2011/03/31

Eu e a reforma ortográfica

Quando aprendi as “primeiras letras”, em data indeterminada nos princípios da década de 40 do século passado, escrevia preguntar, quási, saüdade, e colocava um acento grave nos advérbios de modo terminados em “mente” (p. ex., agradàvelmente). Quando terminei a instrução primária já, escrevia perguntar, quase, saudade e deixara cair os acentos graves. Isto aconteceu sem nenhum sobressalto (mas mais tarde vim a saber que foi difícil para muita gente). Devo dizer que, como em casa de meus pais havia um razoável número de livros, que eu, mesmo criança, lia mesmo que às vezes não percebesse o que lia, tinha-me familiarizado com palavras esquisitas – abysmo, pharmácia, philosophia – que convertia facilmente depois de me ter sido explicado que tinham sido usadas até ao fim da monarquia (o sentido do que era “philosophia” só muito mais tarde o adquiri, claro).

Quase toda a minha vida convivi pois com a ortografia do acordo de 1945, que obrigou todos os países lusófonos com a excepção do Brasil. Agora, depois de um longo processo e de muita discussão, foi aprovada para ser aplicada uma reforma ortográfica que, confesso, ainda não estudei. Como entretanto algumas fontes de informação começaram a adoptá-la (RTP, Expresso) comecei a tropeçar em palavras que ferem a minha sensibilidade. Dizem-me que em alguns casos podem usar-se duas grafias, em especial se aquelas consoantes que deveriam ser mudas não o são realmente, e tenho de ver isso. Por exemplo, e vamos a um próximo: eu digo “adopetar”, e não “adotar”. Eu digo “espequetador” e não “espétador”… e digo “egípecio” e não “egício”. Espero que estas coisas sejam permitidas, mas mesmo que não sejam eu continuarei a escrever como sempre escrevi.

Eu compreendo que a língua pode e deve mudar de acordo com as necessidades do tempo em que se vive, nomeadamente na aceitação de novos vocábulos, mas custa-me a aceitar estas mudanças que parecem existir apenas para satisfazer o Brasil (pensando eu que podem coexistir as duas grafias tal como coexistem as duas maneiras de falar, n'é?).

Esta reflexão (que engloba parte da minha memória da criança) andava para a escrever há uns dias. Hoje, na sequência de um curtíssimo post de ontem, decidi publicá-la.