2005/07/09

Rumo a Bolonha


Na quinta-feira passada, à margem de um seminário para formadores do Instituto do Emprego e Formação Vocacional, uma participante manifestava os seus receios sobre a influência que o paradigma de Bolonha poderia ter nas aprendizagens dos alunos das nossas escolas superiores. Não está isolada, mas no contexto do seminário, que estava ser conduzido com base em estratégias que se aproximam das que, a meu ver, importa consolidar no ensino superior, valorizando o trabalho do aluno, e que estavam a ser bem aceites pelo conjunto dos formandos, esta ideia de um formador fez-me pensar.

Ora ontem, sexta-feira, aconteceu na minha Universidade um evento notável. Sem podermos generalizar, existe na UM (Universidade do Minho) um número de docentes realmente preocupados com Bolonha e querendo tirar partido das potencialidades da mudança estrutural que pressupõe. Assim, neste ano de 2004-2005, as Escolas de Engenharia e de Ciências, com o aval dos Conselhos Científicos e do Conselho Académico e o patrocínio da Reitoria, levaram a efeito experiências preludiando o que virá a ser a Universidade do futuro. Ontem, o Curso de Licenciatura de Engenharia e Gestão Industrial apresentou, em sessão pública, os resultados da sua experiência. Em linhas gerais, foi a seguinte. No segundo semestre do 1º ano do curso o currículo em vigor materializa-se nas disciplinas de Análise Matemática, Elementos de Engenharia de Produção e Sistemas, Elementos de Microinformática, Física II, Linguagens de Programação e Química Geral.
Estas disciplinas pertencem a diferentes Escolas e Departamentos (de acordo com a filosofia organizacional da UM). Os docentes reuniram-se e programaram em conjunto as suas actividades em torno de um projecto proposto aos alunos, “Produção de Biodiesel”, o qual implicava aprendizagens dessas diferentes disciplinas. Os 42 alunos foram divididos em 6 grupos, os quais, durante os pouco mais de quatro meses do semestre (finais de Fevereiro a fins de Junho) apresentaram soluções técnicas para responder ao desafio, materializadas não só em relatório como em maquetas que exemplificavam com rigor o que se propunha. Cada grupo tinha o apoio de um tutor, que com eles passava pelo menos uma hora por semana. O trabalho supunha, ainda, que os alunos apresentassem o resultado físico da produção, ou seja, biodiesel. Na sessão foram expostos os dois melhores trabalhos e os alunos deram conta dos aspectos positivos e negativos da experiência.

O debate que se seguiu (entre alunos e professores que quase enchiam o anfiteatro) mostrou as clivagens existentes: os alunos apoiam este tipo de aprendizagens, os professores dividem-se entre os que estão dispostos a investir na mudança e os que continuam a preferir um ensino arrimado a um programa espartilho. Enfim: com a atitude de suspeita da formadora que referi no começo deste post.

No final, falei com todos os grupos, que tinham as suas maquetas em exposição. Para além das inevitáveis referências a problemas de relação que de vez em quando emergiam no grupo, todos me disseram que tinha sido uma experiência muito gratificante, porque tinham aprendido com prazer, investigado por si. Um deles, sem surpresa, dizia calmamente: “No 1º semestre, nem vinha às aulas teóricas… Neste, passei o tempo a trabalhar aqui e aprendi imenso”.

Fiquei feliz com o que vi e ouvi. É evidente que é necessário repensar a estrutura de todos os cursos, porque nem sempre, com as estruturas vigentes, se poderá conseguir o que, neste curso, neste ano e neste semestre, foi possível. Esse vai ser o grande desafio à Universidade, quando for definido o esquema dos cursos, ainda ignorado.

Para quem queira saber mais sobre biodiesel: veja aqui.

2005/07/08

Londres e eu


Vivi em Londres cerca de um ano no final dos anos 70 do século passado. A minha relação com a cidade nunca foi muito prazenteira, mas isso deveu-se mais a condições que nada tinham a ver com a cidade, que apreciei e aprecio pelos seus belíssimos parques, pela imponência dos monumentos, pela enorme oferta de bens científicos e culturais que todos os dias disponibiliza a quem lá vive ou vai. Embora tivesse boas companhias que me não deixavam sentir isolado, eu estava só: a minha Mulher ficara em Portugal com a filha, apenas com 10 anos. Depois, tenho de o dizer, os ingleses (alguns) são um pouco estranhos, que, ao invés dos norte-americanos, olham para o estrangeiro com desconfiança, senão com hostilidade, a maior parte parecendo incapaz de perdoar uma inflexão errada quando se faz uma pergunta.

Em Londres, vivi alguns meses no John Adams Hall, uma residência da Universidade de Londres, que fica na Endsleigh Street, e completei o quase ano de estadia num pequeno apartamento situado muito perto (era, também, da Universidade), na Woburn Square. Em ambos os casos, muito perto do Instituto de Educação, que frequentava, um belo edifício que confronta uma das suas partes laterais com a Russell Square. Todos estes lugares são-me familiares, conheço-os bem; e quando tenho de ir a Londres, hospedo-me sempre em hotéis próximos da Russell Square, até pela comodidade que representa a estação de metropolitano que fica a 50 metros e dá acesso directo ao aeroporto de Heathrow. Do meu ano de Londres recordo o tempo depressivo no Inverno, em que às 3 da tarde anoitece, e a surpresa de em Maio o sol nos entrar pelo quarto às 4 da manhã; da festa que todos sentiam quando aparecia um pouquinho de sol… E recordo sobretudo, claro, os sítios onde vivi e que percorria diariamente.

Ontem, tive um dia muito ocupado – a tal ponto que só ao fim da tarde, quando cheguei a casa e liguei o rádio para saber notícias, soube o que acontecera em Londres, e que afectara precisamente uma zona em que, se estivesse lá, teria sido aquela onde me encontraria (ao ver ontem as imagens da televisão, a minha Mulher reconheceu um dos hotéis em que nos por vezes ficamos). Não fiquei surpreendido – penso que ninguém pode hoje ficar surpreendido com ataques de terroristas sejam quais forem as circunstâncias – mas fiquei chocado. Talvez por conhecer melhor todos aqueles lugares do que se as explosões tivessem ocorrido em zonas diferentes – quem sabe? A verdade é que durante algum tempo a minha memória dirigiu-se para esses tempos em que eu era um habitante de Londres. Tempos bem mais calmos, é verdade. Nos quais, mesmo não tendo deles uma lembrança tão agradável como tenho dos que vivi nos Estados Unidos, tive ocasião de aprender muito, pelo que não os enjeito como perdidos.

Pelo que julgo conhecer da maneira de ser dos ingleses, estou certo que vão reagir bastante bem. Tal como quando chove raramente usam guarda-chuva não apressam o passo, também agora continuarão a viver como sempre, calma e orgulhosamente diferentes dos outros. E hoje, tenho forçosamente se simpatizar com eles.

As Crónicas na RUM (15)


Na passada terça-feira foi apresentado no Salão Nobre da Reitoria da nossa Universidade o Pólo de Software do Minho, um projecto da COTEC (Associação Empresarial para a Inovação) e da Universidade do Minho, com a colaboração de seis empresas da região Norte do país que têm como factor comum a informática.

A sessão, subordinada ao tema “Aumento da Produtividade de Economia com Base na Inovação – o Caso das Tecnologias das Informação”, teve como objectivo dar a conhecer esta parceria, para o que cada uma das empresas se apresentou e aos seus projectos actuais e futuros.

Na sessão de encerramento estiveram presentes Belmiro de Azevedo, Director da COTEC Portugal, o Reitor da Universidade e o Secretário de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Doutor Manuel Heitor, que proferiram breves alocuções relativas ao acto.

Qual é o papel e interesse da Universidade neste projecto?

A investigação é um factor chave para a inovação, e a inovação é vital para o sucesso das empresas. A Universidade dispõe do know how; as empresas podem, se unidas, viabilizar projectos de maior dimensão e tentar o que hoje é uma condição essencial para a sua sobrevivência – a internacionalização.

Como foi claramente assumido pelo nosso Reitor, a Universidade do Minho é uma Universidade nacional (nem poderia ser de outro modo) mas com uma forte presença regional, tendo, desde o seu início, procurado definir objectivos estratégicos para o desenvolvimento da região do Minho. Trinta anos volvidos, da Universidade pode de facto dizer-se que tem sido um factor muito relevante para esse desenvolvimento, o qual ganhou novos contornos com o recente pacto assinado com instituições diversas da região, nomeadamente dezoito autarquias que rodeiam Braga.

Esta nova parceria em área tão promissora e na qual já provámos ter excelência chega em bom momento, até pela situação económica estagnante em que o país vive.

Os académicos discutem muitas vezes a justeza das opções da Universidade no que se refere à sua disponibilidade para dar a mão às empresas, talvez um pouco nostálgicos de uma concepção da Universidade essencialmente voltada para um saber desinteressado, o saber pelo saber. Penso que essa vertente não se deveria perder, mas seria pouco lógico que a Universidade não tivesse em atenção o mundo real que, na verdade, a sustenta.

Por isso, iniciativas como a do pólo de software do Minho devem ser vistas como estrategicamente valiosas para a vida da Universidade, bem como para o seu prestígio como uma das mais inovadoras no nosso país.

Até para a semana.

2005/07/05

Mais sobre estágios na formação de professores (3)


É evidente que defendo a liberdade das universidades, como o Luís defende; os alunos devem saber o que querem e os riscos que correm ao matricularem-se num curso e não noutro. Simplesmente, na formação de professores as Universidades (e Politécnicos, no nosso caso) não estão isoladas. Elas sabem que a esmagadora maioria dos alunos desses cursos irão concorrer a escolas públicas, e nessas escolas a tutela é do Ministério da Educação, que fixa os seus quadros e tem de atender ao volume de alunos que nelas se inscrevem.

Ou seja, muitos alunos escolhiam e escolhem os cursos de formação de professores porque viam (vêem) nessa escolha o caminho mais fácil para um emprego rápido e garantido. Isto foi verdade durante bastante tempo; deixou de o ser há já uns anos.

Não está em causa que esse curso, ainda que direccionado para o ensino, não tenha em si o valor de um curso superior e seja portanto uma mais-valia que o aluno sempre aproveitará. Mas insisto, seria óptimo que um diplomado exercesse na área da sua especialização e não em actividades marginais. Afinal, foi para isso que ele estudou e se preparou! Claro que o problema do emprego tem por vezes soluções algo curiosas. Ainda no passado fim-de-semana uma das revistas domingueiras publicava uma pequena reportagem com uma jovem cientista (astrofísica) que trocou a investigação por um lugar no sistema financeiro londrino, graças a competências específicas aprendidas no seu curso. Quando estive nos Estados Unidos e mudei de casa, através de um anúncio no jornal telefonei a um Jeff que tinha uma carrinha própria para o transporte dos tarecos, e apareceu-me um canadiano, jovem, doutorado em linguística, com uma cultura que me surpreendeu (conversou sobre a política portuguesa da época – Soares-Cavaco – com à vontade!), e que para sobreviver comprara a carripana e usava a força dos seus braços (ainda eu que tivesse tido de o ajudar…).

Seja como for, não posso deixar de pensar que esta situação de se formarem anualmente uns milhares de professores que não vão ter colocação deveria ser travada – ou pelo Ministério ou por auto-regulação das instituições de ensino superior.

Quer gostemos quer não, as Universidades não podem deixar de ter em mente as saídas profissionais dos seus alunos, por muito que se defendam os valores culturais imanentes. Eu ainda sou do tempo em que o Grego e o Latim tinham algum estatuto no ensino secundário terminal – veja-se como são hoje tratados. Eu defenderia a sua importância não só como instrumentos culturais, mas seria de todo impensável que conseguisse que fossem recuperados para um currículo actual.

Reparo que o tema estágios quase desapareceu neste post – acabei apenas por clarificar (espero) posições anteriores que mereceram comentários. Mas quanto aos estágios, e melhor esperar por uma concretização das ideias anunciadas pela Senhora Ministra.

2005/07/04

Mais sobre estágios na formação de professores (2)


Embora não possa afirmar com absoluta certeza (alguns dos dados que possuo são relativamente antigos) serão raros, se existem, sistemas educativos que nos seus programas de formação de professores tenham um estágio de um ano no qual os candidatos a professores sejam titulares efectivos de turmas. Assim, o caso português (para professores do 3º ciclo do ensino básico e ensino secundário) deve ser único. Esta situação remonta aos finais da década de 70 quando foi publicada a portaria nº 431/79, de 16 de Agosto. Estava em causa a necessidade de responder à criação dos cursos de formação das Universidades novas – Aveiro, Minho, Évora – em meados da década, integrando também os cursos dos ramos de formação educacional das Faculdades de Ciências, cujo início foi anterior.

Ao invés do que aconteceu em outras situações, não acompanhei de perto a elaboração desta legislação. Mas ela respondia a uma tendência que se afirmara e que mais tarde viria a ser consagrada na Lei de Bases de 1986, a da formação integrada, ou seja, proporcionar um verdadeiro curso profissionalizante desde o seu início. Anteriormente, quem queria enveredar pela carreira docente (no secundário, uma vez que no ensino primário sempre foi diferente) teria de ter uma licenciatura adequada, fazer um curso de um ano de Ciências Pedagógicas nas Faculdades de Letras de Lisboa ou Coimbra, e depois candidatar-se a um estágio, de dois anos (mais tarde passou a um só ano), não remunerado, e no qual não era titular de qualquer turma. A sua função consistia em observar as aulas dadas pelo professor metodólogo e pelos colegas, planear e leccionar sequências nas turmas do metodólogo (sequências lógicas, como é óbvio) e fazer muitos trabalhos de vária ordem.

Entretanto, quando depois da publicação da Lei de Bases as Escolas Superiores de Educação começaram a funcionar e a formar professores para o 2º ciclo do ensino básico, os estágios no último ano de formação assimilaram-se aos do 1º ciclo (antigo ensino primário), ou seja, não havia qualquer remuneração nem turmas próprias, ao invés do que acontecia antes aos licenciados que optavam pela profissionalização no antigo CPES (Ciclo Preparatório do Ensino Secundário).

Devo dizer que o problema da remuneração, naturalmente relevante para os alunos, é exterior ao da formação. O hibridismo da situação – os professores são alunos da Universidade, mas na escola são considerados professores (em formação) – não é de modo algum claro. E não é, também, compaginável com o que acontece noutras situações de cursos profissionalizantes, em que o estágio, se pago, é posterior ao curso em si; se durante o curso, creio, não é pago.

Como foi sugerido pelo PJ, a modalidade de conceder bolsas a quem provasse necessidade seria a mais indicada, nesta como noutras situações.

Não faço ideia quais as decisões que vão ser tomadas, na onda se Bolonha, em relação á formação dos professores. Sejam quais foram, porém, neste momento, supondo que se mantém a formação integrada, eu defenderia claramente um estágio diferente, mais curto e porventura mais intensivo, com forte apoio tutorial, muito centrado na escola de acolhimento, mais do que na Universidade. Deveriam ser criados mecanismos para ressuscitar o ano de indução, que nunca foi concretizado mas poderia ser, na verdade, a pedra de toque de qualidade no que se refere à carreira dos professores. Sei que é difícil mas não será impossível.

Concluirei amanhã esta série de notas sobre estágios.


The fourth of July


Permitam-me uma pequena interrupção na minha reflexão sobre estágios e deixem a minha memória recuperar os três “quatro de Julho” que passei nos Estados Unidos da América, em todos eles sendo integrado nas festividades a convite de amigos norte-americanos, que gostam particularmente neste dia em que celebram a sua independência, decidida em 1776, de associar os que sendo estrangeiros podem não perceber o significado do dia (o mesmo se passa com o Thanksgiving, o Dia de Acção de Graças).

Ainda que eles não saibam, nós próprios (falo de minha Mulher e de mim) de algum modo todos os anos lembramos o 4 de Julho, as “barbecues” ou, pelo menos, os cachorros quentes… Ajudaram muito a nossa integração e também o apagar do mito dos Americanos pastilha elástica ou Coca-Cola, que a maior parte não é. Por isso, nesta evocação, envolvo na mesma saudade esses amigos que comigo aprenderam a dizer “bem haja”. A nice holiday!