2005/04/08

Mais sobre furos…



Talvez valha a pena dizer mais qualquer coisa sobre “furos” nos horários. O assunto acabou por atrair mais comentários do que esperava (até Miguel Sousa Tavares trata do tema hoje, no Público – indisponível on line…).

Em rigor, a noção de “furo” devia ser limitada a uma falta inesperada de um professor (um horário “bem feito” não deve ter horas não preenchidas). Mas uma chamada “aula de substituição” que consista em prender os alunos a uma sala de aula com um professor porventura desconhecido, nada tendo a ver com a disciplina esperada, “inventando” o que quer que seja apenas para que os alunos não perturbem, no recreio, a vida normal da escola, nunca a entendi nem os alunos a entendem.

Hoje, as escolas têm de ter um projecto educativo; organizam os seus currículos para os quais têm também projectos. Têm assim de prever e conseguir meios para que esses projectos se concretizem, pelo que, na eventualidade de falta de um professor, os alunos devem ter uma área de interesse em que se ocupem de acordo com as suas motivações e o próprio objectivo da escola. Quando a legislação prevê a existência de actividades de enriquecimento curricular vai ao encontro das necessidades de possíveis projectos de cada ano, de cada turma. E essas actividades devem poder ser satisfeitas em qualquer momento, ocupando os alunos sem o sujeitar ao que pode ser considerado uma prisão. A escola é vida, já dizia Dewey, e eu gosto de o repetir.

Deixem-me pôr a memória a funcionar… Quando fui aluno do Liceu de Passos Manuel, em Lisboa, eu sei que há muito, muito tempo, havia professores que faltavam (e eram quase todos excelentes profissionais). E a maior parte de nós, todos rapazes na altura, tínhamos um espaço exterior enorme para andar, para jogar futebol ou à “bolinha”, que era uma espécie de andebol minimizado que se jogava com bolas de papel amachucado com mestria para lhes dar consistência. Tínhamos ainda possibilidade de jogar pingue-pongue e também de ir até à biblioteca. Ou apenas passear, conversar.Ocasionalmente, havia de facto uma aula de substituição. Até me lembro de uma bem especial – dada pelo Dr. José Hermano Saraiva, filho do então Reitor do Liceu, que penso que por falta do professor de Francês nos “entreteve” nessa hora. Mas as folgas, eram normalmente para a brincadeira, para o jogo.

Anos mais tarde, já professor, no Liceu do Funchal, antes do 25 de Abril, estive ligado a actividades dos alunos que na verdade os enriqueciam – um jornal, um laboratório de fotografia, teatro.

E se uma vez por outra o “furo” servir apenas para que os alunos o saboreiem, sem mais, também daí não virá mal ao mundo. Nem a eles.

Ficam por abordar um ou dois pontos. Um deles: há professores que faltam demasiadamente. É um facto e deve ser combatido. Outro: para ter sempre actividades diversas, os professores têm de colaborar e não podem resguardar-se na posição de que “não são pagos para isso”. Mas se “isso” fizer parte da actividade educativa da escola, então não podem (não devem) escusar-se.

As Crónicas na RUM (2)


Perguntaram-me, outro dia, se estava mais satisfeito com a actual equipa do Ministério da Educação do que com a do ex-Ministro David Justino. A pergunta foi feita com malícia, porque quem perguntava sabia que fui muito crítico da acção do Ministro, mesmo nestas crónicas.

Antes de responder à pergunta, é necessário clarificar que nunca esteve em causa a pessoa mas as políticas que defendeu. Tive ocasião, depois de já não ser Ministro, de trocar algumas ideias com ele, e a “conversa” (que não foi bem conversa, mas não vem agora ao caso) foi agradável e urbana. David Justino é um colega, tem as suas ideias, sujeita-se pois a que elas sejam criticadas, como eu me sujeito às críticas de quem comigo discorde.

Posto isto, estou mais satisfeito? É cedo para responder. Fui defensor da maior parte das medidas tomadas pelo Ministério de Marçal Grilo, em especial as que visavam a reorganização curricular do ensino básico. Conhecia, conheço bem a Secretária de Estado Ana Benavente, que considero dominar bem tudo o que se refere à educação, bem informada das correntes pedagógicas recentes e relevantes no mundo contemporâneo. Desta equipa, nada sei da Ministra Maria de Lurdes Rodrigues, embora referências cruzadas indiquem uma personalidade forte numa estrutura pessoal inteligente, com formação sociológica de base, o que pode ajudar no cargo.

Quanto ao Secretário de Estado Valter Lemos conheço-o bem de há muito tempo; ambos estivemos ligados ao período de gestação do ensino superior politécnico e trabalhámos juntos em diversas ocasiões, nomeadamente como membros do Conselho Geral do Instituto Nacional de Acreditação da Formação de Professores, INAFOP, que foi extinto pelo governo de Durão Barroso (mas, ao contrário do que eu pensava, sem intervenção directa do Ministro Justino, o que é um ponto a seu favor). Valter Lemos é conhecedor de parte dos problemas do sistema educativo português, mas tem ultimamente estado mais ligado à gestão no âmbito do ensino superior (ele foi, até há pouco tempo, Presidente do Instituto Politécnico de Castelo Branco). Como o outro secretário de Estado adjunto, Jorge Pedreira, também esteve mais ligado ao ensino superior (foi Director-geral desse ensino no segundo governo de António Guterres e foi também presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior) fico com uma pequena dúvida acerca de como este Ministério (que, para mais, não tem a tutela do ensino superior!) vai lidar com o peso do restante sistema de ensino.

Entretanto, soube-se ontem uma primeira medida desta nova equipa, a revogação da decisão de troca de manuais escolares, passando-os de alunos para alunos. Tenho uma relação de ambivalência com os manuais escolares, e a esse assunto voltarei um dia; mas parece-me acertada a decisão, como me parece acertada a declaração que esta medida não significa que se vá agora alterar tudo o que o anterior Ministério fez. Mas na verdade, pensar que se pode pôr de lado um livro de texto quando se acaba um ano é ter uma visão pedagógica do valor do livro muito, muito limitada.

Portanto, tenho esperança. Mas… vamos esperar.

Até para a semana.

2005/04/07

Louvores


Ando há uns dias a pensar: escrevo, não escrevo? Hoje decidi: escrevo.

Leitor assíduo do Diário da República, em parte por obrigação, em parte porque gosto de saber o que vai acontecendo nos Ministérios que me interessam, há umas três semanas que vejo páginas e páginas serem consagradas aos louvores de Ministros e Secretários de Estado do governo cessante ao pessoal dos gabinetes. Devo dizer que a prática é comum, e nada tem de censurável; mas embora possa estar a ser injusto não me recordo de tanto louvor em transições de governo passadas! Daí que tenha pensado se não se trata de um qualquer mecanismo de compensação: como os Ministros e Secretários de Estado não receberam louvores da opinião pública, bem pelo contrário, desforraram-se agora, sendo eles a concederem-nos…

Paciência, às vezes também me dá para ser mauzinho…

Manuais escolares


A medida tomada pelo Ministério da Educação no que se refere à chamada “troca” de manuais decidida pela equipa anterior merece um comentário, mas mesmo antes desse comentário vale a pena salientar que o comunicado afirma claramente que " tem toda a vontade de dar continuidade e estabilização às políticas em matéria de Educação” (segundo o Público de hoje, infelizmente não disponível…). É uma posição de bom senso que se espera seja mantida.
Passemos então ao problema da troca de manuais.

Como pessoa ligada ao currículo, tenho em relação aos manuais uma posição ambivalente. Para um curriculista os manuais são porventura os mais perniciosos elementos para um correcto desenvolvimento das actividades escolares, na medida em que condicionam, por vezes de uma maneira extrema, o professor. Quando, acabadinho de me licenciar, fui colocado num liceu e tive de preparar as aulas para um então 3º ano, hoje 7º, era adoptado a nível nacional um compêndio de História do Matoso (pai), mas na altura já havia um livro para cada ano. Como me considerava inexperiente (e com muita vontade de acertar na profissão que eu desde sempre quis que fosse a minha) abeirei-me do professor efectivo do grupo, que teria mais do dobro da minha idade, e perguntei-lhe como achava ele que deveria pensar a execução do programa (que na altura cobria a Antiguidade Oriental e a Clássica, e talvez entrasse um pouquinho na Idade Média). O bom homem olhou-me com algum espanto, e replicou, “É fácil, vai ao manual, divide o número de paginas por três, e em cada período dá o que lá está…”

Ora esta “sã atitude pedagógica” ainda existe e julgo que nem preciso explicar por que está errada.

Por outro lado, o manual (ou, dizendo melhor, manuais, livros de texto) é um elemento essencial para a aprendizagem dos alunos. E deve dizer-se, também, que os manuais se têm transformado, num sentido positivo, quer para que o professor os possa usar com independência, quer para motivar os alunos.

Por isso falava de ambivalência: não gosto que o professor seja escravo do manual, percebo que o aluno necessite dele.

Há depois outros factores – o preço dos manuais, a quantidade no mercado, a qualidade que possuem, e, sobretudo, a sua longevidade. O célebre Matoso durou décadas. Com poucas excepções (antologias literárias, por exemplo) um manual não pode, ou melhor, não deve, ter uma vida tão longa.

Posto isto, a troca que o executivo anterior visionou, faria sentido?

Pondo de parte os argumentos financeiros, que não estou habilitado a discutir, não há dúvida que a medida não parece muito interessante. Em que condição chega um manual ao fim do ano para poder passar para um novo utente, sobretudo vindos das mãos de crianças? Se o manual foi usado (e em princípio deve ser), não são apenas os exercícios que nele se fazem, é a deterioração normal do uso que, não constituindo obstáculo ao proprietário, não é nada agradável para quem o recebe o livro para o compulsar pela primeira vez. E há ainda outros aspectos. O manual que serviu num ano é muitas vezes ainda necessário no ano seguinte. Isto de um aluno chegar ao fim de um ano e desfazer-se do seu livro de texto aparece quase como um convite ao esquecimento… E vindo esta medida de quem defendia (penso) os exames, o mínimo que se pode dizer é que é paradoxal.

Muito haveria a dizer sobre manuais, mas esta é uma primeira impressão. Fico aguardando que a nova equipa, como promete, apresente uma nova proposta para resolução de um problema que, em termos do esforço financeiro que é exigido a muitas famílias, não deve ser ignorado.

2005/04/05

As primeiras mensagens sobre educação…


O governo – pela voz do Primeiro-ministro e da Ministra da Educação – deu as primeiras informações sobre medidas relacionadas com a educação. Vi ontem, na televisão, li hoje, nos jornais.

Logicamente estou muito interessado nelas. Mesmo relativizando as coisas, o sector da educação tem de estar entre as cinco primeiras preocupações do novo governo, e dele se esperam medidas sensatas, exequíveis, tanto quanto possível consensuais e que sejam pedagogicamente sólidas. Esta será a faceta mais complicada, porque não há apenas “uma” pedagogia, e assim o conceito de solidez fica prejudicado.

A visita ministerial ter-se-á devido ao facto de a Escola visitada, a EB 2,3 Matilde Rosa Araújo, em S. Domingos de Rana, ter encontrado um meio para evitar que alunos que não tenham aulas programadas no horário ou quando um professor falte fiquem livres, desocupados, o que constitui, como se sabe, um dos problemas indutores de indisciplina. E o Engº Sócrates informou que quer que o mesmo se passe em todas as escolas. Foi pena que falasse em “aulas de substituição”, mas o Engº Sócrates não é de educação e por isso perdoa-se-lhe o possível efeito negativo que essas palavras possam ter entre professores. Eu acho muito bem que a tutela veicule essa ideia, mas as Escolas têm de ser autónomas e decidir como a querem concretizar. E aulas de substituição, só em casos claramente evidentes de que elas sejam sustentáveis. A Ministra, depois, clarificou um pouco, usando outros termos, o que me agradou. (E está certo, o Primeiro-Ministro não pode ser competente em todas as áreas, deve, sim, ter pessoas competentes em todas elas).

Entretanto, foi também levantado o problema dos exames do 9º ano, que hoje é noticiado em jornais (leia neste, porque o Público passou à história…)

O Governo fez bem em manter a decisão do executivo anterior, fez bem em pensar em minimizar eventuais más consequências que os exames pudessem ter em casos concretos, e, a meu ver, fez bem em dizer que a solução encontrada vai ser avaliada. Apesar de existirem já vozes discordantes (como a de Vital Moreira no Causa Nossa) este é um dos pontos de crítica importância. Já neste blog me pronunciei sobre exames e, sem pôr de parte a hipótese da sua existência, tenho muitas reservas em subscrever o modelo que no tempo do Ministro David Justino foi apresentado. Claro que exames no 9º ano é uma coisa, no 4º é outra; mas mesmo assim ter cautelas parece-me de bom senso.
O que é necessário é que se tomem as medidas correctas alicerçadas em boa teoria e os resultados possíveis da investigação que sobre o assunto tem sido feita. Não seria mau que, em relação aos exames que vão agora realizar-se, se equacionasse a realização de um projecto de investigação que procurasse, pelo menos, correlacionar os resultados obtidos em exame com os resultados das avaliações ao longo do ano.

2005/04/03

Memórias da morte de Papas


A finalidade explícita deste blog é ajudar a que recupere memórias – e a morte de João Paulo II fez-me recordar o falecimento dos outros Papas. Embora já tivesse nascido, não podia lembrar-me da morte de Pio XI, em 1939. Já do falecimento de Pio XII, em Outubro de 1958, tenho memória clara. Tinha completado a parte lectiva da licenciatura e começava a preparar a minha tese, ao mesmo tempo que conseguira um emprego, na Administração-Geral do Porto de Lisboa. Recordo de em algumas igrejas penderem faixas negras nas portas.
Acompanhei com interesse o pontificado de João XXIII, mas curiosamente não me recordo da sua morte. Tive mesmo de ir a uma Enciclopédia ver qual a data: 3 de Junho de 1963. Não, não me recordo mesmo. Paulo VI, o novo Papa, vai ter um pontificado de pouco mais de 15 anos, vindo a falecer no dia 6 de Agosto de 1978. Estava, nessa altura, na Inglaterra, em Reading, onde frequentava um curso de língua inglesa antes de ir para Londres fazer uma pós-graduação em educação no Institute of Education. Havia um pequeno grupo de portugueses, e naturalmente acamaradávamos. Foi ao pequeno-almoço que soubemos a notícia da morte do Papa. Entretanto, o conclave iria decidir o novo Papa, que tomou o nome de João Paulo I, em finais de Agosto. O curso durou dois meses, e estava quase no fim quando um dia, ao descer para o pequeno-almoço, de novo ouvimos ”The Pope is dead!”. O quê! Podia lá ser! Mas era. O tema foi assunto de conversas, mas a urgência de ter em atenção outros assuntos fê-lo esquecer rapidamente.
João Paulo II ia iniciar o seu pontificado, que acabou agora, da forma que todos vimos. Compreendemos a emoção com que a maioria das pessoas acompanhou a prolongada doença do Papa, estimulada por uma comunicação social que, penso eu, está a exagerar a sua função; mas João Paulo II foi uma figura que se impôs muito também por essa comunicação social. Sejam quais forem as posições que cada um assuma em relação ao fenómeno religioso, ninguém pode esquecer que a Igreja é uma instituição da maior importância, e por isso o futuro próximo, com um novo Papa a ser escolhido no conclave deste mês, a todos interessa.