2005/06/17

Há semanas assim…


Já uma vez escrevi neste blog que não me sinto obrigado a uma presença diária: nem sempre os meus afazeres mo permitem. E esta semana foi uma daquelas em que a minha agenda tinha imensas parecenças com um menu de restaurante. Foi uma sessão integrada nas Jornadas da Prática Pedagógica dos futuros professores do ensino básico, foram sessões num grupo de trabalho que prepara o Regulamento para a aplicação dos EU (créditos europeus), duas audições para um processo de averiguações, duas reuniões das comissões especializadas a que presido, tudo isto até quarta-feira; na quinta fui a Lisboa participar num júri de mestrado, e hoje de manhã, a acabar a semana, mais uma reunião na Reitoria. Por isso foi tão escassa a minha produção e as minhas visitas aos blogs amigos. Espero recuperar no fim-de-semana. Durante as viagens Braga-Lisboa e volta pensei em vários temas que a minha memória quer recuperar. Um deles será relembrar uma viagem de automóvel entre Lisboa e Braga nos anos 70… Podia demorar umas sete horas! Ou entre Lisboa e Faro, pelo Caldeirão, demorando o mesmo tempo… Outros tempos.

As Crónicas na RUM (12)


No passado dia 10, vi pela televisão uma mini-manifestação que aguardava as personalidades que tinham assistido em Guimarães às cerimónias comemorativas do dia de Portugal, de Camões e das Comunidades. Eram certamente nossos alunos dos cursos de formação de professores, que protestavam contra as notícias divulgadas acerca da sua situação como estagiários. Creio que uma das faixas desfraldadas dizia mesmo que queriam estágios, o que aliás me parece não estar em causa.

Independentemente daquele discurso habitual que numa sociedade democrática todos os cidadãos têm o direito a manifestarem-se, vale a pena pensar nas razões que levem às manifestações. E tanto quanto me parece, aquela manifestação pecou por ser precoce. Na verdade, sabe-se muito pouco (à hora em que gravo esta crónica) sobre o que vão ser os estágios novo modelo. E o que se sabe, podendo levar a uma manifestação, não tem nada a ver com a não realização de estágios. A saber: os estudantes do 5º ano das licenciaturas em ensino vão deixar de ser considerados docentes e como tal cessam de ter direito a um vencimento; as actividades lectivas passarão a ser desenvolvidas em turmas de professores da escola (orientadores, ou como lhes queiram chamar).

Ora bem, a expectativa de em Setembro passarem a ter um vencimento e não o terem pode constituir motivo para manifestação (sobre isso poderemos falar mais tarde). Alterar o padrão do estágio, neste momento, não deve constituir motivo para contestar (por isso a minha surpresa por os manifestantes dizerem que queriam estágios, porque os vão ter).

Serão melhores? Piores? Aí, só depois de definida a praxis se pode argumentar. Mas posso desde já avançar alguns considerandos. Muito poucos países no mundo têm um estágio tão longo como Portugal, ou seja, um ano lectivo completo. Ainda que à primeira vista possa parecer que deva ser assim, porque é a melhor maneira de colocar o estagiário “em situação”, vendo o desenvolver de uma turma ao longo do ano, sendo responsável integral pelas aprendizagens dos seus alunos, tudo sob a supervisão de duas tutelas – escola e Universidade – a verdade é que muitas vezes este esquema tinha escondidas muitas ratoeiras. Nem sempre a dupla supervisão funcionava bem, nem sempre o orientador cumpria, e, finalmente, nem sempre o estagiário, a iniciar-se numa actividade para a qual terá muita teoria mas pouca prática, se sentia seguro. Isto para não falar nos casos em que não havia turmas das disciplinas por escassez de alunos ou quando os estagiários tinham de ir para terras longínquas, com graves prejuízos para eles e, digamos, para a própria Universidade.

Repito: não sei se as decisões do Ministério irão numa direcção certa ou não; o que não se pode é, antes de as conhecer, contestar. A questão do pagamento é outra coisa, mas nada tem a ver com a pedagogia; se há medidas que impõem austeridade, devem ser distribuídas, e desta vez calhou a sorte a alunos universitários que, contrariamente a colegas de outros cursos, tinham estágios remunerados.

O assunto não se esgota hoje; a ele voltarei, em breve.

Até para a semana.

2005/06/15

Cuidado com o que se diz…

De uma pequena conversa numa mini-reunião recordei hoje uma poesia de Vítor Hugo que aprendi de cor, e ainda sei de cor, na aula de Francês do professor André Velasco, no Passos Manuel, há… uns cinquenta e cinco anos. Intitulava-se “Le mot” e é assim.

Braves gens, prenez garde aux choses que vous dites!
Tout peut sortir d'un mot qu'en passant vous perdîtes;
TOUT, la haine et le deuil !
Et ne m'objectez pas que vos amis sont sûrs et que vous parlez bas.

Écoutez bien ceci:
Tête-à-tête, en pantoufle,
Portes closes, chez vous, sans un témoin qui souffle,
Vous dites à l'oreille du plus mystérieux
De vos amis de coeur ou si vous aimez mieux,
Vous murmurez tout seul, croyant presque vous taire,
Dans le fond d'une cave à trente pieds sous terre,
Un mot désagréable à quelque individu.
Ce MOT – que vous croyez que l'on n'a pas entendu,
Que vous disiez si bas dans un lieu sourd et sombre –
Court à peine lâché, part, bondit, sort de l'ombre;
Tenez, il est dehors ! Il connaît son chemin;
Il marche, il a deux pieds, un bâton à la main,
De bons souliers ferrés, un passeport en règle;
Au besoin, il prendrait des ailes, comme l'aigle!
Il vous échappe, il fuit, rien ne l'arrêtera;
Il suit le quai, franchit la place, et caetera.
Passe l'eau sans bateau dans la saison des crues,
Et va, tout à travers un dédale de rues,
Droit chez le citoyen dont vous avez parlé.
Il sait le numéro, l'étage ; il a la clé,
Il monte l'escalier, ouvre la porte, passe, entre, arrive
Et railleur, regardant l'homme en face dit:
"Me voilà ! Je sors de la bouche d'un tel."

Et c'est fait. Vous avez un ennemi mortel!


Não é um poema notável?

2005/06/14

Lembranças de 75


A morte, tão próxima no tempo, de Vasco Gonçalves e Álvaro Cunhal, faz-me recuar trinta anos e pensar nesse ano meio louco de 1975, em que esses dois homens estavam no centro das atenções e dos receios de uma maioria clara (que sempre o foi) de portugueses que estavam com a Revolução mas não com as ideias que ambos defendiam para o futuro de Portugal. Tudo passou, felizmente (digo eu) e hoje não haverá lugar senão para respeito para com as duas personalidades que cessaram a sua passagem na terra, até porque foram sempre coerentes e terão morrido pensando que tinham razão. Temos, os que continuam vivos, de prosseguir o caminho certo para demonstrar que não tinham, como vimos fazendo desde 1975…

2005/06/12

Há vinte anos e hoje


Entrada curta: apesar de tudo o que hoje é nebuloso, vale a pena comemorar os vinte anos de Portugal na União Europeia (porque Portugal, na Europa, já está lá vai para nove séculos). Vale a pena, para quem pode, comparar o Portugal de hoje ao Portugal de há vinte anos, mesmo para quem desvalorize o “cimento”. Erros no percurso? Muitos. Na minha área de interesse e em muitas outras. Mas com os erros se pode aprender, e talvez tenhamos chegado ao ponto de viragem (os actuais tempos difíceis são um teste em relação ao que queremos ser no futuro).

Eu e os livros


A minha relação com os livros é muito intensa. Comecei a ler muito cedo e antes de ler já a minha irmã me lia livros infantis (quem, da minha geração, não se lembrará da "Colecção Manecas"?). Depois, devo ter lido quase tudo o que a modesta biblioteca da nossa casa (entenda-se: de casa dos meus pais) possuía. Ela foi crescendo à medida que eu próprio cresci. Quando vim estudar para Lisboa, e em especial quando entrei no curso complementar dos liceus, ir às livrarias do Chiado (a Portugal, a Sá da Costa, a Bertrand, e até uma especializada em livros usados, a Moreira & Almeida, da Rua Anchieta) e à Feira do Livro, em Junho, era uma obrigação. Comecei nesses tempos a formar a minha própria biblioteca, porque embora o dinheiro não abundasse havia livros que não eram muito caros e eu conseguia gerir bem a austeridade. Recordo-me que quando comecei a trabalhar (e como professor o meu primeiro vencimento foi de 4 mil escudos mensais, de que recebia, após descontos, 3 731 escudos – para quem queira uma conversão para euros, corresponderiam hoje a € 18.61!) todos os meses punha de parte 10% dessa quantia para comprar livros. O crescimento da minha colecção de livros está datado. De princípio foi a Literatura a privilegiada; depois, a História e a Filosofia; logo a seguir, a Arqueologia (tenho livros excelentes publicados nos anos 50 e 60). Só depois veio a época da Psicologia (que esfriou tempos depois) e da Educação, simultaneamente com muitos policiais – da "Colecção Vampiro" tenho mais de duas centenas. Só que isso teve como consequência um relativo abrandar de compras de livros de outras áreas, compensada pelos interesses de minha Mulher, que revigorou a área da História (sobretudo de História de Arte) e também a de Literatura. Hoje, com os livros divididos por duas casas, em Braga e Lisboa, penso muitas vezes que eles constituem excelentes documentos para a história da minha vida.

Por que me lembrei de escrever sobre livros? Porque ontem dei conta que os livros que o Público está a publicar aos sábados (a colecção “Os poemas da minha vida”) tinham uma característica que há muito desapareceu: não vêm guilhotinados, e o leitor é convidado a abri-los com uma faca para papel. Confesso que nem compulsara as edições anteriormente publicadas (os livros estavam lá, mas não lhes tocara!) por isso a minha surpresa agradável. É que “abrir” os livros era uma tarefa que me agradava, pelo característico cheiro ao papel, pela possibilidade de ler aqui uma linha, ali um parágrafo, ou dar uma olhada a uma figura. Abrir o livro era como o legitimar do acto de posse.

Estive para resistir a escrever “Bons tempos!” mas sempre escrevi. É que para mim foram, na verdade, bons tempos, embora reconheça que é mais prático comprar um livro e tê-lo pronto a usar.