The past is malleable and flexible, changing as our recollection interprets and re-explains what has happened.... Peter Berger
2005/01/22
2005/01/21
Permitam-me a perplexidade…
Leio no Diário da República de hoje (II série, nº 15, p. 1057) o despacho nº 1438/2005 (2ªa série) da Senhora Ministra da Educação. Interessante a produtividade de um governo de gestão: ainda estamos em Janeiro e já foram publicados 1438 despachos! Mas a minha perplexidade não deriva disso; afinal, muitos devem ter transitado de Dezembro do ano passado.
O que me deixa confuso é o teor do despacho, que passo a reproduzir.
Despacho nº 1438/2005 (2ªa série) – A prática pedagógica tem demonstrado que a superação das dificuldades de aprendizagem decorrentes do processo de ensino e de aprendizagem de grande parte dos alunos se tem revelado muito mais eficaz mediante o recurso a metodologias e estratégias diversificadas introduzidas no quotidiano da sala de aula do que a apoios adicionais.
Assim, determino o seguinte:
1 – Sempre que um aluno revele dificuldades ou capacidades excepcionais de aprendizagem, em qualquer momento do ano lectivo, o professor do 1º ciclo e o conselho de turma dos outros ciclos analisam a situação específica do aluno e definem a(s) modalidade(s) de apoio educativo a adoptar.
2 – Entende-se por apoio educativo o conjunto das estratégias e das actividades concebidas no âmbito curricular e de enriquecimento curricular, desenvolvidas na escola ou no seu exterior, que contribuam para que os alunos adquiram as competências, de forma a possibilitar o sucesso educativo de todos os alunos.
3 – Compete ao conselho pedagógico da escola ou agrupamento assegurar a aplicação e a avaliação das medidas de apoio educativo referidas no número anterior.
4 – O apoio educativo pode apresentar, entre outras, as seguintes modalidades:
a) Pedagogia diferenciada na sala de aula;
b) Programas de tutoria para apoio a estratégias de estudo, orientação e aconselhamento dos alunos;
c) Programas de compensação em qualquer momento do ano lectivo ou no início do novo ciclo;
d) Programas de ensino específico de língua portuguesa para alunos oriundos de países estrangeiros.
4 de Janeiro de 2005 – A Ministra da Educação, Maria do Carmo Félix da Costa Seabra.
Então, é preciso que a Ministra determine que os professores façam o que devem ter aprendido a fazer nos seus cursos de formação? Se quisesse apoiar-se em determinações legais, não existe já o Decreto-Lei nº 6/2001, de 18 de Janeiro, que dá ampla cobertura para que se desenvolvam pedagogias diferenciadas, estratégias de estudo, utilizar diversos apoios (entre os quais o necessário para alunos oriundos de países estrangeiros)? Não, não era preciso.
O que seria necessário, talvez, é que o despacho da senhora Ministra determinasse que os serviços do Ministério, a todos os níveis mas sobretudo a nível local, dessem o apoio que as escolas precisam para poderem flexibilizar o currículo de acordo com o que está legislado e tem sido objecto de numerosas acções de formação ao longo dos últimos anos.
Penso que os professores devem ficar indignados com este despacho. Eu, limito-me a ficar perplexo... Que ideia terá a Ministra (bom, ou quem pensou e redigiu o despacho) dos seus professores?
Já agora, uma ideia para eles: peçam o que necessitam para poderem gerir o currículo aos serviços do Ministério, e digam claramente que é para cumprir o despacho da Senhora Ministra…
Despacho nº 1438/2005 (2ªa série) – A prática pedagógica tem demonstrado que a superação das dificuldades de aprendizagem decorrentes do processo de ensino e de aprendizagem de grande parte dos alunos se tem revelado muito mais eficaz mediante o recurso a metodologias e estratégias diversificadas introduzidas no quotidiano da sala de aula do que a apoios adicionais.
Assim, determino o seguinte:
1 – Sempre que um aluno revele dificuldades ou capacidades excepcionais de aprendizagem, em qualquer momento do ano lectivo, o professor do 1º ciclo e o conselho de turma dos outros ciclos analisam a situação específica do aluno e definem a(s) modalidade(s) de apoio educativo a adoptar.
2 – Entende-se por apoio educativo o conjunto das estratégias e das actividades concebidas no âmbito curricular e de enriquecimento curricular, desenvolvidas na escola ou no seu exterior, que contribuam para que os alunos adquiram as competências, de forma a possibilitar o sucesso educativo de todos os alunos.
3 – Compete ao conselho pedagógico da escola ou agrupamento assegurar a aplicação e a avaliação das medidas de apoio educativo referidas no número anterior.
4 – O apoio educativo pode apresentar, entre outras, as seguintes modalidades:
a) Pedagogia diferenciada na sala de aula;
b) Programas de tutoria para apoio a estratégias de estudo, orientação e aconselhamento dos alunos;
c) Programas de compensação em qualquer momento do ano lectivo ou no início do novo ciclo;
d) Programas de ensino específico de língua portuguesa para alunos oriundos de países estrangeiros.
4 de Janeiro de 2005 – A Ministra da Educação, Maria do Carmo Félix da Costa Seabra.
Então, é preciso que a Ministra determine que os professores façam o que devem ter aprendido a fazer nos seus cursos de formação? Se quisesse apoiar-se em determinações legais, não existe já o Decreto-Lei nº 6/2001, de 18 de Janeiro, que dá ampla cobertura para que se desenvolvam pedagogias diferenciadas, estratégias de estudo, utilizar diversos apoios (entre os quais o necessário para alunos oriundos de países estrangeiros)? Não, não era preciso.
O que seria necessário, talvez, é que o despacho da senhora Ministra determinasse que os serviços do Ministério, a todos os níveis mas sobretudo a nível local, dessem o apoio que as escolas precisam para poderem flexibilizar o currículo de acordo com o que está legislado e tem sido objecto de numerosas acções de formação ao longo dos últimos anos.
Penso que os professores devem ficar indignados com este despacho. Eu, limito-me a ficar perplexo... Que ideia terá a Ministra (bom, ou quem pensou e redigiu o despacho) dos seus professores?
Já agora, uma ideia para eles: peçam o que necessitam para poderem gerir o currículo aos serviços do Ministério, e digam claramente que é para cumprir o despacho da Senhora Ministra…
2005/01/20
Homenagem a Manuel Gomes Guerreiro
Leio no jornal Público que em Querença, uma pequena povoação a norte de Loulé, vai ser hoje prestada homenagem à memória do Prof. Manuel Gomes Guerreiro, que foi o primeiro Reitor da Universidade do Algarve. Se fosse vivo, faria hoje 86 anos.
Conheci o Prof. Gomes Guerreiro em 1983, quando fui para Faro desempenhar o cargo de vogal da Comissão Instaladora da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico, a convite do Prof. Carlos Lloyd Braga, na altura Presidente da Comissão Instaladora desse Instituto. Gomes Guerreiro era um homem simpático e afável, que vivia tempos nada fáceis. A Universidade do Algarve tinha sido criada por iniciativa da Assembleia da República, ao arrepio das políticas defendidas então para o ensino superior no país; Faro já tinha o Instituto Politécnico criado no âmbito de um plano que era apoiado pelo Banco Mundial e por isso não havia muito dinheiro para repartir com duas instituições que, de algum modo, eram (ou seriam, porque na altura a Universidade já tinha alguns alunos e o Politécnico ainda não) concorrenciais. Recordo-me de ter visitado o lugar onde eram dadas as aulas – em instalações medíocres cedidas pela Casa dos Rapazes de Faro, uma instituição que acolhia (e penso que ainda acolhe) rapazes com problemas de integração social. Como se sabe, anos mais tarde Universidade e Politécnico uniram-se, tornando-se o Algarve o primeiro exemplo de coexistência de escolas universitárias e politécnicas.
Recordo-me de uma vez ter almoçado com Gomes Guerreiro (e com outros colegas) e de ele nos ter brindado com referências muito esclarecedoras sobre a situação ambiental do Algarve, uma das suas paixões. Percebia-se que, para além da dedicação que tinha à missão de que estava incumbido – instalar a Universidade – ele era sobretudo um investigador, um cientista. Como tal vai ser hoje recordado, com a inauguração de um jardim mediterrânico a que será dado o seu nome na terra que o viu nascer. É bom que as gerações mais novas saibam preservar a memória dos que merecem, pelo que fizeram, não cair no esquecimento. O Prof. Manuel Gomes Guerreiro foi um deles.
2005/01/19
A educação e o novo governo
Os sindicatos da educação já desafiam o futuro governo: a Fenprof e a FNE alertaram os partidos para os problemas do sector. Nos dois casos, há implicitamente um apelo à necessidade de um consenso. Nada mais importante, e devo dizer que me surpreendeu, pela negativa, a actuação do Ministério da Educação do Governo de Durão Barroso, que rompeu com uma prática que pode dizer-se vinha desde os tempos da Revolução de Abril, que era, a meu ver, os partidos do poder, valorizando naturalmente as suas opções políticas, não hostilizarem frontalmente a oposição. Na verdade, ainda que não explicitamente, houve sempre um certo consenso. A rotura deu-se com David Justino, que atacou tudo e todos que antes dele tinham tido responsabilidades na educação em Portugal, e foi levada ao extremo com a aprovação de uma nova lei de bases (chamada da educação…) contra o voto unânime da oposição.
A educação é um dos mais sensíveis sectores da actividade governativa e não há dúvida que o novo governo tem perante si uma tarefa que não é fácil. Há urgência numa nova lei de bases, atendendo aos nossos compromissos por causa de Bolonha. Não apenas, a meu ver, por causa da designação dos graus, mas porque é preciso ter em conta que um novo ensino superior, formatado segundo o paradigma de Bolonha, supõe um outro ensino secundário (e uma reapreciação do básico). Não sei se se tem vindo a pensar nisso, mas de qualquer modo as alterações a fazer não podem ser tomadas de ânimo leve e, repito, terão de como base assentar num consenso alargado, um consenso que não pode nem deve ser só político mas apoiar-se em pareceres que relevem da investigação produzida, no país e fora do país.
Por isso, é preciso que todos (incluindo os Sindicatos, claro) tenham presente que não devem apressar o que tem de ser feito com calma. Apesar da urgência, pode ganhar-se tempo com mais reflexão do que com legislação mal suportada por estudos sérios.
2005/01/18
In memoriam
Acabo de saber que uma das minhas alunas que no ano passado frequentou a disciplina de Metodologia da Investigação do curso de qualificação em Educação Especial, a Clara, uma professora do 1º ciclo, faleceu. A culpa foi de uma daquelas doenças implacáveis e velozes, que se manifestam sem sinais prévios e matam em semanas. A Clara era uma excelente aluna, inteligente, rápida no raciocínio, trabalhando muito bem em grupo. Mas que não fosse. Um professor fica sempre ligado aos seus alunos – e a morte de qualquer deles, e infelizmente tenho sabido de alguns casos – envolve tristeza e amargura. A colega que me telefonou não conteve as lágrimas. Eu não sou muito bom a consolar – comovo-me também com facilidade e as palavras, sejam quais forem, parecem-me sempre incapazes de traduzir o que sinto. Sei que a turma a que a Clara pertencia, e que a minha memória conserva como um grupo de senhoras, jovens e menos jovens mas todas joviais, vai ter dificuldade em voltar a sorrir. A morte é sempre estúpida, mas é ainda mais estúpida quando chega muito antes do tempo mais ou menos convencionado para ela. A Clara tinha 42 anos. Vai ficar na minha memória.
The Daily Iowan
Todos os dias, de segunda a sexta-feira (excepto no período das férias escolares) recebo na minha caixa de correio a versão digital do The Daily Iowan, o jornal dos estudantes da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos da América, onde fiz os estudos pós-graduados que me levaram ao doutoramento em Educação. Descobri há pouco tempo a existência da edição online do jornal e, na qualidade de antigo aluno, solicitei a assinatura, que é gratuita. Perguntar-me-ão o que me leva a estar interessado, hoje, sobre o que se passa numa pequena cidade do Midwest norte-americano, a mais de 10 000 quilómetros de distância. Decerto, apenas a memória afectiva que guardo dos três anos e meio em que lá vivi, e que foram não só muito agradáveis como muito estimulantes. Iowa City (a cidade onde a Universidade de Iowa se instalou e que, no fundo, a justifica) é um local espantoso para quem quer trabalhar num ambiente sossegado e bonito. Mesmo a rudeza do clima (cheguei a suportar 26º C negativos!) é compensada com o conforto existente em todos os lugares.
Por outro lado, a Universidade de Iowa, com os seus mais de cento e cinquenta anos de existência, uma das reputadas universidades norte-americanas, é excelente. Não me arrependi por tê-la escolhido. Fiz um doutoramento tardio – o que tem inconvenientes e vantagens. Inconvenientes para a carreira académica, vantagens porque a maturidade entretanto adquirida facilita muito o percurso escolar. Durante alguns anos, andara enredado com a hipótese de me doutorar em Portugal, mas descobri que era incompatível gerir o meu tempo profissional (ao tempo, membro da Comissão Instaladora da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Faro) e o de investigador, que procurava estudar o rendimento escolar dos alunos do Ciclo Preparatório TV comparando-os com colegas que seguiam o ensino directo. Por isso, a dada altura tentei, e consegui, obter condições que me proporcionassem (e à minha Mulher) o doutoramento nos Estados Unidos da América. Em 1984 havia estado na Universidade do Colorado, em Boulder, onde trabalhava Richard Kraft (hoje reformado), um professor que em 1978-79, como bolseiro da Fullbright, fez uma primeira avaliação dos cursos de formação de professores na Universidade do Minho, e ficara com óptima impressão do estilo de vida universitária dos Estados Unidos. Talvez tivesse havido uma outra razão, menos explícita, para preferir o continente americano a uma eventual estadia na Europa (por exemplo, Inglaterra). É que eu precisava de um corte absoluto com o que estava fazendo. Durante cinco anos, dedicara-me à ESE de Faro. Como costumo dizer, quando cheguei a Faro e me levaram à Quinta da Penha (onde se ia construir o Instituto Politécnico) vi um largo campo onde se abriam valas. Quando saí, em finais de 1988, deixei um edifício que era a “minha” escola, no qual vivia das 8 da manhã até às 8 da noite, com dedicação total. E era esse “minha” que tinha de acabar: estava a confundir a gestão com a posse.
E, surpreendentemente, aconteceu o que eu próprio julgara difícil: meia dúzia de dias depois de chegar a Iowa, deixei de pensar em Faro, na ESE, deixei de me preocupar com o que estaria a acontecer do outro lado do Atlântico. E mergulhei na nova realidade, trabalhando com gosto, aproveitando ao máximo as excelentes condições que existiam. Fui assim, pouco a pouco, criando laços afectivos com o meio em que vivia, e por isso leio o The Daily Iowan acompanhando as notícias como se lá estivesse. Sei, por exemplo, que hoje há possibilidades de queda de neve e a temperatura mínima será de 15º C negativos; que os grandes armazéns Younkers, no Old Capitol (centro comercial que fica a cem metros do College of Education e da Biblioteca onde passava a maior parte do meu tempo) vão fechar; que este ano a equipa de futebol da Universidade se classificou em primeiro lugar no campeonato das Big Ten, ex-aequo com a Universidade de Michigan, e que em basquetebol quer os homens quer as mulheres estão a fazer bons campeonatos… Bravos Hawkeyes!
Ao percorrer hoje as notícias do jornal, achei que devia deixar registado no meu blog as primeiras memórias de Iowa. Porque outras se seguirão, estou certo.
Por outro lado, a Universidade de Iowa, com os seus mais de cento e cinquenta anos de existência, uma das reputadas universidades norte-americanas, é excelente. Não me arrependi por tê-la escolhido. Fiz um doutoramento tardio – o que tem inconvenientes e vantagens. Inconvenientes para a carreira académica, vantagens porque a maturidade entretanto adquirida facilita muito o percurso escolar. Durante alguns anos, andara enredado com a hipótese de me doutorar em Portugal, mas descobri que era incompatível gerir o meu tempo profissional (ao tempo, membro da Comissão Instaladora da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Faro) e o de investigador, que procurava estudar o rendimento escolar dos alunos do Ciclo Preparatório TV comparando-os com colegas que seguiam o ensino directo. Por isso, a dada altura tentei, e consegui, obter condições que me proporcionassem (e à minha Mulher) o doutoramento nos Estados Unidos da América. Em 1984 havia estado na Universidade do Colorado, em Boulder, onde trabalhava Richard Kraft (hoje reformado), um professor que em 1978-79, como bolseiro da Fullbright, fez uma primeira avaliação dos cursos de formação de professores na Universidade do Minho, e ficara com óptima impressão do estilo de vida universitária dos Estados Unidos. Talvez tivesse havido uma outra razão, menos explícita, para preferir o continente americano a uma eventual estadia na Europa (por exemplo, Inglaterra). É que eu precisava de um corte absoluto com o que estava fazendo. Durante cinco anos, dedicara-me à ESE de Faro. Como costumo dizer, quando cheguei a Faro e me levaram à Quinta da Penha (onde se ia construir o Instituto Politécnico) vi um largo campo onde se abriam valas. Quando saí, em finais de 1988, deixei um edifício que era a “minha” escola, no qual vivia das 8 da manhã até às 8 da noite, com dedicação total. E era esse “minha” que tinha de acabar: estava a confundir a gestão com a posse.
E, surpreendentemente, aconteceu o que eu próprio julgara difícil: meia dúzia de dias depois de chegar a Iowa, deixei de pensar em Faro, na ESE, deixei de me preocupar com o que estaria a acontecer do outro lado do Atlântico. E mergulhei na nova realidade, trabalhando com gosto, aproveitando ao máximo as excelentes condições que existiam. Fui assim, pouco a pouco, criando laços afectivos com o meio em que vivia, e por isso leio o The Daily Iowan acompanhando as notícias como se lá estivesse. Sei, por exemplo, que hoje há possibilidades de queda de neve e a temperatura mínima será de 15º C negativos; que os grandes armazéns Younkers, no Old Capitol (centro comercial que fica a cem metros do College of Education e da Biblioteca onde passava a maior parte do meu tempo) vão fechar; que este ano a equipa de futebol da Universidade se classificou em primeiro lugar no campeonato das Big Ten, ex-aequo com a Universidade de Michigan, e que em basquetebol quer os homens quer as mulheres estão a fazer bons campeonatos… Bravos Hawkeyes!
Ao percorrer hoje as notícias do jornal, achei que devia deixar registado no meu blog as primeiras memórias de Iowa. Porque outras se seguirão, estou certo.
2005/01/16
A Pastelaria Cister
Na quinta-feira passada tive uma reunião de um júri de concurso académico na Universidade Aberta. Na viagem de Braga para Lisboa, agora tão confortável e relativamente rápida com o Alfa pendular, revisitei as memórias da minha juventude, muito ligadas à zona lisboeta onde hoje é a Aberta. E decidi, porque tinha algum tempo, deambular por ruas e praças que conhecia como as minhas mãos quando fui aluno do Liceu de Passos Manuel e depois da Faculdade de Letras, que nessa data funcionava nos pisos inferiores do Convento de Jesus, na agora denominada Rua da Academia das Ciências (até se dizia, por graça, que a Faculdade de Letras de Lisboa era a única escola na qual, para se subir na vida, se começava a descer…).
Desci em Santa Apolónia, almocei na Baixa – o que outrora fazia com alguma frequência – e fui depois aos Restauradores para tomar o elevador da Glória. No alto, olhei a cidade de S. Pedro de Alcântara, subi a D. Pedro V e passeei quase comovidamente no Príncipe Real, onde tantas e tantas vezes desci do eléctrico que, rumo ao Carmo, tomara em S. Sebastião da Pedreira (onde morava). Já não há eléctricos – há muitos automóveis, autocarros… Permanecem as árvores centenárias, e descubro diferenças – para que se implantasse um pavilhão envidraçado alteraram o jardim, lembro-me que ali havia dois bancos que já não existem… Entro na Rua da Escola Politécnica e o meu olhar procura a Casa das Cortiças, uma loja curiosa que vendia apenas objectos de cortiça… Claro que já não existe. Mas, quase a chegar ao Palácio Ceia, deparo à minha esquerda com a Pastelaria Cister. A Cister! O refúgio de tantos de nós, mais de alunos da Faculdade de Ciências do que das Letras, é verdade, o lugar onde tantas e tantas vezes bebia a bica e, se com fome, acompanhada de um folhado de carne… Entrei. Claro que está diferente, mais ampla. Há ainda quem esteja a acabar de almoçar. Creio que não serviam almoços, há cinquenta anos. Peço a bica (cheia) e recuo a 1955. Há cinquenta anos. Era aluno do 1º ano do curso de Ciências Históricas e Filosóficas. Recordo colegas, por boas e más razões. Recordo professores desse 1º ano: quem, das novas gerações, se recordará deles? Luís Schwalbach, Luís Ribeiro Soares, Irisalva Moita, Mário de Albuquerque, Scarlat Lambrino, Artur Moreira de Sá… Quase todos já falecidos. Pergunto-me: influenciaram-me? Estes, provavelmente, não: mas mais tarde fui aluno de Vieira de Almeida, Virgínia Rau, Ferreira de Almeida, esses, de algum modo, deram-me algumas pistas para o futuro. Schwalbach, professor de Geografia Humana, era um velhote simpático que ditava (!) as suas aulas, que tinha memorizadas a ponto de quase poder dizer quando devia ser parágrafo… Tivemos, como trabalho extra, de elaborar uma monografia de uma localidade e eu decidi-me por Canas de Senhorim, porque tinha uma familiar que tinha nascido lá; e não é que pus, na altura, a hipótese da restauração do concelho? Talvez um dia volte a falar desse meu primeiro trabalho na Universidade… Lambrino, que era um excelente epigrafista, um romeno emigrado em Portugal, dava as aulas em francês, e começava invariavelmente a prelecção dizendo “Comme nous avons eu l’occasion de voir dans la notre leçon précédente…” Gostei da disciplina e do professor, apesar de ser também apenas um falante. Mas essa era a norma. Era? Ou, em larga medida, ainda é? E a reflectir sobre o passado que revivi e comparando com o presente, vi que era tempo de me dirigir à Universidade Aberta. Cá está, onde há cinquenta anos se falaria de Universidade Aberta? A primeira (a Open University) data de 1960...
Saí da Pastelaria Cister provavelmente com um vago sorriso de quem recuara cinquenta anos e se vira com a farta cabeleira que hoje não tem, procurando enxergar se o eléctrico 24 já se divisava dos lados do Príncipe Real. Já não há eléctricos, o meu cabelo foi-se, mas a Cister, essa, centenária, lá está. A ligar as memórias de gerações.
Declaração de intenções
Há cerca de ano e meio, criei numa disciplina que leccionava no mestrado em Estudos da Criança (especialização em Educação Musical) da Universidade do Minho, Currículo e Cultura, um blog no qual apreendi as potencialidades pedagógicas daquela (desta) ferramenta. Esse blog foi desactivado, mas neste ano, tendo leccionado nova turma da mesma disciplina, reincidi e o blog Currículo & Cultura está activo; concluída a disciplina, que era do 1º semestre, os estudantes e eu decidimos a sua continuidade, dado o interesse que despertou entre nós. Entretanto, fui-me familiarizando com alguns dos blogs que mais me interessaram, e de vez em vez comentei uma ou outra entrada, usando um pseudónimo (fraqueza minha...). «Conheci» gente interessante e comecei a ficar fascinado com o mundo dos blogs. Tanto, que decidi criar mais um: este, A MEMÓRIA FLUTUANTE.
Porquê, este título? Um dia, um colega disse-me que nas intervenções que eu fazia tinha por hábito enquadrar sempre o tema historicamente. Reconheço que é verdade e que essa faceta se tem acentuado (talvez por causa da idade...). Há quase cinquenta anos que tenho estado envolvido no mundo da educação: como professor do ensino secundário e superior e como quadro do Ministério da Educação, participei em muitos eventos e por vezes intervim activamente no que estava a acontecer. Guardo pois uma memória destes últimos anos (por vezes apoiada em documentos que conservo). Não me parece que escrever um livro de memórias tivesse qualquer interesse. Pelo contrário, penso que alimentar um blog com algumas dessas memórias pode ser interessante para alguns e provocar (por que não?) um diálogo esclarecedor em relação ao passado. Porquê, memória flutuante? Por duas razões. Em primeiro lugar, porque a minha disposição não é fazer um relato cronológico, mas escrever ao sabor de dois ou três vectores: factos presentes que sugiram uma ligação ao passado, efemérides, e uma vez por outra apenas a necessidade de revisitar esse passado. Em segundo lugar, porque embora os problemas da educação devam ser dominantes, nem sempre assim será. Este blog é individual, procurando evitar que seja (ou pareça ser) demasiadamente intimista. Aceitarei de boamente comentários, na expectativa de que serão sérios, ainda que eventualmente discordantes. Será muito gratificante poder dialogar.
Uma última declaração de intenções: embora tenha em grande apreço a língua portuguesa, nunca gostei muito de “aportuguesar” termos estrangeiros que não sejam traduzíveis. Por isso, escreverei blog e não blogue, post e não posta (um termo que considero, mesmo, pouco apropriado). Tal como nunca evito o termo skill e nunca usei “retro-alimentação” por feedback…
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