2005/02/26

Reflexões sobre educação (1)


Uma das razões por que me decidi, após quase dois anos de relativa indiferença em relação aos blogs, a cativar o meu lugarzinho na blogosfera, foi ter-me apercebido que este meio ir-me-ia permitir “conhecer” pessoas com ideias interessantes, semelhantes e diferentes das minhas, com as quais podia dialogar mesmo quando não comentasse um post. Isso aconteceu e representa um desafio muito interessante ao qual, na medida das minhas possibilidades, porque tenho alguns limites de tempo, vou procurar responder. Este post nasce, assim, porque em Acontecências Paulo Lopes publicou um excelente texto com um título que considerei (e não só eu) infeliz: “Charlatanices da Pedagogia no Ensino Superior e não só... (Ciclo da Pedagogia I)”. Podemos discordar num ponto e concordar noutro, ou em muitos: neste caso a discordância nem será muita, mas levou-me a reagir e a prometer um texto que, aliás, já fora prometido noutra instância. Desde que na discussão de ideias a discordância seja civilizada, todos lucramos com ela.
O texto que segue pretende dar uma visão genérica sobre a minha posição em relação à educação, visão actual, digo desde já, porque ao longo da minha vida tenho mudado em certos aspectos, embora tenha conservado muito da minha base de partida.
É natural e até de certo modo salutar que existam opiniões divergentes sobre os diferentes aspectos da educação. E existem opiniões porque não há certezas. Em larga medida, a educação não é cientificamente alicerçada, embora diversas ciências contribuam para a possibilidade de se errar menos. Embora desde sempre tenha sido relutante àquela ideia de que a educação é arte, reconheço que por vezes parece que seja.
Tudo começa quando se pretende definir (a palavra “definir” é, desde logo, ingrata) educação. Não vou aqui desfiar um rol de definições, mas é fácil perceber a diferença entre os que pensam que o fim da educação é aprender “matérias” e os que defendem que a finalidade máxima da educação é o desenvolvimento pessoal e social do aluno. Ou entre os que se preocupam em fazer da educação o espaço e tempo ideais para preservar o património do passado e os que desejam em especial que os alunos se preparem para o futuro. Dir-se-á que podem sempre compatibilizar-se estas diferentes visões, mas não é fácil e, em meu entender, uma delas prevalecerá sempre).
Perante este quadro, desde logo se põe uma dúvida: quando se forma um professor (porque o professor é um profissional, e uma profissão subentende um perfil que se lhe adeqúe) para que “tipo” de educação deve ser orientado? Esta pergunta é quase dramática, pelo menos para mim, porque defendendo igualmente que o professor tem de ser um profissional autónomo não vejo como limitar essa autonomia a não ser com base em argumentação científica e ela está naturalmente ausente quando se especula sobre as finalidades da educação.
De qualquer modo, há sempre uma resposta para a dúvida que enunciei. Porque a educação é uma obrigação nas sociedades democráticas compete aos Estados, respeitando a vontade das maiorias, ficar as finalidades dos seus sistemas educativos e, por extensão, da educação em geral. É nesse quadro que, de certo modo, se põem limites à autonomia do professor (mas sobre isso espero, também, ter ocasião para desenvolver mais o meu pensamento em post posterior).
Contudo, o grande problema consiste traduzir a vontade política dos governos em resultados práticos. Quando a actual lei de bases do sistema educativo (Lei nº 46/86, de 14 de 14 de Outubro) estabelece que o sistema educativo deve contribuir “para o desenvolvimento pleno e harmonioso da personalidade dos indivíduos, incentivando a formação de cidadãos livres, responsáveis, autónomos e solidários e valorizando a dimensão humana do trabalho” (nº 4 do art.º 2º) e ao mesmo tempo que “o Estado não pode atribuir-se o direito de programar a educação … segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas” (alínea a) do nº 3 do mesmo artigo), ficam abertas todas as portas para que o processo educativo e, dentro dele, os procedimentos que envolvam a aprendizagem dos alunos, sejam diferentes.
E – este é o meu ponto porventura mais importante – tem de ser mesmo assim, porque a educação em si não pode ser convertida em objecto de lei, por motivos que já aduzi anteriormente e por aqueles que vou expor agora.
Embora ninguém discorde que cada criança (ou adolescente, ou adulto) é diferente de todas as outras, em termos de educação tende-se quase sempre, se não a esquecer isso, pelo menos a não o considerar quanto aos meios de a proporcionar. A escola é uma instituição que privilegia o tratamento colectivo e, mesmo, a ter por vezes uma tendência uniformizadora. Em linguagem dos nossos dias, eu diria que a escola tende a “formatar” os seus alunos. Não digo que em larga medida essa maneira de actuar não tenha aspectos positivos na socialização dos alunos e na aquisição de hábitos de disciplina indispensáveis. Eu defendo as turmas tradicionais como um excelente meio de integração social. Mas tenho as maiores dúvidas que o desenvolvimento do processo de aprendizagem dos alunos (pelo menos de uma boa parte deles) seja beneficiado pela situação de estar numa turma se o professor não adoptar princípios de individualização, os quais, diga-se, são em princípio compatíveis com o ensino em classe se ela não for muito numerosa.
Há um velho adágio inglês que diz mais ou menos assim: “Se queres ensinar Latim ao João, tens de saber (know) Latim, mas tens de conhecer (know) o João”. O professor que perante uma classe trata por igual todos os alunos arrisca-se a ter uma prolongada história de insucesso. Claro que isto é mais sensível nas primeiras idades do que em fases mais adiantadas da escolaridade; mas mesmo nessas (superior incluído) o conhecimento do tipo de aprendizagem mais conveniente do aluno pode facilitar em muito a tarefa de orientação do professor.
Sendo assim, um professor, independentemente da sua posição filosófica ou mesmo ideológica, terá profissionalmente de adoptar uma atitude moldável a um certo ecletismo, no qual poderá inclusivamente assumir posições aparentemente contraditórias – como por exemplo oscilar entre o tecnicismo e o humanismo (termos usados no texto de Paulo Lopes).
O professor é um profissional. E logo aqui terei quem se interrogue, porque para muitos “nasce-se professor”, “ensinar é uma arte”, isto para não falar naquela ideia de que o professor é um missionário, ideia que sempre recusei. Aceito que certas características de personalidade, porventura inatas, ajudem alguém a ser melhor professor, aceito ainda que de algum modo o professor tenha comportamentos que o aproximem do actor. Mas o professor tem de aprender a sê-lo, em rigor aprende isso ao longo da vida. O que é que distingue um profissional de um não profissional (amador)?
Direi que um profissional é um trabalhador especializado e por isso competente; trabalha e recebe salário por trabalhar; é responsável pelo trabalho que executa. O amador, pelo contrário, deve (em princípio) ser menos competente, em princípio não recebe salário, e por isso a sua responsabilidade é diminuta.
Um professor teve de adquirir conhecimentos e competências altamente especializadas; necessita de actualização permanente; tem uma altíssima responsabilidade social expressa na autonomia que, quer queira quer não, tem de exercer; tem por isso uma vida desgastante.
Naturalmente que estou a pensar em bons profissionais. Há, evidentemente, maus profissionais. Como em todas as profissões. Não penso todavia que exista uma ideia generalizada de que a maioria dos professores seja constituída por maus profissionais e muito menos por charlatães.
A formação de professores tem sido acautelada a todos os níveis excepto no ensino superior. Realmente, um professor universitário pode não ter formação pedagógica. É lamentável que assim seja. Mas curiosamente tenho verificado que nos últimos tempos se tem verificado um interesse e desejo de mudança em relação ao preconceito de, na Universidade, ser mais importante o saber científico do que o modo de fazer com que os alunos aprendam a ciência. Mas também é verdade que um aluno universitário deve ter uma capacidade construída ao longo dos anos para ser capaz de auto-aprendizagem. Por mim falo: tive nas Universidades onde estudei (Lisboa, Londres, Iowa) excelentes professores e perfeitas nulidades. Mas tudo o que aprendi devo-o essencialmente a mim.
Este post já vai longo. Decido por isso pôr um (1) à frente do título antecipando mais algumas considerações que venha a fazer.

2005/02/23

Errático…


Numa pausa em edição de posts (por causa de um dia de intenso trabalho mais uma viagem a Lisboa) tomei consciência ontem, ao ler um jornal, que, nos últimos tempos, uma palavra raramente usada começou a ter uma visibilidade enorme. Ela surgiu a propósito do Dr. Santana Lopes, e (posso estar enganado) o primeiro comentador que julgo a usou foi Pacheco Pereira. Depois, foi o contágio! Não houve quem não empregasse o termo "errático" em relação ao comportamento do então primeiro-ministro! Ontem, ao ler uma notícia qualquer que nada tinha a ver com Santana, lá vinha o “errático” (sendo certo que a palavra podia ter sido substituída por outra). É certo: na linguagem há modas… Quem se lembra (têm de não ser jovens…) da moda, nos princípios dos anos 70 do século passado, de se iniciar o discurso normal com um “Pois…”? E a palavra incontornável, que é, actualmente… incontornável?
Bom, hoje é apenas para dizer que estou vivo e não esqueci os meus compromissos de abordar temas que estão prometidos. E, no campo do que comprometo, não costumo ser… errático!

2005/02/20

Educação e Computadores


O fim-de-semana foi rico em notícias no âmbito da educação que apetece comentar. Quando ontem li esta notícia no Público, comecei por ficar perplexo; depois, penso que percebi que foi o jornalista que no desejo de ter um título apelativo foi sensacionalista. “Computador substituirá cadernos e livros em 150 escolas até final do ano” – era o chamariz. Claro que não vai ser nada disto, nem deveria nunca ser nada disto. O que vai acontecer, se o projecto “Escolas Navegadoras” vingar, é que vão ser distribuídos pelas escolas computadores portáteis (diz-se na notícia “a todos os alunos”) e criadas nas escolas condições optimizadas para o uso das tecnologias digitais (quadro interactivo, acesso à Internet “wireless”, etc.). O projecto tem agora um início experimental em escolas de Avelar e de Arouca. Regozijo-me pelo projecto e não posso deixar de ligar estas palavras às que deixei no meu post de ontem: porque, ao que parece, estas escolas se candidataram, mostrando assim capacidade de liderança indispensável ao êxito. Anoto ainda que, pelo menos no fim da sua permanência no Governo, a Ministra da Educação teve palavras sensatas, ao dizer que as coisas interessantes que viu em escolas foram sempre fruto do esforço das próprias escolas (não vou ser cínico e dizer que sempre aprendeu alguma coisa na sua tarefa de governante, prefiro cumprimentá-la por, pelo menos na hora da despedida, ter dado aos professores um reforço positivo e de algum modo ter demonstrado que compreendeu as fragilidades do seu Ministério).
Mas volto ao início. Este projecto, e todos os outros que têm existido e vão existir no futuro com o objectivo de dotar as escolas com as tecnologias evoluídas, vai contribuir para melhorar as aprendizagens, mas não vai eliminar livros, cadernos ou professores. As tecnologias vão mudar a escola – digo-o há uns bons vinte e tal anos – mas não a vão eliminar. É excelente visitar um Museu virtualmente – mas essa visita não substitui a real; pode bastar numa emergência, mas não terá os mesmos efeitos. O mesmo se diga de simulação de experiências no laboratório.
Bom: tudo isto por causa do título da notícia. Ter a tecnologia nas escolas é muito bom, mas não pensemos que devemos desinvestir em bibliotecas ou em ter suportes de papel para continuar a tomar notas…