestrado enveredei por propor aos meus alunos uma avaliação por portfolio. O facto de serem poucos alunos, de termos normalmente no decurso das aulas oportunidade de dialogar e portanto de ter elementos avaliativos acerca do que cada um pensa e é capaz de expor, deixa-me margem para eliminar qualquer tipo de “exame” ou de “trabalho” específico e dar aos estudantes a oportunidade de serem mais criativos e autênticos. O portfolio surge assim como uma oportunidade de cada um revelar como compreendeu o seu percurso na disciplina, o que ela lhe revelou – ou perturbou. Sugiro sempre que cada um adicione quaisquer elementos colhidos no dia-a-dia que possam contribuir para aumentar o conhecimento na área em estudo. Aceito qualquer formato: mas nos últimos dois anos todos, praticamente, preferem o formato digital, se bem que normalmente entreguem também um exemplar em papel.

Para mim, o dia (ou dias, se forem muitos!) de análise dos portfolios é sempre um dia normalmente agradável. Ontem, para ale, de ler, fui convidado a ouvir – porque dois dos meus alunos tiveram a gentileza de incluir CDs com as suas interpretações. Foi um extra que amenizou a tarefa.

Para converter a avaliação numa classificação – que é a parte mais desagradável da tarefa docente – uso uma ficha (não gosto muito do termo “grelha”) na qual atribuo um valor, numa escala de 5 pontos, a itens como “Organização/Apresentação”, “Capacidade de enquadramento teórico”, “Juízo crítico”, “Expressão escrita”, etc. Tenho depois de interpretar o resultado e moderá-lo, ainda, com a impressão geral que tenho do aluno por toda a participação no curso (neste caso, incluindo a que foi concretizada no blog).

É um processo essencialmente qualitativo, não o escondo, potencialmente gerador de algum germe de injustiça; mas, para mim, muito mais confortável do que um outro qualquer que sujeitasse os estudantes a uma prova tipo exame, a qual pode proporcionar também germes de injustiça.

Terminada a tarefa deste fim-de-semana, vou deixar passar mais um ou dois dias, rever as minhas fichas e ponderar se os resultados a que cheguei devem ser os definitivos. Terminada essa tarefa, enviarei a cada um dos meus alunos, por e-mail, cópia da ficha com o resultado e a classificação.

Uma reflexão final: se o número de alunos fosse muito grande, este tipo de avaliação-classificação não seria possível.