Desde o meu último post (Novidades
na educação?) tenho acompanhado discretamente a evolução das decisões do
Ministério sobre as alterações propostas, sem qualquer informação que não seja
a que tem saído na comunicação social, a qual nem sempre prima quer pela
objectividade quer pelo conhecimento fundamentado sobre o que analisa.
Ao aproximarmo-nos do inicio do ano escolar de 2017-2018 as
notícias tornam-se mais explícitas. No Diário
de Notícias de ontem um artigo de página inteira da autoria de Pedro Sousa
Tavares tem como título “O ano em que um quinto das escolas reaprendem a
ensinar”. No Expresso, também de
hoje, Isabel Leiria intitula a sua prosa: “Sumário: Este ano vamos ensinar de
forma diferente”.
Curiosamente, verifiquei que ambos os artigos, factual e
interpretativamente, são mais escorreitos do que muitos outros. Eu preferiria que
os títulos enfatizassem mais o aprender do que o ensinar, porque na verdade o
que está em causa é a aprendizagem dos alunos; claro que a vertente ensino
existe, mas diferentemente do que é normalmente entendido.
De qualquer modo, os
jornalistas não esqueceram dizer que a “novidade” que se vai tentar introduzir
nas escolas portuguesas não é novidade alguma, porque nos anos finais do século
passado muitas escolas experimentaram a flexibilidade curricular e o processo
só não teve sequência porque o apoio que o Ministério deveria ter proporcionado
foi descontinuado com a chegada de um novo ministro. Não deixam também de
apontar o que podem ser os aspectos positivos da flexibilização e de referir as
dúvidas e apreensões que podem existir face ao modo como se vai desenvolver
esta situação, que podemos caracterizar como experimental.
Não tenho dúvidas de que, se bem conduzido, o processo de
flexibilização tem condições de êxito, como se pode deduzir do que se passou
entre 1997 e 2001 em muitas escolas, e está documentado em várias publicações.
Que entendo por processo bem conduzido?
Em primeiro lugar, que o Ministério da Educação
disponibilize um apoio claro e eficiente às escolas participantes, quer pelas
suas estruturas, quer contratualizando esse apoio com as instituições de ensino
superior que tenham departamentos de educação (existem em todos os distritos).
Que seja claro na definição do que se pretende e, como um dia disse perante uma
situação de desconchavo, que não seja inflexível num projecto que se pretende
flexível…
Em segundo lugar, nas escolas onde se desenvolve a
flexibilização curricular é necessário que existam lideranças fortes.
Lideranças, não liderança; fortes, mas não autoritárias. O director da escola é
por natureza líder, mas para as diversas áreas outros líderes terão de emergir,
que privilegiem o diálogo mas tenham capacidade para gerar acordos e
garanti-los. A nova estrutura que se pretende nas escolas é aliciante, mas
exige muito dos professores. Eu não tenho ilusões: nem todos os professores
estão preparados para o desafio que lhes é proposto. Um professor que não se
sinta capaz de participar não deve ser obrigado; tem de se lhe dar tempo para
interiorizar as novas competências que lhe são pedidas.
Um dos comentários de alguns professores que têm aparecido
realça que no fundo a “novidade” nem é novidade, porque muitos docentes já
praticam o trabalho de projecto, a aprendizagem cooperativa, já têm fugido ao
programa… É certo, e tenho conhecimento pessoal de quem, desde há muito tempo, tenha
integrado no processo de ensino-aprendizagem nas suas classes elementos que se
aproximam do que é proposto na flexibilização curricular. Contudo, o que se
espera agora das escolas é diferente, porque implica um trabalho muito mais
colectivo, uma programação cuidada e uma atenção constante aos pormenores.
Para quem, como eu, defende este tipo de abordagem à
organização do trabalho nas escolas, haverá lugar a qualquer apreensão?
Certamente que sim. Ao contrário do que aconteceu há cerca de vinte anos, as
escolas (os professores) tiveram pouco tempo de preparação. Enquanto na altura
decorreram quatro anos de preparação, agora podemos dizer que tudo se decidiu
num ano. Esta circunstância reforça o que apontei acima – o Ministério tem de
ter um apoio constante e eficiente.
Por outro lado, o que vai mudar é importante demais para se
correr de novo o risco de dentro de algum tempo alguém com poder de decisão
entender desfazer o que se vai construir. E não estou certo que isso não possa
acontecer. De facto, durante muito tempo assumi que havia entre as forças
políticas no país um relativo consenso quanto ao essencial na educação – ainda o
acreditava na viragem do século. A evolução posterior mostrou que esse relativo
consenso se esfumou, atingindo a rotura quando Nuno Crato teve a
responsabilidade do Ministério da Educação.
Seria bom que num futuro muito próximo fosse possível, em
relação à educação, encontrar linhas programáticas que fossem aceites e assumissem
carácter vinculativo. O que está a ser feito, neste momento, parece ser um bom
princípio.