2012/07/20

JOSÉ HERMANO SARAIVA (1919-2012)


Entre 1947 e 1952 frequentei o Liceu de Passos Manuel, em Lisboa. Nessa altura, o Reitor (Dr. José Saraiva) residia com a família numa moradia dentro do vasto recinto do Liceu, distante do edifício central, ao qual se acedia ao longo de uma rua larga, arborizada. Recordo-me perfeitamente de mais de uma vez ter visto o então jovem filho do Reitor, José, a descer essa rua em direcção à saída. Teria, então, à volta de 30 anos. Lembro também, no meu 4º ano (actual 8º) de o Dr. José Hermano nos ter aparecido para uma aula de substituição de História (sim, havia ao tempo aulas de substituição…).

Mais tarde, em 1969, estava então como professor efectivo no Liceu do Funchal, o Ministro da Educação fez uma visita à ilha da Madeira e, claro, foi ao Liceu, onde encontrou os professores (uma reunião sui generis, todos de pé numa sala que creio ter sido a própria reitoria, que era ampla). O Ministro era o Dr. Saraiva, que nessa altura andava em cruzada em favor da criação de salas de História em todos os Liceus do país. Recordo-me de ter ficado na última fila e de ter tido imensa dificuldade em ver o Ministro (dada a sua altura). Na altura, estava muito satisfeito por ter um ministro que era professor liceal (para além de ter o curso de Direito).

Depois, a figura de José Hermano Saraiva passou à televisão e, de vez em quando, cruzei-me com ele, admirando a qualidade do seu verbo fluente e, mais tarde, a sua longevidade mantendo uma mente viva e aberta. Contudo, nunca tive oportunidade de estar com ele.

Costuma dizer-se, nestas alturas, que o país sofreu uma grande perda – e é verdade, mas uma verdade naturalmente esperada. Quem viveu 92 anos da maneira como ele viveu deu à sociedade o que era curial esperar-se da sua inteligência. Vai ficar a memória do que ele foi e a sua obra, extensa e difundida.

2012/07/19

DO PIOR QUE TENHO VISTO

Não tem sido muito meu costume seguir em directo sessões ou audições na Assembleia da República, mas hoje decidi ocupar parte da minha tarde ouvindo a equipa ministerial de Educação. O momento complicado que se vive nas escolas despertou-me a curiosidade; como se sairia o Ministro? Bom: intitulei este post “do pior que tenho visto”. Foi confrangedor assistir. Com gente desta, o futuro da educação em Portugal pode tornar-se uma catástrofe. Porque pior do que cumprir um programa para poupar dinheiro é fazê-lo sem um mínimo de condições (conhecimentos, competências, ética). Não é surpresa para mim: surpresa foi haver tantos professores que embandeiraram em arco com a sua nomeação. Bem sei que estavam na ressaca dos protestos contra a Maria de Lurdes, mas mesmo assim… Tenho receio do que se vai passar se entretanto nada for feito que faça recuar esta política tola. Tem de haver quem proteste com qualidade. E depressa.

2012/07/16

ERA BOM…

… que a luta político-partidária, natural e, digamos, saudável, fosse assumida precisamente dessa forma – saudavelmente. A meu ver, a política e os políticos têm-se desacreditado entre nós muito pelo espectáculo deprimente que de há uns anos a esta parte oferece aos cidadãos. Neste caso Relvas, o último episódio consistiu em Duarte Marques, o responsável pela JSD, ter intervindo num discurso ambíguo (ver, por exemplo, Alegações finais, no Diário de Notícias de hoje, 16 de Julho), no qual, considerando o caso grave, desculpabiliza o antigo jotinha dizendo que “é mais vítima do que culpado”, insinuando que a legislação publicada em 2006, no tempo do ministro Mariano Gago, deveria por neste “ser explicada”. Como e porquê, pergunto. Era o que faltava um ex-ministro vir “explicar” por que no decreto que regula a formação no ensino superior está uma alínea que dispõe poder ser creditada aquela que eventualmente possa ser suprida pela experiência profissional! Como se essa alínea não fosse, como repetidamente se tem dito ultimamente, regra quase geral em todos os países do mundo (incluindo os que aderiram a Bolonha…). Era necessária esta picardia? Nos posts anteriores tenho sido bem comedido sobre Relvas – afinal, ele nada fez de ilegal. Mas perante esta tentativa de branqueamento (“mais vítima do que culpado”) apetece-me ser incisivo. Vítima, porquê? O sr. Relvas (antes de ser Dr.) tinha atrás de si uma história académica deplorável, mesmo no secundário. Ele sabia que (parece) só tinha sido aprovado numa disciplina do curso de Direito, com 10 valores, e embora tivesse feito várias tentativas inscrevendo-se em outros cursos, nada mais conseguira, mesmo em universidades privadas. Ao pedir creditação pela sua experiência profissional, ele, um homem que “norteou a sua vida pela busca do conhecimento permanente”, esperaria que lhe dessem de mão beijada créditos por 32 unidades curriculares? E quando lhos deram, não se terá apercebido de que algo de estranho se passara? Eu não quero, até porque não posso, insinuar nada mais do que isto, mas a opinião pública já terá percebido o que se passou. Sr. Duarte Marques, se quer que a JSD se credibilize, terá de fazer muito melhor do que fez até aqui.

2012/07/15

EM DEFESA DE BOLONHA

O “não assunto” de Relvas pôs em evidência a Universidade Lusófona e a maioria dos comentadores aproveitou para atribuir a Bolonha (leia-se: ao que se chamou o “processo de Bolonha”, que originou em muitos países europeus uma reformulação dos estudos superiores) a razão do desconchavo da creditação de 32 das 36 unidades curriculares do curso a que o ministro se candidatou. Nos dois últimos anos da minha vida académica estive, por dever de funções, muito ligado ao processo de reestruturação dos diferentes cursos na Universidade do Minho. Não assisti já à sua implementação¸ mas fiquei com a impressão de que, sendo embora os princípios gerais em que se apoia excelentes, iria ser difícil que professores e alunos conseguissem, sem grande esforço, concretizar o que esses princípios supõem. Muito do que tenho ouvido de colegas com quem por vezes troco impressões é que na verdade o espírito de Bolonha tem estado muito ausente. Ora um dos princípios que considero excelentes é precisamente o poder ser creditada a experiência profissional e a formação pós-secundária a candidatos que não tenham tido um percurso escolar regular. Esta prática não é exclusiva de Portugal, existe não só nos países aderentes a Bolonha como creio em todo o mundo. O problema está, como é evidente, no modo como as instituições que apreciam os currículos dos candidatos definem os créditos a outorgar. Eu até posso pensar que um candidato possa ter um currículo tão relevante que demonstre que na área da licenciatura a que concorre adquiriu conhecimentos/competências que cubram uma grande parte das unidades curriculares do curso. Mas mais de 85% delas? Mesmo quem não se reclama de conhecimentos na área de Ciência Política e Relações Internacionais, e não teve acesso aos documentos que terão instruído o processo de Miguel Relvas, ao ver o elenco das unidades curriculares do curso e o relatório (parecer) divulgado pela imprensa. percebe que tudo não passou de um grosseiro embuste, grave para a instituição Universidade Lusófona. Portanto, não atribuam a Bolonha o que Bolonha não pretendeu.