2005/02/12

Ministério da Educação e…?


Ao aproximar-se a constituição de um novo governo, é natural que surjam posts sobre ministérios e ministeriáveis… Dois posts de ontem, que pode ler aqui e aqui antecipavam com naturalidade mais dúvidas do que certezas sobre o futuro que espera a educação por parte de um novo governo.
Em relação ao primeiro tive ocasião de comentar e de defender o regresso do ensino superior à educação – que não é uma tese pacífica, como ficou claro em comentário sequente.
Recordei, então, as diferentes designações que têm sido dadas ao Ministério da Educação, ligando-o à Cultura, à Investigação Científica, Ciência… e achei interessante deixar aqui todas as que teve desde que a educação teve honra de Ministério….

Ministério dos Negócios da Instrução Pública (1870)
Ministério da Instrução Pública e Belas Artes (1890-1892)
Ministério da Instrução Pública (1913-1936)
Ministério da Educação Nacional (1936-1974)
Ministério da Educação e Cultura (1974-1975)
Ministério da Educação e Investigação Científica (1975-1978)
Ministério da Educação e Cultura (1978)
Ministério da Educação e Investigação Científica (1978-1979)
Ministério da Educação (1979-1980)
Ministério da Educação e Ciência (1981)
Ministério da Educação e das Universidades (1981-1982)
Ministério da Educação (1982-1985)
Ministério da Educação e Cultura (1985-1987)
Ministério da Educação (1987 – presente)

Interessante, não é?

2005/02/10

A indisciplina na escola (2)


Depois da introdução de ontem, vou hoje expor as minhas ideias acerca da indisciplina na escola. Disse que a indisciplina na escola é um facto preocupante e merece ser analisado. Na verdade não pode dizer-se que é: tem sido sempre. Enquanto fui professor no ensino secundário tive de lidar com situações de indisciplina, uma das quais complicada (um dia contá-la-ei…). Mas eram outros tempos; a violência era então rara.
Propositadamente, não vou invocar muitas teorias e vou usar uma linguagem do dia a dia. Vou apenas lembrar Dewey, que no seu livro Democracy and Education, (que pode aqui ser obtido na íntegra) explica que a razão de a disciplina ser problemática reside na sua própria definição: a disciplina requer quietude, silêncio, uniformidade, conformismo. Penso que estamos todos de acordo que ter uma escola mais silenciosa do que barulhenta é desejável, mas poucos a quererão como o meio de educar para o conformismo e uniformidade. Será preciso assim que exista um equilíbrio entre a necessidade de um ambiente de aprendizagem saudável e um ambiente que permita liberdade de acção.
Talvez seja bom dizer desde já que não defendo nenhum ambiente libertário, isto é, a escola deve ter regras de disciplina interna desde que aceites democraticamente. Quando ontem referia a escola da Ponte, vale a pena considerá-la como exemplo de um ambiente relativamente silencioso com regras que os próprios alunos aprovaram (o Abnóxio pode elaborar sobre isso com bom conhecimento de causa).
Claro que os problemas de indisciplina não se resumem aos alunos barulhentos, hiperactivos: apesar de tudo, são situações que cansam, aborrecem, mas não são graves. Infelizmente, muitas escolas são confrontadas hoje com um tipo de indisciplina que se transforma em violência – violência verbal e física que tem sempre repercussões graves. É para mim evidente que a escola não pode aceitar esse tipo de indisciplina. Mas deve, antes de mais, procurar determinar as suas razões. E deve sobretudo aceitar que os tempos mudaram. A escola de hoje não pode ser assimilada à escola de ontem, mesmo que pareça igual (e de facto parece). Por muito que custe a alguns, a escola já não é primordialmente o lugar onde se vão adquirir conhecimentos impostos, é (deve ser) o lugar onde se desenvolvem contextos de aprendizagem onde cada criança, adolescente ou adulto sente que se transforma por si – e não porque é obrigado a tal.
Então – se se conseguir o milagre de transformar a escola, acabará a indisciplina? Com certeza – não. Porque no mundo dos nossos dias é preciso contar com factores a que a escola é razoavelmente alheia. Tem-se verificado uma certa demissão das estruturas familiares na (boa) educação dos filhos, remetendo para as escolas um papel que devia ser o seu. Quantos alunos não expõem na escola as duas frustrações e agressividade devido aos meios familiares (ou não familiares, em alguns casos) de onde provêm?
O que pode a escola fazer nestes casos? Alguma coisa – se tiver meios: apoio psicológico, claro, e professores que tenham qualidades como tutores. Mas pode não bastar. E nesse caso, se falharem todas as tentativas de resolução de um problema de indisciplina grave e se esse problema estiver a inquinar a vida da escola, a sociedade exige que se tomem medidas de excepção, mas sempre devidamente avalizadas por critérios claros. A expulsão – grau último dos castigos previstos – é uma decisão séria e por isso deve ser caucionada por pareceres de especialistas.
Dito isto, regresso ao desafio do Ser Benfiquista, que aliás, publica um segundo post sobre o mesmo tema. No fundo, ressalvada aquela diferença magna de que me ocupei ontem, concordo (como se vê) com a generalidade dos seus comentários, alguns dos quais sugerem aspectos a que não aludi mas que são reais (alguma falta de formação dos professores, alguma passividade de conselhos directivos). Digo, como ele, que é intolerável que a escola aceite sem reagir actos como agressões a alunos e professores, verbais ou físicas, vandalismos. O que não me parece ser suficiente é exigir do Ministério da Educação medidas vigorosas e consequentes… Todos nós, professores, “somos” do Ministério da Educação (embora eu, espero que transitoriamente, esteja afecto a outro Ministério…). Cada escola deve procurar resolver os seus problemas. Penso – tenho a certeza! – que no dia em que a escola for considerada, no meio onde se localiza, como uma instituição da comunidade, podem ser encontradas mais facilmente soluções para os problemas da indisciplina. As medidas vigorosas e consequentes, tem de ser a escola a tomá-las. E se me disserem que é impossível, porque há circulares e decretos-lei e portarias, só posso responder que por isso mesmo eu escrevia ontem que era preciso coragem para desfazer mitos – e que um deles era o Ministério da Educação. Que medida? Não sei. Cada situação tem de ser avaliada e decidida em conformidade.
Certamente que deixei muitos pontos em branco; poderemos, pelo diálogo, tentar preenchê-los. Para já, ficarei por aqui.

2005/02/09

A indisciplina na escola (1)


Numa visita a um blog que à partida não supunha ter matéria de educação (apenas despertara, desportivamente, o meu interesse), encontrei um post com o título que encima este que desafiava alguns bloguistas a abordarem este mesmo tema. Não me encontrava entre os desafiados mas logo ali me declarei interessado em responder ao desafio. Por duas ordens de razões, que passo a expor.
A primeira, porque a indisciplina na escola é na verdade um facto preocupante e merece ser analisada.
A segunda, porque o Autor do post, ao terminar a sua mensagem com o texto seguinte, emulou os meus sentimentos de guerreiro…
“Desde que as Ciências da Educação tomaram de assalto o nosso sistema de ensino e a "pedagogice" assentou arraiais, a educação caiu em total descrédito com os resultados que todos nós conhecemos”.
Devo desde já dizer que vou primeiro abordar o tema da minha segunda ordem de razões, deixando para um segundo post a primeira. Perceber-se-á porquê.
Acusações como as que foram feitas no blog amigo têm sido desde há uns tempos recorrentes em alguns comentadores aos quais se costuma dar crédito – Carlos Fiolhais, António Barreto, Maria Filomena Mónica, e mais recentemente Maria de Fátima Bonifácio – e não ignoro que delas partilham outras pessoas (e o nosso confrade prova-o).
Considero serem muito injustas estas alegações. Em primeiro lugar, as ciências da educação não tomaram de assalto coisa nenhuma: limitaram-se a exercer o seu direito de definir princípios científicos, o que era completamente impossível nos tempos da ditadura. Até aos anos 70 do século passado existiram em Portugal excelentes pedagogos que nunca foram aceites devido ao sistema político vigente. Conheci-o bem: tornei-me adulto no “antigamente”, comecei a minha carreira no enquadramento de um regime que me pedia para declarar que estava integrado na ordem social estabelecida pela Constituição de 1933 (o que fiz sem problemas porque de facto não planeava ser desordeiro…) e depois enveredei por ser activo na tentativa de contribuir para modificar o estado de um sistema educativo elitista e injusto. Para quem duvide, atente nestas palavras de Salazar numa entrevista a António Ferro: “Considero … mais urgente a constituição de vastas elites do que ensinar o povo a ler. É que os grandes problemas nacionais têm de ser resolvidos não pelo povo, mas pelas elites enquadrando as massas”.
Não nos podemos esquecer que falar em ciências sociais era, nessa altura, quase uma proibição: em 1970 ainda não tínhamos cursos de psicologia, sociologia ou educação! Tínhamos, por outro lado, uma vergonhosa taxa de analfabetos e pseudo-alfabetizados, taxas de escolaridade baixíssimas, e sobretudo tínhamos uma escola toda ela pensada para eliminar os menos capazes, à procura dos escóis.
Esta situação começou a mudar com Veiga Simão – que teve a coragem de falar em democratizar a educação. E teve a coragem de confiar em quem, de educação, não lia a cartilha de Salazar (Marcelo Caetano era mais aberto, mas sabe-se como foi travado pelos “ultras”). Em 1974 o estado da educação em Portugal já era diferente. É que as pessoas da educação já tinham começado a assaltar o sistema educativo… Insidiosamente, tinham conseguido influenciar uma lei de bases que esteve por um fio; tinham conseguido que as ciências sociais passassem a figurar no currículo dos chamados 3º e 4º anos experimentais (um dia lembrarei esse episódio); tinham passado a ir a grandes encontros internacionais onde a educação era considerada cientificamente.
Depois de 74, então, foi o fim… Escrevi, num dos primeiros posts deste blog (A educação e o novo governo) que desde então até ao Ministro David Justino houve um certo consenso em relação à educação, o que, de acordo com as opiniões referidas há pouco, teria ocasionado o descalabro, o descrédito – e tudo por causa das “pedagogices”…
É tempo de reflectir e fazer uma análise cuidadosa. Consideremos os aspectos quantitativos. Neste últimos trinta anos, o parque escolar aumentou e melhorou exponencialmente. Há ainda excepções de instalações pouco próprias, mas são excepções. Aumentou também o número de alunos. A escolaridade obrigatória está em 9 anos – diga-se o mínimo dos mínimos – e o pré-escolar tem tido um apoio que o terá de levar à quase universalização. O número de professores aumentou igualmente – mais do que o necessário, sabe-se: há desemprego entre diplomados para ensinar. Os orçamentos para a educação são reconhecidamente dos mais generosos da Europa. E deve dizer-se, os nossos professores não se podem considerar mal pagos.
Consideremos agora os aspectos qualitativos. Há um princípio que diz: “A quantidade mata a qualidade”. É verdade. E a meus olhos reside aí um dos grandes problemas do nosso ensino. O crescimento não foi gradual, foi abrupto: o afluxo às escolas determinou que entre 1974 e 1979 (cinco anos) o número de professores aumentasse em mais de 60%, e mesmo assim foi necessário intensificar a formação de docentes. Ao mesmo tempo, procurava-se introduzir no nosso sistema normas pedagógicas (não pedagogices) compatíveis com a democracia: assim o ensino secundário unificado, a nova avaliação dos alunos, novas normas de gestão das escolas, e, necessariamente, a aproximação a correntes pedagógicas que existiam em países onde as ciências da educação existiam há anos e tinham sido acolhidas pelas maiores universidades – quer na Europa, quer nos Estados Unidos da América.
Foram boas, todas as medidas tomadas? Não foram. Em primeiro lugar, porque apesar de tudo as políticas educativas passam sempre o crivo da política em geral, e apesar dos consensos, houve sempre diferenças. Em segundo lugar, aplicou-se muitas vezes a parábola do vinho novo em odres velhos. Em terceiro lugar porque como em todas as outras matérias, mesmo as que se reclamam da maior centificidade, o êxito nem sempre é automático.
Não era possível continuar a ter elites porque o objectivo da educação passou a ser outro e não o que Salazar defendia. Educação para todos significa exactamente educação para todos e não apenas para os melhores. Alguns conseguirão a excelência (esses nem precisam de ter bons professores). Uma maioria ficar-se-á pela mediania.
Sei, por experiência, a diferença que há entre o que se legisla e o que se pratica: quase sempre o legislador é demasiadamente optimista, e o professor, em contrapartida, é quase sempre pessimista. Há, depois, o desfasamento entre a lógica de um poder que se quer manter centralizado mas utiliza uma linguagem a sugerir descentralização. Há as escolas muito grandes para garantirem uma acção unitária. E há, perdoe-me quem pensa que não é assim, a influência enorme que o ambiente sócio-económico-familiar tem no êxito escolar dos alunos. A acção do professor não pode ser a mesma numa escola de uma grande cidade ou numa vila do interior. Tudo aponta para que os currículos sejam diversificados, mas ao mesmo tempo pretende-se um controlo estatal…
As pessoas das ciências da educação sabem de tudo isto – e por isso não se alarmam com as acusações que lhes são feitas; elas sabem que se se aceitasse regressar ao passado não diminuiria o número de insucessos na escola, pelo contrário, aumentaria; sabem que medidas que são aplaudidas, como as da publicitação dos chamados “rankings” (tal como foram calculados) é mais nociva que benéfica; sabem que os exames nacionais contrariam a lógica do ensinar e aprender que promove o crescimento pessoal do jovem. Pelo contrário, as pessoas das ciências da educação têm consciência que os alunos nos nossos dias estão mais bem preparados do que os do passado, porque para elas não é o saber mais que conta, mas o saber melhor, o saber de algum modo útil.
Mas as pessoas das ciências da educação não estão contentes, claro. Sabem que muitas vezes são mal compreendidas nas suas posições. Por exemplo, é falso que defendam uma escola de facilidade: o que defendem é uma escola que não crie dificuldades desnecessárias. Fazer da escola um sítio agradável não é crime. Se se conseguir ensinar com alegria, para quê criar ambientes de prisão?
As pessoas das ciências da educação pensam que era possível fazer muito melhor se houvesse coragem de desfazer mitos – e um deles é o mito de um Ministério da Educação – e criar estruturas regionais e locais muito operacionais, capazes de ajuda efectiva às escolas e aos professores, assessoradas pelas escolas de formação da área (universitárias e politécnicas). Porque a pergunta que se tem de fazer é: “Por que é que existem, a par das coisas terríveis que o sistema educativo português tem, escolas como a da Ponte? ou colégios como o colégio Vizela?” E a resposta, dou-a a concluir: porque ambos gerem com muita independência e observando princípios de sã pedagogia, que implicam um corpo docente escolhido e motivado, profissional, em ambientes estimulantes porque não muito pesados e nos quais cada aluno é considerado como uma pessoa, com deveres mas também com direitos.
Tenho consciência que este texto é muito longo e que ficou muito por dizer. Mas o essencial ficou dito. Na segunda parte, irei então ao problema da indisciplina.

2005/02/08

Devagar, devagarinho…



Ao decidir ultrapassar os limites de um blog praticamente fechado (por de algum modo só fazer sentido para mim e para os meus alunos de uma disciplina de mestrado) para um blog aberto, não imaginava o que ia acontecer. E o que tem acontecido é estimulante, por ver que há quem me visite, como eu passei a visitar muitos pontos cheios de interesse, e que até há quem queira estabelecer comigo links – como aliás fiz para os que vou conhecendo e admirando. O que não é tarefa fácil, porque são muitos e o meu tempo nem sempre me permite escrever, ler e comentar o que me apeteceria. Irei devagar, devagarinho, aumentando a minha lista de blogs com os que se tornem indispensáveis, vagueando ao sabor da minha memória, dialogando com amigos que (na maior parte dos casos) não conheço mas vou identificando pelas suas ideias. Para já, uma certeza: estou completamente rendido a esta forma de comunicar.

2005/02/07

Carnaval…



Enquanto recupero uns papéis que vão escorar as minhas memórias dos anos 80 sobre os politécnicos, um post muito curto para me lembrar do Carnaval de quando era menino e moço. Era bem mais visível nas ruas das localidades pacatas do que é hoje; penso que era bem menos espalhafatoso nos corsos que existiam (mas como não havia televisão, não posso ser muito afirmativo…). Nunca me mascarei (nem me mascararam). Mas em alguns anos da minha adolescência ia com o meu irmão e a minha irmã a um daqueles espectáculos que os cinemas proporcionavam e duravam a noite toda, entre filmes e baile, com muitas serpentinas, nuvens de papelinhos coloridos e saquinhos de arremesso cheios de areia ou farinha (e por vezes com materiais mais bélicos, como feijões ou pedrinhas…). O São Luís, em Lisboa, era o nosso cinema preferido. Depois, o Carnaval deixou positivamente de me interessar, e ficou apenas como referência para um feriado agradável, que um dia o primeiro-ministro Cavaco Silva quis suprimir e lhe custou enorme perda de popularidade… Lembram-se disso?