Ninguém estranhará que alguém que durante quarenta e sete
anos foi professor (por vezes com outras funções ligadas à educação, em sentido
lato) considere que a educação é um problema central da sociedade. Não digo o, digo um, porque há na verdade
outros problemas cruciais, como a saúde. Esta ideia da importância da educação
é no entanto generalizada. Ela está presente na família, o primeiro agente
educador, e prolonga-se quando se percebe que são necessários outros meios para
alargar as aprendizagens necessárias para vencer na vida.
Pondo de parte qualquer análise à história da educação,
consideremos o quadro actual, que estabelece que a educação é uma das funções
do Estado, o que implica, desde logo, que exista por parte desse Estado a
definição de uma política educativa. No caso português, embora a Constituição
estabeleça que “[o] Estado não pode programar a educação e a cultura segundo
quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou
religiosas” (nº 2 do artº 43º), é evidente que o sistema educativo reflecte uma
determinada orientação, necessariamente política. A Lei de Bases do Sistema
Educativo (Lei nº 46/86, de 14 de Outubro) estabelece orientações nesse
sentido.
Será do entendimento geral que tal política educativa deva
ter o maior consenso possível, fugindo a criar situações que possam ser
discutíveis, o que naturalmente não é fácil de alcançar. Devo no entanto dizer,
desde já, que entre nós, após o 25 de Abril e até há relativamente pouco tempo,
houve um razoável consenso (razoável, não total, o que se compreende) acerca
dos princípios gerais da educação. As discordâncias começaram a notar-se de
2002 em diante, com David Justino e Maria de Lurdes Rodrigues a divergir e
Nunco Crato a destruir.
Uma das razões para a existência de consenso é o próprio
termo educação. Muitas vezes refere-se educação quando se deveria dizer
instrução. E pensar em educação ou em instrução numa escola faz toda a
diferença. Educar tem uma abrangência que permite encarar o desenvolvimento da
criança (ou adolescente, ou mesmo adulto) considerando todas as vivências em
que se envolverá, e por isso a arte em geral, o desporto, a participação na
vida da comunidade, não devem deixar de fazer parte do currículo. Instruir tem
como finalidade promover aprendizagens específicas que permanecerão e
permitirão o seu desenvolvimento numa determinada área do saber. Uma escola
completa encarará estes dois aspectos como fundamentais.
A par da definição de uma política educativa existem outros
pontos de grande importância no desenvolvimento da educação. Como é que a
escola e os professores concretizam o que foi estabelecido? Tal concretização é
aquilo que, no léxico educativo (não confundir com o célebre “eduquês” do
ministro Nuno Crato de má memória) se designa por “desenvolvimento curricular”.
Dito brevemente, tudo o que a escola oferece aos seus alunos é currículo.
São os alunos a razão de ser da escola e são, também, o seu
maior desafio. Embora toda a gente saiba que não há duas crianças iguais, que
os seus estados de desenvolvimento variam, que há “slow learners” e “fast
learners”, na maior parte das vezes escolas e professores agem como se
estivessem perante um grupo homogéneo, não respeitando nem ritmos de
aprendizagem nem outras diferenças de personalidade. Dir-me-ão: e é possível
ser de outro modo? A resposta é: é possível, mas não é fácil e pode acontecer
que muitas vezes os resultados fiquem aquém do esperado.
É que estamos, claramente, a abordar um “tema problema” em
educação/instrução: até que ponto a educação, por si e sustentada por ciências
como a psicologia e a sociologia, consegue ser… científica?
Posto nestes termos, será difícil sustentar que há uma base
científica segura na construção de um processo educativo. Aliás, não é o que
acontece com todas as áreas em que o homem é objecto de estudo enquanto ser
racional? Por exemplo, não é o que se passa com a economia (de economia,
percebo pouco, por isso, se me quiserem contradizer, é favor)?
Mas uma coisa é não haver base segura e outra é existirem
investigações muito sérias que permitem conclusões em aspectos bem definidos
nas diversas áreas da educação, com realce para aquelas que têm a ver com os
processos de ensino-aprendizagem. No entanto, essas conclusões nunca podem ser
apresentadas como podem sê-lo as que se desenvolvem em laboratório pelas
chamadas ciências exactas.
A assunção desta realidade não impede que haja divergências
de pensamento, mas pode ajudar a tomada de decisões. Pelo facto de ter estudado
em Inglaterra e nos Estados Unidos sigo (embora hoje menos do que num passado
recente) o que se passa nesses países, que têm certamente os melhores centros
de investigação em educação do mundo. Ocorrem neste momento debates calorosos,
quer sobre as “charter schools” quer sobre o valor dos testes e a sua
influência no desempenho dos professores. Devíamos ter em atenção esses debates
pensando no nosso caso, embora não defenda que copiemos modelos por copiar
modelos.
Continuarei em próxima entrada.
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