2016/01/22

Depois de pousar a poeira...

Calculei, e bem, que na sequência das decisões do Ministério da Educação sobre a avaliação dos alunos do ensino básico se iriam seguir numerosas críticas nos diferentes meios de comunicação, e algumas (poucas) dando-lhes apoio. Decidi, por isso, não elaborar o meu próprio comentário enquanto não esfriasse o ímpeto contestatário, ou seja, enquanto a poeira não pousasse e o ambiente ficasse mais sadio.

Das muitas coisas que se disseram retive particularmente uma, de Manuela Ferreira Leite, que até foi Ministra da Educação em tempos conturbados. A curta frase de Manuela Ferreira Leite foi esta, depois de verberar as alterações feitas e como resposta a uma questão do entrevistador sobre a hipótese de tais alterações até serem correctas: “Há opiniões para todos os gostos”.

Inicialmente fiquei irritado, mas rapidamente acalmei: ela até tem, parcialmente, razão. Se quisermos simplificar, na raiz dos problemas que giram em torno da educação há uma questão central que se resolve com uma opinião. A questão é: “Deve o sistema de educação de um país ser selectivo e essencialmente meritocrático ou ser inclusivo e abrangente?” Seria redutor dizer que quem pensa “à esquerda” tem uma opinião e quem pensa “à direita” tem outra, porque isso não é verdade; mas reconhecer-se-á que o pensamento conservador tende para a opinião de a escola dever ser selectiva e que um pensamento mais progressista tende para a opinião de a escola dever ser inclusiva.

Eu diria que até há relativamente pouco tempo os responsáveis pela política educativa, fossem de que partido fossem, aceitavam a escola abrangente, que, aliás, está implícita na Constituição e na Lei de Bases do Sistema Educativo. A grande clivagem começou nos tempos do governo de Durão Barroso e acentuou-se com Nuno Crato, que quebrou essa relativa harmonia de princípios. As medidas tomadas, e a questão dos exames do 4º ano até não terá sido a mais gravosa, não podiam ser toleradas não só porque iam contra uma “opinião”, mas porque objectivamente punham em causa valores que um regime democrático não pode alienar.

Por que disse acima que inicialmente fiquei irritado com a frase da Drª Manuela Ferreira Leite? É há que dizer que a educação não pode ser deixada às “opiniões” que se tenham sobre ela. Desde há muito tempo que a educação, nas suas várias dimensões, é objecto de investigação, reclamando-se ser uma ciência – ou um conjunto de ciências. São ciências humanas – e como tal, não são ciências exactas, mas podem ser ciências rigorosas. Acredito que os colegas economistas estejam de acordo com este princípio que informa as ciências humanas. É evidente que a investigação em educação tem e terá sempre imensa dificuldade em generalizar, mas o mesmo e passa com a psicologia, com a sociologia, com a história. Por isso, investigações sobre o mesmo tópico podem conduzir a resultados diferentes, dependendo das variáveis que puderam ser ou não controladas (se se tratar de uma investigação experimental, ou quase-experimental) ou dos casos estudados, nos quais o aleatório pode complicar (se se tratar de investigações de índole qualitativa).

Aceitando o que expus, há argumentos sólidos baseados em investigações credíveis que justificam as medidas tomadas agora pelo ministro Tiago Brandão Rodrigues. O facto de outras investigações terem chegado a resultados diferentes não colhe; não se passa o mesmo noutras áreas do saber? Reitero que teria preferido menos pressa na decisão, mas compreendo-a tendo em conta a conjuntura. Por ouro lado, de um modo geral não houve grande contestação às medidas tomadas por parte de professores, escolas, alunos, pais. O facto de os alunos e professores que esperavam exame o verem anulado não constitui, em si, um grande problema. Já o mesmo pode não acontecer se os professores do 2º e 8º anos não quiserem entender o que a prova de aferição é – e continuarem a querer treinar para ela como se de um exame se tratasse. Não sei que tipo de apoio o Ministério vai prestar às escolas, mas ele é vital. Infelizmente no passado esse apoio tem sido escasso e a minha dúvida é se vai ser possível inverter essa tendência.