2005/09/09

O inglês no 1º ciclo


Aplaudi a iniciativa do Governo em funções mal a conheci, e ao aperceber-me que ela se vai concretizar com muito mais amplitude do que a esperada (ouvi referir que 75% dos alunos do 3º e 4º ano iriam participar do programa), fico muito satisfeito. Há muito tempo que preconizava medidas que dessem ao inglês um estatuto privilegiado nos currículos, em especial nos das primeiras idades. O inglês é o esperanto que não vingou. É a língua em que o mundo se entende. Por isso é preciso saber inglês.

Claro que não podemos esquecer que o português é falado por mais de duzentos milhões de pessoas espalhadas por todo o mundo. Orgulhamo-nos dos nossos poetas e escritores (mas é preciso traduzi-los para que sejam conhecidos). Temos de aceitar que mesmo com 200 milhões de falantes o português continua a ser uma língua minoritária. Por isso é importante que exista uma espécie de segunda língua que nunca se pensou institucionalizar, como por exemplo fizeram com êxito os países nórdicos. Suecos, Noruegueses, Finlandeses e Dinamarqueses falam na generalidade (não na totalidade) o inglês com fluência porque aprendem a sua língua e ao mesmo tempo o inglês, que tem sido chave para o sucesso.

Mesmo que possam existir alguns problemas no desenvolvimento do processo agora encetado entre nós, o seu arranque é promissor. Só lamento que se continue a dizer que o inglês é extra-curricular… sobretudo por provir do próprio Ministério da Educação, que tem obrigação de saber do que fala (ou escreve, ou diz). Mas face ao interesse da medida e ao seu aparente êxito, até perdoo o erro!

2005/09/08

Memória de férias (6 – Nota final)


Amanhã deixo o Vimeiro, rumo a Lisboa – e de algum modo, acabo as minhas férias. Pensei, há pouco, que estas são mesmo as minhas últimas férias como “trabalhador”… Para o ano, se cá estiver, o tempo de férias será necessariamente diferente. Até pode saber melhor. Mas será diferente.

É estranho anteciparmos o que não sabemos vai ser. Como é estranho compreendermos que aquilo que por vezes dizíamos sem pensar por vezes acontece… Quem nunca disse, meio brincar, quando está ainda na força da vida, “estou a ficar velho!”? Porque lhe custou a pegar numa mala mais pesada, porque se cansou a correr… Eu disse muitas vezes. Mas agora, que… (bom, não gosto de dizer que “sou velho”, mas em termos clássicos é isso mesmo), já não uso essa expressão, porque ela corresponde à verdade. Não digo, mas penso. Porquê?

Vou começar o último ano lectivo da minha vida como professor. É a lei que manda: permitirá que um octogenário seja candidato a Presidente da República (como tudo indica vai acontecer*), mas impede que um septuagenário dê aulas na Universidade… Curiosamente, não me sinto velho para tal e seria muito estimulante viver a mudança que se adivinha com Bolonha. Vou preparar a minha unidade curricular (agora é assim que se deve dizer) “Currículo e Cultura” para o mestrado em Estudos da Criança, especialidades em Educação Musical e Comunicação Visual e Expressão Plástica. Tal como nos anos passados vamos certamente ter um blog. Veremos como reagem os alunos ao meu desafio… Vou já formatar a unidade nos termos definidos para os novos cursos, prevendo horas de trabalho para diferentes tarefas de modo a que os créditos reflictam esse mesmo trabalho. E tenho a certeza que nessa altura não pensarei, sequer, que vou ser obrigado a deixar de fazer o que sempre gostei (e penso que sei fazer razoavelmente).

E este é o último post de “Memória de férias”.

* Quando foi escrito este post não havia ainda a certeza que Mário Soares seria candidato.

2005.08.28

2005/09/07

Os professores sem emprego


Há muito tempo que não escrevo sobre problemas da educação. É o que as férias fazem… E não obstante há matéria para análise. Não me esqueci da promessa de analisar o documento “Os números chave da Educação na Europa – 2005”, mas a verdade é que ele é tão extenso que exige muito trabalho e frescura de espírito pelo que vai demorar mais algum tempo.

Ontem, a Ministra da Educação veio informar que dos “cerca de” 40 000 candidatos ao concurso para a docência nos ensinos básico e secundário apenas 10000 são de facto professores, o que eu interpreto como sendo pessoas habilitadas com diploma que lhes confere o direito de ensinar. Os restantes, ou seja, mais ou menos 30 000, serão pessoas habilitadas com diversos cursos superiores, que a lei permite que concorram mas não são, efectivamente, professores.

O que vou escrever a seguir não se aplica ao primeiro ciclo do ensino básico (que teve sempre características próprias, por não permitir a entrada na profissão a quem não tivesse o diploma de professor).

O que a Ministra explicou, para além da quantificação, não constitui novidade. O ensino tem sido sempre uma saída de recurso para pessoas que em princípio se destinavam a outras profissões ou nem sequer as equacionavam. Há quarenta anos já era assim: não se pense que os candidatos a entrar numa escola sem habilitação tinham garantida uma colocação. Muitos não a conseguiam. Quem obtinha a profissionalização, porém, com mais ou menos dificuldade até encontrar um lugar estável, chegava a um porto seguro. Deixem-me recordar o meu caso: feito o estágio em Coimbra (1963-1965), passei por Aveiro como “agregado” (1965-1966). Lisboa (Padre António Vieira) como “auxiliar” (1966-1967), Horta já como efectivo (1967-1968), Funchal (1968-1969)… E depois ainda fui colocado em Castelo Branco e Figueira da Foz embora nunca lá tivesse dado aulas por estar destacado em Lisboa, primeiro na Inspecção do Ensino Liceal, depois no Liceu de Pedro Nunes, como metodólogo. Só em 1975 “cheguei” a Lisboa – onde fui o primeiro homem a ser colocado (sem lá ter estado!) num liceu que era antes só feminino, o Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho…

Portanto, o que mudou foi a insegurança de quem obteve o diploma profissional (nem sequer mudou a “peregrinação” até se encontrar um lugar). Que me perdoem os que, não o tendo, concorrem e não têm lugar: acho normal. É mais difícil de aceitar que um diplomado não o consiga. Mas sendo difícil de aceitar tem de se compreender. Cometeram-se erros no passado e não tem havido coragem de os corrigir. Enumero-os. Ao nível do 1º ciclo (agora, entra de novo na análise) extinguiram-se as Escolas do Magistério e criaram-se as Escolas Superiores de Educação, o que era equilibrado. Simplesmente, no fim dos anos 80 permitiu-se a abertura de numerosas escolas privadas, com “numeri clausi” superiores aos das públicas, e começando pois a formar mais docentes dos que os necessários numa situação normal. Ainda houve um ano em que não foram autorizadas matrículas no 1º ano dos cursos, mas isso nunca mais aconteceu, numa altura em que ao mesmo tempo diminuía a população escolar.

Ao nível dos outros ciclos e do secundário, a situação não é muito diferente; as ESEs e as Universidades têm continuado a formar professores sem ter em conta as necessidades, que têm sido cada vez menores. Compreende-se porque as Escolas perseveram numa situação em que elas próprias acabam por ficar mal na fotografia, se me é permitida uma expressão quase jornalística.... Pessoalmente, considero errado (mas há quem não ache).

Perante este quadro, pouco adianta dizer que é injusto ou até imoral e argumentar que o Estado deveria empregar todos os professores (entendo: os que têm diploma), quer diminuindo a dimensão das turmas, quer colocando os excedentários em outras tarefas. Isso não é possível por motivos financeiros (não vale a pena explicar porquê). Mas mesmo que fosse, tenho as maiores dúvidas a diminuição do número de alunos por turma seja desejável e benéfico para os alunos (a não ser em alguns casos que fogem à média, que já é relativamente baixa).

A meu ver, são necessárias medidas (certamente impopulares e difíceis, mas não é para as tomar que este governo existe?). Entre elas terá certamente de figurar uma pausa na aceitação de alunos para certos cursos. Exige-se um estudo cuidadoso que tenha em conta todas as variáveis em jogo e permita uma previsão do curto e médio prazo (por exemplo, a extensão da obrigatoriedade vai ter repercussão no ensino secundário). Quanto aos professores formados e sem emprego, que soluções podem ser encontradas num quadro de racionalidade das despesas do Estado? Não haverá hipóteses de a pouco e pouco ir mais além do que pagar subsídio de desemprego? Alguma criatividade poderá, eventualmente, encontrar respostas.

Memórias de férias (5 – Convite à preguiça)

Interrogo-me muitas vezes: serei preguiçoso? Costumo pensar que não, mas… Se a preguiça é a falta de vontade para a acção, na maior parte das vezes não sou preguiçoso. Levanto-me cedo desde criança sem esforço e só em condições muito especiais (nomeadamente quando passo uma noite sem dormir) consigo adormecer profundamente de dia. Se tenho uma tarefa para fazer, não paro enquanto não a termino. E embora aprecie, e cada vez mais, descansar (para o fim do dia, a minha capacidade para trabalhar começa a falhar), considero isso natural e não um sintoma de preguiça.

Pensei nisto hoje porque sempre que prolongo as férias um pouco mais, sinto que começo a ter um certo cansaço delas. E ocorreu-me que esta situação de não ter obrigações a não ser as que invente é um convite à preguiça. Eu decidi trazer um dossier de um trabalho que tenho em atraso, mas também decidi depois não lhe tocar, com o argumento “são férias”. Será isso a preguiça? Ou seja, o “cansaço” das férias não será a reacção de quem não é preguiçoso? No fundo, desejo regressar para poder trabalhar no meu ambiente, e não num ambiente emprestado no qual há sempre a ideia das férias. E falta pouco.

2005.08.29

2005/09/06

Memórias de férias (4 – A caminho de Mafra)


Quando vivia em Lisboa, nos anos 70, no começo de uma vida um pouco mais desafogada, era muito frequente, aos domingos, sair da cidade e ir almoçar a uma localidade dos arredores. Sintra terá sido o local mais visitado, mas também Bucelas, Ericeira, Santa Cruz e mesmo Torres Vedras estavam no nosso itinerário. Curiosamente, por Mafra “passava-se” – visitado o Palácio, Mafra estava vista. Ontem, porém, atendendo a que não estamos longe e há muitos anos que não víamos o Palácio com cuidado, decidimos aproveitar a tarde e ir até lá. O nosso raciocínio foi este: às segundas-feiras os Museus estão fechados, por isso vamos na terça…

As estradas, mesmo secundárias, estão em excelente condição, mas a sinalização é completamente estúpida. Não é novidade, porque infelizmente é quase regra. Quem conhece não tem dificuldades, mas quem não conhece tem por vezes de decidir às escuras se deve virar à direita ou à esquerda. Como não tenho grande sorte a jogos, tive de andar uns bons quilómetros mais por erro na aposta. Não me aborreci, contudo, porque pude verificar como mudou a paisagem (urbana) da região. A primeira passagem, na Praia de Santa Cruz, mostrou de imediato como cresceram prédios e moradias, implantados em infra-estruturas adequadas. Não passei pelo centro (que deve manter-se mais ou menos como era), mas nas franjas a mudança é abissal. O mesmo verifiquei quando, depois de ter perdido o caminho mais curto, passei por locais que conhecei na minha infância, como a Encarnação, o Sobral de Abelheira (este visto de cima, da Picanceira) e finalmente Mafra. Como Mafra mudou! Até tem uma auto-estrada para a Malveira! Pergunto-me que atracção terá viver em Mafra numa moradia com vistas para a auto-estrada, mas enfim…

Bom, vamos ao Palácio. Está bem tratado por fora. Imponente q.b. para o nosso orgulho de pequeno país. Fácil estacionar mesmo em frente ao Palácio. Procuramos a entrada. E aí, um balde de água fria (mas como estava calor…). O Palácio está fechado às terças-feiras! Não vale a pena argumentar que é um disparate porque em todo o mundo a segunda-feira é o dia de encerramento de museus (e em certo sentido, o Palácio funciona como museu). Gostaria de saber quantas pessoas têm ido a Mafra à terça-feira e sofrem a mesma decepção que sofremos.

Regressamos pela Ericeira, para confirmar, com exuberância, o crescimento habitacional. Não vou entrar numa de dizer “Que saudades da Ericeira de há trinta anos”, só porque nessa altura quase se podia estacionar à porta do restaurante… Mas confunde-me (como já me confundia a Quarteira no Algarve) o amontoar de casas em zona de lazer.

Claro que tudo isto representa progresso. Mais adiante, à beira da estrada, numa pequena localidade cujo nome já esqueci, há um pequeno supermercado. Terá as lâminas que esqueci? Tem. E tem praticamente tudo o que se procure – ali, onde certamente há trinta anos existiria, se existisse, uma taberna.

É o progresso.

Será?
2005.08.24

2005/09/05

New Orleans


Nos meus anos dos Estados Unidos habituei-me a respeitar muito a “mother nature”, uma das expressões mais ouvidas na boca dos metereologistas que têm, nas estações de televisão, um papel fundamental (mesmo as estações locais têm o seu laboratório de metereologia assegurando informações essenciais, isto para não falar do Weather Channel, que transmite 24 horas por dia). Na verdade, quem vive em alguns Estados dos EUA têm de ter muita atenção ao tempo. Tufões, tornados, cheias enormes, trovoadas violentíssimas – tudo isso é previsto e divulgado, com conselhos a quem mora nas localidades que vão ser atingidas. Com excepção de tufões, onde vivi experimentei de tudo. O rigor que nessa altura existia (e acredito que hoje seja bem maior) era quase milimétrico: raras vezes falhava. Se o Denny Frary (o “meu” metereologista da KCRG TV9 de Cedar Rapids) me dizia que uma “severe thunderstorm” ia desabar em Iowa City às 9 horas, era mesmo às 9 horas que ela chegava…

Por isso, o que sucedeu em New Orleans não pode nem deve ser atribuído apenas à mãe natureza. Sabia-se que o Katrina era violentíssimo e sabia-se a sua rota (pequenos desvios seriam irrelevantes). Por isso foi dada ordem de evacuação da cidade. Por isso milhares de pessoas saíram e salvaram-se.

Contudo, parece que se sabia, também, que os diques que protegiam a cidade tinham fragilidades e por isso se planeava a sua recuperação. Também se sabia (sem nenhuma dúvida) que New Orleans tinha muitos residentes que, sem ajuda, nunca poderiam por si sair da cidade, porque eram pobres e não tinham automóvel. Ao nada fazer para ajudar na evacuação quem não podia fazê-lo, ao eventualmente subestimar a violência do tufão (mas como, se o seu nível era já de destruição), os homens – e não a mãe natureza – têm de ser culpados.

Há três anos, estive em New Orleans alguns dias e encontrei na cidade velha (o “French Quarter”) dos ambientes mais interessantes dos Estados Unidos, uma mistura da Europa e da América a que os músicos de rua, herdeiros de Louis Amstrong, davam um toque especial. As notícias que chegam dão a ideia de que será possível recuperar essas ruas cheias de casas baixas com varandas e flores. Pelo menos que isso aconteça.

Apenas um último pensamento: se isto foi possível no país mais desenvolvido do planeta, como criticar o que de semelhante acontece em países menos desenvolvidos?

Memórias de férias (3 - Um pequeno prazer que se perdeu)


Olho a praia de longe. É verdade: hoje, não tenho gosto pela praia. Aborrece-me a areia a pegar-se ao corpo suado, não gosto de estar ao sol (aliás, não me faz grande bem, porque fico cor de lagosta cozida num instante).

Contudo, nem sempre foi assim. Quer como criança, quer como adolescente e mesmo adulto jovem, um dos meus prazeres era na praia fazer caminhadas à beira mar, ver se descobria pedras ou conchas que se distinguissem das que habitualmente se encontravam, e até a hora do banho era alegre. Hoje, banho só em piscina, e mesmo esse já me agradou mais.

Procuro perceber quando comecei a afastar-me da praia. Curiosamente, creio que foi quando mais perto estive dela, ou seja, nos anos em que vivi em Faro. De facto, apesar de não ser turista no Algarve – ou precisamente por isso… – não fui assíduo frequentador das belas praias algarvias, ainda que lhes reconheça uma qualidade sem paralelo. E contudo, ia muitas vezes à Ilha, porque era bom almoçar ou jantar contemplando Faro ao longe, com aquela luminosidade que só o Algarve possui.

Perdido esse prazer, reforcei o de contemplar o mar, de não me cansar com o vai e vem das ondas… E se o mar tem estado bonito, tocado pelo vento! E à noite, adormeço com o fragor ritmado das ondas a morrer nas rochas.

2005.08.24