2005/03/23

As férias da Páscoa


Não são bem férias. São uns dias, de quinta a segunda, nos quais a Universidade hiberna, e que vou aproveitar para descansar. Descanso total: para onde vou passar estes dias, à beira-mar, não vou levar computador, mesmo antecipando as centenas de mensagens de e-mail que vão entupir a minha caixa de correio e que terei de gerir no meu regresso. Não vou, por isso, visitar blogs, nem eu próprio “blogar”.

Ao mesmo tempo que tomava esta decisão, pensei que era interessante reflectir sobre o meu relacionamento com a blogosfera.

A Memória Flutuante tem 2 meses; é mais do que tempo para uma análise.

Continuo a achar curiosíssimo este mundo a que aderi. Por vezes, mesmo fascinante. Como professor, sempre gostei de comunicar. Sempre escrevi muito: quando mais novo era um grande epistológrafo, característica que fui perdendo com a idade. Nunca tive, no entanto, um grande apelo para publicar o que escrevia. E mesmo quando me decidi a enveredar pela vida académica, pressionado pela necessidade, cumpri sempre os “serviços mínimos” (se posso brincar), tolhido por um lado pelo pavor de publicar o irrelevante ou o repetitivo, e por outro por medir com muito cuidado qualquer texto, numa ânsia não direi de perfeição mas de rigor, o que é muito esgotante. Ora o blog apareceu-me justamente como um meio em que posso (ou sinto que posso) ser mais espontâneo e menos comprometido, se me é lícito expressar assim. Estes textos são escritos de um jacto, quase não os releio, eles aparecem-me como qualquer coisa que me pertence e que eu deixo que outros leiam sem ter a preocupação de serem textos impecáveis, sujeitando-me de boamente a críticas, e desejando sempre que possa haver diálogo.

Como “blogger” é evidente que gosto de visitar os meus parceiros. Infelizmente, não tenho muito, muito tempo, e por isso as visitas são por vezes espaçadas. A pouco e pouco tenho referenciado os blogs que eventualmente mais me interessam pelo seu conteúdo, sendo naturalmente a educação o meu campo preferido, educação latu sensu, não só a educação no âmbito do ensino superior mas toda ela. Não os devo ainda conhecer todos. Há também outros blogs que me cativam, os que têm uma orientação política.

Tenho conhecido, sem conhecer (salvo uma excepção), personalidades muito interessantes, com quem apetece ter um diálogo, para conferir ideias, mesmo (ou principalmente) divergentes. Não tenho sido, porém, um grande comentador. Só “entro” quando julgo que posso contribuir para o esclarecimento de um ponto (dando a minha visão, claro). Por vezes apetece-me intervir quando encontro pessoas que destilam ácido – aquelas para quem tudo está mal, que só sabem na crítica salientar o que não está bem, que parece odiarem a vida. Não o faço porque acho que não tenho esse direito; o facto de ser optimista não me deve levar a brigar com os pessimistas…

Não me tenho preocupado muito em publicar posts diariamente (como escrevi num comentário a um confrade, há pouco tempo, não me quero tornar num blogger profissional…). Acho interessante saber que sou lido – e que sou lido na América, na África, na Ásia! – mas não estou obcecado pelo “site meter”…

Penso que vou continuar assim; pode ser que, depois de terminar as minhas actividades académicas – o limite de idade aproxima-se… – eu reveja as minhas relações com este mundo fantástico dos blogs. Por agora, vou estar cinco dias ausente.

Boa Páscoa para todos.

Mais sobre a avaliação no ensino superior


Um artigo de hoje, no Público, que pode ler aqui, é de algum modo complementar da minha entrada de ontem. Porque as dúvidas legítimas a que me referia e não explicitei estão nesse artigo definidas. Eu sei que há constrangimentos vários, a começar pelos financeiros, para que se possa alterar o quadro dos painéis de avaliadores, mas isso não pode impedir que se diga claramente que o sistema está longe de satisfazer.

2005/03/22

Avaliação internacional do ensino superior


Esta foi uma das notícias provenientes do debate do programa do Governo de ontem – que não pude seguir, claro está, mas de que fui informado pela rádio, pela televisão e hoje pelos jornais. No Público (pode ler aqui) veio uma das notícias importantes (para mim). O ministro Mariano Gago, de quem espero decisões inteligentes, anunciou a primeira. Não tenho tempo para elaborar muito sobre ela. Avaliando a avaliação até agora produzida no âmbito do ensino superior (cursos) não posso deixar de aplaudir que se passe à avaliação “de todo o nosso sistema de ensino superior, público e privado, universitário e politécnico”, uma avaliação internacional, conduzida “de forma independente, transparente e exigente”. Porque o que se tem feito até agora terá os seus méritos, mas deixa algumas dúvidas legítimas, e não abrangeu senão uma pequena parte das instituições de ensino superior. Espero que dentro de alguns anos se possa ter de Mariano Gago em relação ao ensino superior a mesma opinião elogiosa que a esmagadora maioria dos investigadores tiveram de Mariano Gago como Ministro da Ciência e Tecnologia.

2005/03/20

Uma vez mais, Barreto

De tempos a tempos, António Barreto escreve sobre educação. António Barreto é um homem inteligente e por isso deve ter-se em atenção o que escreve, mesmo que não se concorde com ele (e, por motivos para mim óbvios, não tenho concordado muitas vezes). Ora hoje, António Barreto publica no Público mais um artigo, que intitulou “Sete pecados capitais”, que, se lhe passou, pode ler aqui.
Curiosamente concordo desta vez com algumas das suas análises. E vou permitir-me, neste post, dar conta da minha leitura, das minhas concordâncias e discordâncias. Começo por dizer que Barreto vem dar razão a uma das minhas convicções: que tem havido, ao longo dos últimos quase 40 anos, um grande consenso em relação às políticas educativas. Havendo esse consenso, não haverá alguma razão para ele?

Enumero, em seguida, os pontos de acordo, seguindo a lista dos “pecados” por ele referidos.

É verdade que o dinheiro não é a solução para a educação. Tal como se costuma dizer que o dinheiro não traz a felicidade, eu diria que em educação o dinheiro não é o fundamental. Há desperdício, de facto, a todos os níveis, desde os equipamentos caros que apodrecem sem uso a formações caras sem qualquer retorno para quem delas deveria beneficiar. Conclusão: tem havido alguma incúria no modo como se gasta o dinheiro na educação.

Em relação ao número de professores, claro que há professores a mais, mas neste ponto não penso que alguém julgue que isso seja necessário para a educação; o que tem havido é um péssimo planeamento tendo em vista as necessidades e uma enorme complacência dos Governos em aceitar que se continuem a abrir cursos de formação.

Centralização: uma vez mais, acordo absoluto. Sempre fui contra e mesmo quando trabalhei nos serviços centrais do Ministério sempre defendi uma maior autonomia das escolas e um papel activo das autarquias. Um dia contarei uma história interessante acerca de como por vezes resolvia situações que me eram postas.

Por arrastamento, estou de acordo com a ideia de as escolas funcionarem em sistema fechado e de viverem em instabilidade. Salvo raras excepções, as escolas cultivam uma política de desculpabilização permanente, fecham-se por demais à sociedade – a começar pelas famílias dos alunos. O não se resolver o problema da colocação dos professores de modo a dar mais permanência a quem ainda não tem um estatuto de efectividade é um dos maiores males da educação.

Vou agora falar dos dois pecados que, em sete, Barreto considera como tal e eu não.

Para ele, as modas são um pecado. Antes de mais, ainda que possa anuir que há “modas” em pedagogia (como aliás em todos os sectores da vida social, mesmo que exista suporte científico para elas) elas não devem ser consideradas um mal em si, e as eventuais consequências negativas devem ser atribuídas a outros factores (que derivam dos outros pecados com os quais concordei) e não à moda em si. António Barreto, por exemplo, considera o “facilitismo” como a coroa da glória dessas modas. Ora ninguém com conhecimentos sérios no campo da educação advoga o facilitismo. Penso que nunca terá lido qualquer texto responsável que o autorize a dizer isto. Alguns aspectos que ele enumera como manifestações desse facilitismo podem ser enunciados sem a ele conduzir. Estudar pode ser um prazer, há momentos na escolaridade em que a reprovação não deve existir, os exames podem ser, de facto, fonte de stress. Quando um professor procura conhecer o estilo de aprendizagem de um aluno para lhe proporcionar um processo de estudo mais profícuo não está a facilitar mas a ajudar. Quando se define que ao nível do ensino básico a reprovação deve ser evitada há de facto uma protecção à criança – no sentido de não lhe retirar mais oportunidades de aprender. Quando se tenta substituir o exame por outras formas de avaliação mais equitativas (mesmo sem stress, o exame tem aspectos questionáveis em si) não se está a anular a necessidade de algum controlo das aprendizagens.
Continuando a análise, onde terá Barreto lido que “os professores e os estudantes são iguais em responsabilidades, direitos e deveres”? que “os «saberes» e as «competências» são mais importantes do que os conhecimentos e o treino”? e que “a cultura geral e os clássicos, numa palavra, a educação «livresca», são privilégios das classes favorecidas”? Diz eles que estes são disparates feitos políticas. Não conheço nenhuma política que iguale as responsabilidades, direitos e deveres de professores e estudantes, nem sequer na Universidade. Ao assumir um ensino-aprendizagem baseado em competências nunca se puseram em causa conhecimentos (que são saberes?). E também não me recordo de alguma vez ter visto a defesa dessa tese estranha de que a educação ”livresca” seja privilégio de classes favorecidas… (a educação livresca deve ser banida para todos, porque não é ela que “dá” cultura, e não por ser privilégio de classe).

Referirei finalmente o último pecado, o da gestão democrática. Não deixo de reconhecer que reveste problemas, como acontece em qualquer situação democrática (o tal sistema que não sendo perfeito é o menos mau…), mas aquela ideia de pôr nas escolas gestores ditos “profissionais” não me seduz.

No final do artigo, António Barreto vem de novo enumerar os responsáveis pelos males da educação, os pecadores, portanto, nos quais inclui muita gente (eu também lá estou, em algumas categorias que ele define: não como político, não sei se como burocrata, na sua visão, mas certamente como “especialista”, embora recuse sê-lo, e também como professor que já foi duas vezes eleito pelos seus pares e numa vez também como o voto de estudantes). Só que o resto do seu discurso enferma daquele defeito comum a quem, chamando aos outros demagogos, acaba por ser também demagogo, ao assacar a todos a responsabilidade de tornar a escola uma instituição fechada, escorraçando os que do exterior poderiam vivificá-la. Não são todos os que assim procedem. Há, no mundo global da educação, muitos protagonistas responsáveis. Que lutam contra a situação existente com armas limpas. Há muito a mudar? Há. Devem ser definidas, a nível do Governo, políticas que tendam a eliminar aqueles pontos negativos que acima enunciei? Devem. E devem sobretudo ser definidos critérios para os graus de liberdade que têm de existir, tanto nas escolas como em relação aos professores, com os consequentes termos de responsabilidade que a sociedade deve exigir a quem tem nas suas mãos a educação dos seus filhos. E até aí continuo a estar de acordo com António Barreto.

Não se pense, todavia, que é fácil essa mudança. Não é difícil a critica nem talvez seja difícil enunciar remédios. O que não é fácil é pô-los em prática.