Poder saber o que pensa um Ministro da Economia através de um livro que ele publicou meses antes de iniciar funções e certamente sem sonhar, nessa altura, que o viria a ser, levou-me a comprar e a ler o livro do Álvaro Portugal na Hora da Verdade: Como Vencer a Crise Nacional. Leitura relativamente fácil. Lá se encontram opiniões sobre tudo e, claro, sobre educação. O Álvaro partilha as ideias dos anti-eduquês. Na página 381, li com sorrisos:
“É fundamental haver um maior grau de exigência nas nossas escolas… É exactamente o que nos dizem os vários especialistas da matéria, somo Nuno Crato, Paulo Guinote, Ramiro Marques, Santilhana (sic) Castilho ou até David Justino”.
Para além do sabor espanhol de um Santilhana por Santana e do relativo mau gosto do “até David Justino” (caramba, foi Ministro!) fiquei a pensar se o Álvaro teria contactado com a Faculdade de Educação da sua Universidade canadiana, que entre muitos especialistas conta, por exemplo, com Kieran Egan, por sinal conhecido entre nós até com razoáveis traduções.
The past is malleable and flexible, changing as our recollection interprets and re-explains what has happened.... Peter Berger
2011/07/06
2011/07/05
RECORDANDO…
A propósito do encerramento de escolas e do seu adiamento.
1947, Seixal (na “outra banda”). Tinha terminado a 4ªclasse, os meus pais queriam que seguisse o liceu, mas liceu só existia em Lisboa ou Setúbal (nem no Barreiro havia). Nada que não fosse possível ultrapassar. Fui matriculado no Liceu Passos Manuel, onde as aulas decorriam em dois turnos, terminando, à tarde, pelas 16 horas. Solução: levantava-me às 5 e 45 porque o barco que fazia a carreira Seixal-Lisboa saía às 6 e 20. Regressava a casa perto das 18, já não me lembro muito bem do horário, mas andaria por aí. Creio que devo a essa circunstância ter sido sempre pontual.
1958, Torres Vedras. Nas minhas pesquisas arqueológicas deparei um dia, perto do lugar do Barro, com uma cena que me impressionou: ao pé da paragem da camioneta da carreira, um bando de crianças (dez? doze?) esperava que chegasse a professora, que depois acompanhou, alegremente, mais de um quilómetro até chegarem à escola.
1963, Lamego. Vivia em Viseu e durante três meses fui colocado no Liceu de Lamego. Num dia em que me desloquei de autocarro, encontrei uma moça que fora minha aluna na Escola do Magistério. Tinha sido colocada num lugar que ficava entre Lamego e Viseu (não me recordo do nome da terra). Ia naquele transporte, que a deixava num cruzamento: teria depois de andar cerca de dois quilómetros a pé. Para quem não sabe, o inverno é, naquela região, muito, muito duro.
Ainda em Lamego e no mesmo ano: na minha turma do 3º ano (actual 7º) tinha alguns alunos que moravam em Cambres, uma localidade que ficava a uns quilómetros de Lamego. Vinham e iam a pé. Em Dezembro desse ano caiu um nevão como já não é muito usual ver-se hoje. Mesmo assim, não faltaram.
Nestes mais ou menos vinte anos, embora já se registasse o começo da desertificação do interior, ainda havia um número razoável de crianças que frequentavam as escolinhas que a política de Salazar tinha providenciado em todo o país. Depois, se quisessem estudar (e muitas vezes queriam, mas não podiam) tinham de se deslocar por vezes a distâncias enormes. Em meados dos anos 60 foi criada a Telescola, e dentro dela o CUT (curso unificado, mais tarde renomeado CPTV, Ciclo Preparatório). O que isso representou para muitas crianças! Ainda em 1982, visitei um posto de recepção no lugar de Pinheiro Novo, no concelho de Vinhais. Para lá chegar andei de automóvel quase duas horas, por caminhos quase de cabras, que ficavam intransitáveis no inverno.
Essa era a realidade nesse tempo. Os alunos que podiam estudar, tinham de fazer sacrifícios porque não havia alternativas. Vamos pensar no Portugal de hoje e colocar nos pratos da balança do desejável e do possível o que existe. Eu sei que há quem diga que “fechar uma escola é fechar uma aldeia”, mas pode perguntar-se se a aldeia não fechou antes: provavelmente foi assim.
Já nos anos 80 do século passado, quando estive no Algarve, o presidente da Câmara de Monchique tinha antecipado a concentração de crianças que estavam em pequenas escolas do concelho numa boa escola da sede, com o agrado da esmagadora maioria dos pais (tenho na ideia que apenas três tinham sido contra).
Haverá casos que têm de ser considerados por serem únicos. Muito bem, que sejam estudados. Mas por favor, deixem de lado o argumento de que as crianças sofrem porque andam meia hora de autocarro para chegar à escola ou se levantam uma hora mais cedo.
1947, Seixal (na “outra banda”). Tinha terminado a 4ªclasse, os meus pais queriam que seguisse o liceu, mas liceu só existia em Lisboa ou Setúbal (nem no Barreiro havia). Nada que não fosse possível ultrapassar. Fui matriculado no Liceu Passos Manuel, onde as aulas decorriam em dois turnos, terminando, à tarde, pelas 16 horas. Solução: levantava-me às 5 e 45 porque o barco que fazia a carreira Seixal-Lisboa saía às 6 e 20. Regressava a casa perto das 18, já não me lembro muito bem do horário, mas andaria por aí. Creio que devo a essa circunstância ter sido sempre pontual.
1958, Torres Vedras. Nas minhas pesquisas arqueológicas deparei um dia, perto do lugar do Barro, com uma cena que me impressionou: ao pé da paragem da camioneta da carreira, um bando de crianças (dez? doze?) esperava que chegasse a professora, que depois acompanhou, alegremente, mais de um quilómetro até chegarem à escola.
1963, Lamego. Vivia em Viseu e durante três meses fui colocado no Liceu de Lamego. Num dia em que me desloquei de autocarro, encontrei uma moça que fora minha aluna na Escola do Magistério. Tinha sido colocada num lugar que ficava entre Lamego e Viseu (não me recordo do nome da terra). Ia naquele transporte, que a deixava num cruzamento: teria depois de andar cerca de dois quilómetros a pé. Para quem não sabe, o inverno é, naquela região, muito, muito duro.
Ainda em Lamego e no mesmo ano: na minha turma do 3º ano (actual 7º) tinha alguns alunos que moravam em Cambres, uma localidade que ficava a uns quilómetros de Lamego. Vinham e iam a pé. Em Dezembro desse ano caiu um nevão como já não é muito usual ver-se hoje. Mesmo assim, não faltaram.
Nestes mais ou menos vinte anos, embora já se registasse o começo da desertificação do interior, ainda havia um número razoável de crianças que frequentavam as escolinhas que a política de Salazar tinha providenciado em todo o país. Depois, se quisessem estudar (e muitas vezes queriam, mas não podiam) tinham de se deslocar por vezes a distâncias enormes. Em meados dos anos 60 foi criada a Telescola, e dentro dela o CUT (curso unificado, mais tarde renomeado CPTV, Ciclo Preparatório). O que isso representou para muitas crianças! Ainda em 1982, visitei um posto de recepção no lugar de Pinheiro Novo, no concelho de Vinhais. Para lá chegar andei de automóvel quase duas horas, por caminhos quase de cabras, que ficavam intransitáveis no inverno.
Essa era a realidade nesse tempo. Os alunos que podiam estudar, tinham de fazer sacrifícios porque não havia alternativas. Vamos pensar no Portugal de hoje e colocar nos pratos da balança do desejável e do possível o que existe. Eu sei que há quem diga que “fechar uma escola é fechar uma aldeia”, mas pode perguntar-se se a aldeia não fechou antes: provavelmente foi assim.
Já nos anos 80 do século passado, quando estive no Algarve, o presidente da Câmara de Monchique tinha antecipado a concentração de crianças que estavam em pequenas escolas do concelho numa boa escola da sede, com o agrado da esmagadora maioria dos pais (tenho na ideia que apenas três tinham sido contra).
Haverá casos que têm de ser considerados por serem únicos. Muito bem, que sejam estudados. Mas por favor, deixem de lado o argumento de que as crianças sofrem porque andam meia hora de autocarro para chegar à escola ou se levantam uma hora mais cedo.
2011/07/04
PARA MEMÓRIA FUTURA
Para quem estranhe que, depois de um tão longo intervalo sem "postar" (neologismo consentido...), tenha regressado para escrever sobre temas do presente, eu direi que esta minha intervenção servirá como referência para memória futura...
INTERMEZZO NA ANÁLISE: DOMINGO À TARDE, NA SIC NOTÍCIAS
Num domingo de Julho com muitas nuvens, a SIC Notícias, ao fim da tarde, resolve dar tempo de antena à educação, entrevistando Maria do Carmo Vieira e Santana Castilho. Em análise, como ponto de partida, a suspensão do fecho das escolas com menos de 21 alunos prevista pelo Governo de Sócrates; mas o prato forte foi outro.
Maria do Carmo Vieira, ainda que não referindo a palavra “eduquês”, atirou-se à pedagogia “reinante” que envergonhava a verdadeira pedagogia (não sei se foi esta a palavra, mas a ideia era essa), aos professores que não sabem as matérias que devem ensinar, ao célebre facilitismo, sentindo-se aterrorizada com a situação e dizendo que não sabe como o Ministro, apesar das suas ideias, vai dar a volta ao texto.
Santana Castilho, por outro lado, foi contundente para o Primeiro-ministro (a quem acusou de desonesto) e de algum modo para o próprio Ministro, em especial por causa da não suspensão da avaliação do desempenho. Fiquei a saber que ele fora o autor da proposta de lei apresentada antes das eleições com esse fim, o que justifica muita coisa… Uma questão pessoal, claro (independentemente das razões objectivas invocadas).
Fico com a ideia de que há muita coisa que merece ser aclarada, de facto. Nada é só branco ou preto. Por exemplo, Maria do Carmo Vieira tem alguma razão quando diz que alguns professores não tiveram na sua formação o estudo suficiente das matérias que devem ser objecto do seu ensino. Há muito que penso que esse foi um dos erros da estrutura de formação de professores que começou a ser implementada nos anos 80: a redução das aprendizagens das matérias a ensinar. Mas Maria do Carmo Vieira não tem razão quando diz que ensinar é transmitir conhecimentos. É evidente que há conhecimentos que podem (e alguns devem) ser transmitidos; mas advogar pura e simplesmente a transmissão, como fez, é alguma coisa que julgava impossível que alguém na nossa profissão advogasse com aquela tranquilidade. Penso mesmo que é mais grave nela do que em Nuno Crato, que tem menos formação pedagógica (ele que me perdoe, mas é verdade).
Maria do Carmo Vieira, ainda que não referindo a palavra “eduquês”, atirou-se à pedagogia “reinante” que envergonhava a verdadeira pedagogia (não sei se foi esta a palavra, mas a ideia era essa), aos professores que não sabem as matérias que devem ensinar, ao célebre facilitismo, sentindo-se aterrorizada com a situação e dizendo que não sabe como o Ministro, apesar das suas ideias, vai dar a volta ao texto.
Santana Castilho, por outro lado, foi contundente para o Primeiro-ministro (a quem acusou de desonesto) e de algum modo para o próprio Ministro, em especial por causa da não suspensão da avaliação do desempenho. Fiquei a saber que ele fora o autor da proposta de lei apresentada antes das eleições com esse fim, o que justifica muita coisa… Uma questão pessoal, claro (independentemente das razões objectivas invocadas).
Fico com a ideia de que há muita coisa que merece ser aclarada, de facto. Nada é só branco ou preto. Por exemplo, Maria do Carmo Vieira tem alguma razão quando diz que alguns professores não tiveram na sua formação o estudo suficiente das matérias que devem ser objecto do seu ensino. Há muito que penso que esse foi um dos erros da estrutura de formação de professores que começou a ser implementada nos anos 80: a redução das aprendizagens das matérias a ensinar. Mas Maria do Carmo Vieira não tem razão quando diz que ensinar é transmitir conhecimentos. É evidente que há conhecimentos que podem (e alguns devem) ser transmitidos; mas advogar pura e simplesmente a transmissão, como fez, é alguma coisa que julgava impossível que alguém na nossa profissão advogasse com aquela tranquilidade. Penso mesmo que é mais grave nela do que em Nuno Crato, que tem menos formação pedagógica (ele que me perdoe, mas é verdade).
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