2005/09/02

Memórias de férias (2 - A flauta de cana)


Caminho ao longo da estrada, quase sem movimento, aproveitando as sombras das árvores. O rio Alcabrichel não tem água, mas tão perto da foz a maré-cheia injecta água salgada no seu leito seco e disfarça o que seria uma paisagem intolerável. Eu gosto de andar a pé, desde que não tenha de carregar pesos e vista roupas apropriadas: gosto mesmo de me sentir cansado, para depois repousar e beber um copo de água fresca…

Conheço esta estrada de anteriores estadias no Vimeiro, sei que há troços em que a as árvores fazem túnel e proporcionam uma frescura agradabilíssima, e que há outros desabrigados, nos quais as árvores foram substituídas por taludes. Já não me lembrava era dos canaviais que bordejam a estrada em vários passos. Ou não existiriam? Seja como for, apetece-me arrancar uma cana seca e retirar-lhe as folhas, que ainda cortam se não tivermos cuidado. E ao fazê-lo, recuo aos tempos de criança, lembrando-me, com uma nitidez que me espanta, de passeios que dava com o meu Pai, quando íamos ao “campo”, como dizíamos então… Não era difícil, vivíamos nessa altura no Seixal, que não era mais do que uma pequena vila onde predominavam operários e pescadores, e na qual, logo que se saía do centro, existiam largas zonas de matas, hoje desaparecidas… Muitas vezes passeávamos nessas matas e não era raro que o meu pai arranjasse uma cana de boa dimensão e, com auxílio de um canivete que sempre o acompanhava, conseguisse fazer uma flauta rudimentar. O meu pai sabia alguma coisa de música, o que não acontece comigo, e devia encantá-lo aquele trabalho que eu seguia com muito interesse – se o relembro hoje!

Perguntei-me, ao desfolhar a cana que apanhara, por que o fizera. E a única resposta que tive foi que talvez tivesse sido um acto vindo do inconsciente, em memória do meu Pai e do que a ele devo na vida.

Não, eu não saberia fazer a flauta. Não trago sempre comigo um canivete, aliás… Ao chegar perto do fim do passeio, deixei a cana encostada à última das sebes.
Mas teria dado certamente uma bela flauta.

2005.08.21


Estrada da Fonte dos Frades (Vimeiro)

2005/09/01

Memórias de férias (1 - O Vimeiro)


Gosto de ver e de ouvir o mar, mas não aprecio por aí além a vida de praia. Por isso, de vez em quando sabe-me bem passar uns dias à beira-mar, se possível desfrutando dele sem ter necessidade de me deslocar. Em anterior post dei conta de um desses locais – a Praia Grande, a sul da Praia das Maçãs. Para as férias grandes deste ano decidimos passar os últimos dias de Agosto no Vimeiro, onde há um Hotel construído sobre a falésia com uma vista espectacular para o oceano. Creio que hoje não seria autorizada esta construção, mas seja como for, ela existe desde há muito e a situação é de facto privilegiada.

Por aqui passei ainda antes de existir o hotel, quando, nos fins dos anos cinquenta do século passado, fiz prospecções arqueológicas nas praias elevadas do litoral do concelho de Torres Vedras, com vista à minha tese de licenciatura, que foi precisamente uma monografia sobre a arqueologia desse concelho, desde a pré-história até à época lusitano-romana.

Depois, nos começos dos anos 70, descobri o hotel – nessa altura um pequeno hotel, com dois andares, uma mini-piscina, e já vocacionado para proporcionar aos interessados a prática do golfe. Dai o nome do Hotel: Golf-Mar. Em 1973 passámos lá alguns dias de férias, e embora tivéssemos gostado não repetimos senão anos mais tarde, quando já estava construído o novo imóvel, com doze pisos. Muito de vez em quando aqui regressámos (a última antes da actual, em 1998).

A paisagem “dura” pouco mudou: apenas a seca acentua os tons castanho-amarelados e o leito quase seco do Alcabrichel (o rio que cavou este vale que desde os tempos pré-históricos atraiu populações) em grande parte da sua extensão. Mas em relação à outra paisagem notam-se diferenças. Estradas alargadas onde possível, outras construídas, mais casas, parques de estacionamento decentes, e, ainda, o verdinho fresco de muita água para os campos de golfe e hipódromo, um verde que me não faz sentir feliz num ano como este mas que tenho de compreender. Eu não pratico golfe, não foi esse desporto que me fez vir para cá, mas essa é a imagem de marca da estância balnear, para além das termas. E as termas estão fechadas porque o caudal das águas “santas” secou…

Mas o mar, em dias de vento implacável, está uma maravilha. Li por estes dias que olhar o mar é o mais eficaz remédio contra o stress. Concordo: quanto mais tempestuoso, mais gosto de contemplar o mar e mais calmo fico. Espero pois que estes dias no Vimeiro me ajudem a libertar-me de alguns resquícios de pressão que tenha trazido de Braga.

2005.08.20


Praia de Porto Novo - Vimeiro (vista do Hotel)

Regresso


Troco o azul do Atlântico e as névoas matinais pelo verde do Bom Jesus de Braga (sim, apesar da seca e dos incêndios o Minho continua predominantemente verde) no regresso de alguns dias de descanso em que voluntariamente me desliguei de certas coisas – entre elas, do meu e dos blogs que habitualmente frequento. Em troca vi mais televisão, li mais jornais, li mais livros. E pensei em coisas diferentes daquelas que o quotidiano de um meio académico me obrigam a ter em atenção. Ocasionalmente, porém, escrevi algumas entradas para a Memória que vou dar a conhecer em breve. Hoje, apenas quero assinar o ponto – 1 de Setembro, novo ano lectivo, um ano que antecipo cheio de complexidades mas – pode acontecer! – complexidades saudáveis para o ensino superior. Embora na minha memória juvenil e mesmo adulta o começo do ano “lectivo” esteja ligado a Outubro, acertei o passo e já não me custa pensá-lo em Setembro. Um bom ano para todos. É certo que esta maneira de dizer só tem sentido para quem esteja ligado ao ensino, mas como presumo que é o que acontece com a maior parte dos meus leitores, formulo assim estes votos. Extensíveis para quem, não tendo nada a ver com a educação, os entenda como votos pós-férias…