2010/08/06

Li hoje, no Público...

O Prof. Campos e Cunha (que foi o primeiro Ministro das Finanças de José Sócrates e se demitiu ao fim de poucas semanas, em divergência com a política definida pelo Governo) escreve regularmente no Público. No artigo de hoje aproveita o momento “quente” (como ele próprio o qualifica) para dissertar sobre justiça e educação. Tem, em relação a muitos outros, a enorme vantagem de declarar que “não é especialista em educação”, e o artigo tem ainda outro motivo de interesse, o de chamar à discussão a opinião de um professor norte-americano acerca do estado da nossa educação…

Para quem não leu, aqui fica o excerto que importa:

Há uns meses, numa conferência em S. Francisco na Califórnia, um professor americano já reformado, que escreveu muito sobre Espanha e também sobre Portugal, perguntou-me qual a razão dos maus resultados do ensino nacional. Depois de uma longa conversa em que mostrei que os recursos financeiros, humanos e materiais eram dos melhores da Europa, os resultados brilhavam pela ausência. A finalizar disse-lhe que boa parte da culpa também era deles, americanos. Perante a surpresa expliquei-lhe que no final dos anos sessenta (ou princípios de setenta) um ministro da Educação tivera a ingenuidade de mandar umas dezenas de pessoas estudar “ciências da educação” nos Estados Unidos. Ele interrompeu-me perguntando: não me diga que foram para Boston. Exactamente, disse-lhe. O meu amigo respirou fundo e calmamente concluiu: então, o caso é mesmo muito grave.

Presume-se que o professor norte-americano, já reformado e com obra publicada sobre Espanha e Portugal, seja de área diferente da educação (provavelmente de economia e ou finanças). Presume-se, assim, que sofra do mesmo mal de alguns colegas portugueses, que colocam entre aspas ciências da educação, coisa que nos Estados Unidos já não se usa (ainda que existam, também, ataques contra quem investiga em educação). Presume-se, ainda, que tenha qualquer dor de cotovelo em relação à Boston University, ainda que eu conceda que há muito melhor (mas também muito pior) no país.

Em relação ao Prof. Campos da Cunha, compreende-se que tenha alguma falha de informação em relação ao desenvolvimento das ciências da Educação em Portugal. Foi o Ministro Veiga Simão (apesar de físico) quem teve a ideia de enviar, em 1973, bolseiros nacionais para os Estados Unidos, para frequentar mestrados em Educação com a finalidade de formar o corpo docente das futuras escolas normais superiores, previstas na Lei de Bases 5/73. O destino desses bolseiros foi, primordialmente mas não exclusivamente, a Universidade do Texas em Austin. As escolas normais superiores não chegaram a funcionar; mas anos mais tarde, quando se criou o ensino superior politécnico e as escolas superiores de educação, a ideia de uma formação de docentes mais acelerada voltou a encontrar acolhimento no Ministério da Educação e foram assim negociados, com várias instituições, planos de formação específicos. Isto passou-se em 1983, 1984. As instituições de referência foram a Boston University e o Centro Regional de Documentação Pedagógica de Bordéus (hoje, da Aquitania), no estrangeiro, e as Universidades do Minho e de Aveiro, em Portugal.

Se muitos desses bolseiros passaram a figurar nos quadros das escolas superiores de educação, fazem parte delas hoje muitos outros docentes com formações diferentes e habilitações mais elevadas. Muitos dos mestres dos anos 80 fizeram os seus doutoramentos em Universidades prestigiadas e alguns enveredaram mesmo pelo ensino superior universitário.

Dizer, como o Prof. Campos e Cunha diz, que “a filosofia das escolas de educação está patente há muitos anos na abordagem ao ensino em Portugal e os resultados estão à vista”, até pode ser verdade: quando da instituição das escolas superiores de educação houve um debate sério que levou à assunção de que o processo educativo devia assentar em bases diferentes daquelas que existiam. As unidades de ciências da educação que entretanto surgiram nas universidades (Minho, Aveiro, Porto, Coimbra, Lisboa, entre outras) consolidaram políticas de investigação que puderam constituir um corpo de conhecimento que é, indiscutivelmente, importante. Os resultados estão à vista: não aqueles que o Prof. Campos e Cunha julga ver – facilitismo, essa palavra mágica! – mas outros, que podem ser enunciados. Compare-se a educação pré-escolar de hoje com a de “ontem”, e prossiga-se na comparação: os cuidados com a educação especial; a melhoria em edifícios e equipamentos. Entenda-se como muitas escolas têm de lidar com a multiculturalidade, complicada se for em zonas deprimidas. Perceba-se que os professores (a maioria, estou certo) preocupam-se sobretudo com os seus alunos como pessoas e tentam o seu melhor para que aprendam. Dizer que nas escolas se privilegia a brincadeira e se negligencia o estudo é dizer o que não se sabe: a tal filosofia que se diz as escolas superiores de educação teria proposto não sugere isso. Ah, mas se o que se pensa é que o professor deve continuar a ensinar marcando a matéria “a estudar” no livro das páginas x à y, ou se se pensa que o professor deve falar os 60 ou 90 minutos da aula, presumindo que “passa” a sua mensagem dessa maneira, na verdade a tal filosofia diz não. Eu sei que mentes iluminadas acham que é ridículo dizer-se que a escola deve ensinar a aprender, mas para mim o ridículo é não compreender que tenha de ser assim.

Nestes muitos meses em que não tenho escrito neste blog, inúmeras foram as vezes em que me apeteceu escrever mais ou menos o que escrevi hoje. Os ataques que têm sido desferidos à educação em Portugal e sobretudo aos que se dedicam ao seu estudo, em especial os que provêm de personalidades que não estão ligadas ao meio, confrangem-me.

Isto não quer dizer que tudo tem estado bem e que a educação em Portugal é um sucesso total. Mas é também falso que tudo esteja mal. Há escolas de excelência, professores de excelência, alunos de excelência. Não o reconhecer é falsear a realidade.

2010/08/05

Mais sobre retenções

Como se esperava, houve reacções negativas à proposta lançada pela Ministra da Educação, e ela própria, em declarações que ouvi, via televisão, foi menos clara do que na entrevista ao Expresso. Aliás, uma proposta é uma proposta, e pareceu-me que para além da ideia principal (terminar com o conceito de “reprovação”, que prefiro ao tradicional “chumbo”) há ainda pouca elaboração.

Já agora, mais algumas reflexões sobre o tema. Independentemente de ter aplaudido a ideia e de estar convicto que a razão está do lado dos que advogam o termo das reprovações, há que ter em conta que em educação a “verdade” não é simples. Mesmo na Finlândia são possíveis repetências, embora factos raríssimos; e nos Estados Unidos cada Estado pode adoptar modelos diferentes face às retenções. A investigação parece provar que a retenção de alunos é negativa a vários títulos, mas (como aliás é muito normal em educação) há sempre estudos que não comprovam completamente a tese. Recebi há dias o último número da Educational Evaluation and Policy Analysis (Junho de 2010, 32-2) e nele é publicado um artigo (“An investigation of the relationship between retention in first grade and performance on high stakes tests in third grade”, de Hughes, Chen, Thoemmes e Kwok) , no qual se relata uma cuidada investigação comparando os resultados obtidos (em testes no 3º ano) por 769 alunos do Texas, retidos e não retidos no 1º ano. Os autores concluem dizendo que “os resultados sugerem, mas não provam, que os alunos retidos no 1º ano estariam mais bem preparados para ter sucesso no teste do que se tivessem passado para o 2º ano”. Repito: isto é muito comum em educação (e não só em educação: não vemos nós a ciência médica de vez em quando pôr em causa “verdades” estabelecidas?) pelo que, usando um termo muito popular entre os estatísticos a propósito de sondagens, estes resultados "valem o que valem"....

Em qualquer caso, o que é necessário é encontrar modelos de apoio pedagógico e social que salvaguardem a satisfação das necessidades de todos os alunos. É muito evidente que há alunos que não serão nunca capazes de atingir os mesmos resultados (objectivos, competências, “metas”…) esperados de um aluno médio: para esses existem já situações de apoio particulares e que vi funcionar de forma exemplar recentemente. Ampliar os recursos existentes é uma da condições para que a proposta da eliminação das repetências seja possível.