2006/04/22

Os lugares onde vivi – Reading (1978 -Agosto e Setembro)


(Retomo hoje esta série de posts)

Quase no final do ano lectivo de 1977-1978 tive inesperadamente a oportunidade de aceitar uma bolsa do British Council para estudar em Inglaterra, visando uma pós-graduação em educação. Em Londres era (e é) reputado o Instituto de Educação e foi pois para aí que concorri, e fui aceite, para obter o “diploma in education”, que poderia ser considerado a parte curricular de um mestrado, ou um curso de especialização. Era um curso de um ano que daria depois acesso a um mestrado. Na altura essas condições não constituiam problema e por isso decidi ir.

O meu inglês não era tão bom como o meu francês: se à saída do liceu eles se equivaleriam, no meu curso na Faculdade de Letras só lia praticamente livros franceses e até as ocasiões de praticar foram sempre mais com franceses do que ingleses. Por isso não estranhei quando me propuseram ir mais cedo para Inglaterra para frequentar um curso de língua, na Universidade de Reading. E assim, num dos primeiros dias de Agosto, depois de muito rapidamente me ter desfeito da casa que alugara em Braga e de ter mudado a mobília para a casa de Lisboa, voo para Londres para, no dia seguinte, seguir para Reading. Com o contratempo de se ter perdido uma das duas malas que levara, e que tinha a roupa de todos os dias, o que me causou sérios embaraços: só apareceu quase três semanas depois) Tinha ido passear à Argentina…

Reading é uma cidade que fica a cerca de uma hora de comboio de Londres. Comparada com esta, é uma vilória, ou seja, é uma cidade pequena – não sei se na altura ultrapassaria os 100 000 habitantes. O campus da Universidade, onde de facto vivi, ficava a pequena distância do centro; havia autocarros frequentes.

A cidade propriamente dita é simpática. Recordo-me de existir um parque muito agradável e uma biblioteca antiga (hoje há já uma biblioteca nova, inaugurada em 1985). Nos dois meses que lá estive não fui muitas vezes ao centro, umas três ou quatro; fiz mais vida no campus ou nos arredores próximos.

O campus de Reading é muito grande, com relvados “à inglesa”, tudo bem tratado. Os numerosos estudantes de muitos países que iam frequentar o mesmo curso de língua ficaram instalados em residências que se agrupavam num dos extremos do campus, edifícios sóbrios com quartos individuais e casas de banho colectivas tendo, por andar, uma cozinha equipada. Achei as acomodações bastante razoáveis. O sítio era, evidentemente, sossegado, bom para trabalhar e estudar. Apesar de ser verão não havia verdadeiro calor, e para surpresa minha o aquecimento estava ligado! Habituei-me com facilidade à vida do campus, às rotinas diárias, ao pequeno almoço “à inglesa”, que apreciei e sempre que posso gosto de fazer, às caminhadas em grupo para e de o instituto onde tínhamos as aulas, e só não me habituei, confesso, à generalidade da comida que nos davam ao almoço e ao jantar… Ao recordar Reading não recordo pois a cidade mas o campus, e recordo sobretudo o ambiente agradável, de convívio “multicultural”: para além de quatro portugueses havia brasileiros, gregos, chilenos, iraquianos, iranianos, indonésios e pelo menos um somali, com quem aliás fiz boa amizade: era espertíssimo e completamente descomplexado (encontrei depois muitos negros que não tinham vencido complexos).

Gostei bastante da experiência e da maneira como o CALS (Centre for Applied Language Studies) orientou a nossa formação. Parti pois para a aventura londrina bastante mais confiante.

2006/04/21

The Day after


Sou hoje o que era ontem – e não sou. Heraclito tinha razão quando dizia que tudo flui, mas Parménides também a tinha quando defendia a unidade do Ser. Por isso debato-me com um dilema: eu sei que alguma coisa mudou de ontem para hoje, que me obriga a equacionar, como me diziam ontem, “o resto da minha vida”, mas ao mesmo tempo não quero ceder à tentação de cortar com o que ficou para traz porque não posso.

Preparei-me tanto para este momento – e descobri ontem, como descubro hoje, que não estava verdadeiramente preparado. Talvez precise de mais um dia ou dois. Mesmo mais. Mas vou descobrir o sentido desse resto da minha vida.

Para já, tenho ainda os ecos de vozes amigas, de gestos simbólicos lindos, unindo gerações com quem me encontrei e que não me esqueceram. E isso é, neste momento, bastante.

2006/04/19

Quando as memórias se encontram


Em dois dias sucessivos – ontem, 18, e hoje, 19 – vieram ao meu encontro memórias que me encantaram. Primeiro, um telefonema que recuperou a voz de um colega (meu superior hierárquico…) que comigo privou, entre 1971 e 1972, no ambiente de trabalho de uma empresa de consultoria, e que depois de todos estes anos se lembrou de me contactar sugerindo um almoço num dia em que desça à capital. Creio que a data foi coincidência. Foi bom recordar esses tempos, muito importantes para a minha formação de “gestão de pessoal” e de educador de adultos.

Em segundo lugar, a caixa de correio electrónico entrega-me uma mensagem que vem de longe no espaço e no tempo: com ela recuperei não a voz mas o estilo de uma bela, grande Amizade dos meus tempos de jovem, que infelizmente não pôde ser mantida. Separam-nos cinquenta anos – mas que são cinquenta anos para memórias sólidas?

Anteciparam-se, assim, dois presentes de aniversário. E acreditem, fez-me bem esse reencontro de memórias.

2006/04/17

O tornado


Nos anos em que vivi nos Estados Unidos da América, aprendi a ter um respeito enorme pelos tornados – e, de algum modo, pelas trovoadas, que por vezes atingem proporções que não conhecemos em Portugal. O Midwest é muito afectado por tornados, que são tempestades que se desenvolvem com uma rapidez e violência assustadoras, com ventos circulares que arrasam tudo à sua volta. Na minha estadia houve uma meia dúzia de situações de prevenção, mas apenas numa houve de facto um tornado que se desenvolveu a escassos quilómetros de Iowa City, onde eu vivia.

Na passada sexta-feira, soube pela televisão que na “cidade de Iowa”, como disse a apresentadora, um tornado devastador espalhara o terror na cidade universitária. Hoje, ao regressar a casa, tinha notícias vindas por e-mail, incluindo fotografias bem evidentes dos estragos – e para além deles, houve um morto e oito feridos. Vejam aqui uma delas (e se quiserem, podem continuar no site a ver mais).

Não posso deixar de me emocionar. Ainda não me referi aos meus tempos de Iowa City, onde passei três anos e meio, mas tenho da cidade as melhores recordações e penaliza-me ver a destruição que a afectou. Sei que em breve tudo estará reconstruído, porque os norte-americanos são muito eficientes. Mas certamente os momentos que viveram naquela noite de 14 de Abril não se apagarão da memória dos que lá vivem.