2005/12/27

Os lugares onde vivi – Covilhã (1965)


A minha memória atraiçoou-me ontem, porque, seguindo a cronologia, em Setembro de 1965 ainda vivi onze ou doze dias na Covilhã, porque, na expectativa de ter ainda uns dias de vencimento (e de tempo de serviço!) concorri para fazer serviço de exames da segunda época, que decorriam, creio, entre 20 e 30 desse mês. Ainda tive esperança de ser colocado no mesmo liceu para onde iria como agregado, mas não. Covilhã, foi o meu destino. E lá fui, pela linha da Beira Baixa, acompanhando o Tejo, num vagar típico dos comboios daqueles tempos.

Instalei-me numa residencial no centro da cidade, que já conhecia. O que lembro desses breves dias não é muito. Profissionalmente não tive muito que fazer, uma meia dúzia de exames de História, ver provas escritas e orais, apenas. Ainda não havia o liceu novo, tudo funcionava no alto da cidade, num edifício adaptado. Aliás, a frequência não era grande. A cidade, com a sua topografia característica, “sempre a subir” (e como é evidente, sempre a descer também…), tinha pontos interessantes, com paisagens a perder de vista, que explorei devidamente, até porque tinha muito tempo livre. Era uma cidade simpática mas ao tempo muito parada.

Ainda existia o célebre Café Montalto, na praça do Município, a que me acolhia depois do almoço e do jantar para o café da praxe. Recordo-me que embora fosse Setembro o tempo refrescou bastante, e dias antes de me vir embora aconteceu nevar na Serra.

Ao fim dos poucos dias de estadia, assinados os livros de termos, regressei num dia a Lisboa para, no outro, partir para Aveiro.

2005/12/26

Os lugares onde vivi – Coimbra (1964 – 1965)


No dia 3 de Janeiro de 1964 comecei o meu estágio em Coimbra, e na Atenas portuguesa, que parece já era assim conhecida desde o século XVI. Coimbra não era uma cidade desconhecida, já por lá passara muitas vezes, mas nunca ficara por muito tempo (recordo-me de uma vez, andava eu no meu 4º ano da Faculdade, ter ido visitar um colega que "fugira" de Lisboa para Coimbra e ter dormido uma ou duas noites na casa onde vivia, bem na Alta). Regressado um pouco à vida de estudante, até porque ia passar dois anos sem ter vencimento (como a formiguinha, poupara algum dinheiro para a ocasião), aluguei um quarto mesmo em frente ao então chamado Liceu D. João III, que depois do 25 de Abril retomou o nome do velho patrono, José Falcão. Embora no 2º ano tenha mudado de quarto não mudei de zona; continuei a ver todos os dias o Liceu porque me desloquei apenas uns cinquenta metros, se tanto.

Em posts anteriores já falei do meu estágio, lembrando como em Maio de 1965 fizera os exames de saída e de Estado. Hoje o meu intuito é recordar Coimbra como local para viver. Cidade de extremos, digo já: passei em Coimbra os maiores frios, mesmo sem neve, e os maiores calores. Lembro que uma noite, em Julho, o ar era tão sufocante que parecia que uma força estranha me impedia de respirar.

Fora isso, Coimbra foi uma cidade simpática, surpreendentemente acolhedora e agradável. Quando era estudante em Lisboa tinha, como muitos colegas meus, uma certa desconfiança para com o “espírito coimbrão”; tenho de admitir que era uma visão errada.

Coimbra, na altura evidentemente mais pequena do que hoje, apareceu-me como uma cidade onde tudo me parecia perto, ainda que o sobe-e-desce constante fosse cansativo. Mas se precisava de ir a uma das bibliotecas, ou a uma Livraria da Baixa comprar um livro, ou apenas “desanuviar”, em dez, quinze minutos, chegava onde queria. Os eléctricos eram um bom meio de transporte. Havia imensos lugares onde se podia almoçar ou jantar em conta (não direi que a comida fosse 5 estrelas, mas era razoável). E gostei francamente do ambiente académico de Universidade, que não existia em Lisboa, onde as escolas eram longe umas das outras e onde não convivíamos a não ser com os colegas de curso. No Café Atenas, onde tinha a maior parte das refeições, rapidamente acamaradei com estudantes (eu não era substancialmente mais velho que eles) mas também com colegas já formados que alimentavam, ali, a continuação de tertúlias de outrora.

Para não fugir à regra, foram dois anos muito trabalhosos, com a agravante de, pouco tempo depois de ter começado o estágio a sério (isto é, a “dar” aulas) ter adoecido gravemente, com uma crise de reumatismo articular agudo, que durante mês e meio me afastou do estágio e de Coimbra (como já referi em post de Maio deste ano). Parece que da doença não ficaram sequelas pelo menos visíveis, e alguns meses depois sentia-me forte como dantes.

O ritmo do trabalho impôs-me a necessidade de muitas vezes sair sem destino, “vagueando” pela cidade, apenas para relaxar. Como não vivia muito longe do Penedo da Saudade os meus passos para lá se dirigiam, ou para Celas, muito mais do que para a Baixa.

Guardo da Coimbra onde fiz estágio memórias maioritariamente agradáveis, e não posso deixar de pensar que muito da afectividade que me liga à cidade tem a ver com a própria actividade bem sucedida, a nível profissional mas também a nível das relações com as pessoas com quem mais me dava, que foram excelentes. No final do estágio, acalentava mesmo a ideia de poder continuar no Liceu, porque era regra o Reitor convidar os melhores estagiários para continuarem, como agregados, no Liceu. Isso não aconteceu, porém: aos olhos do Reitor eu devia configurar um potencial (senão actual…) pró-comunista, como fora mais ou menos patente quando da minha intervenção na chamada conferência pedagógica a que éramos obrigados, e em que eu cometi o grave delito de dizer que para o ensino da história contemporânea era importante a existência de uma imprensa isenta, dando como exemplos Le Monde e The Observer...

Por isso, no ano seguinte concorri e fui colocado em Aveiro.

2005/12/25

O Pai Natal


Terei alguma vez acreditado que o Pai Natal existia?

Não sei. Não tive educação religiosa mas aquilo a que em post anterior apelidei de liturgia profana existia em minha casa pelo Natal e lembro-me do sapato na chaminé e de ir na manhã de alguns 25 de Dezembro verificar que presentes lá tinha. Mas acreditar que alguém descesse pela chaminé… Bom, mas não posso afirmar com certeza que nunca acreditei.

De qualquer modo, assimilei, como nascido e educado num país cristão, o Natal como uma época especial, em verdade única, e a ideia de troca de presentes, de reunir a família mais próxima, enraizou-se ao longo dos anos. E uma vez mais a tradição se cumpriu, dei e recebi prendas, uma delas bem sugestiva para quem tem dá voz à memória flutuante: o livro Lisboa no cais da Memória -1954/1974, fotografias de Eduardo Gageiro, que me ajudam a concretizar o que eu próprio vi, vivendo na cidade que era a Lisboa desse tempo. Um documento de inegável valor histórico e artístico. Recomendo!

Vou, agora, saborear o resto do meu Natal. Sem problemas metafísicos…

2005/12/24

Os lugares onde vivi – (6) Lamego (1963 – Outubro a Dezembro)


Contava-se de Lamego, quando lá estive, uma anedota que, sendo auto-flageladora, tinha graça. D. Afonso Henriques ressuscitara e andava pelas terras que havia conquistado, surpreendendo-se, claro está, com o que o seu guia lhe ia mostrando: estava tudo tão mudado! Até que, ao chegar a Lamego, exclamava: “Olha! Lamego!” A anedota era já, mesmo nesse tempo, injusta, ainda que se reconheça que a cidade se desenvolvia precariamente.

Sabia que iria estar em Lamego apenas o 1º período de aulas e queria consagrar esse tempo a trabalhar já para o estágio. Afinal, os meus dois anos de Magistério tinham-me levado a trabalhar na área da psicologia e por extensão na educação, deixando de lado a história e a filosofia, que seriam as áreas do meu estágio. Tinha um horário bastante bom, só aulas de manhã e apenas turmas de História, curso geral e complementar.

Instalei-me na Casa de Santa Zita, ao tempo porventura o único lugar onde um professor podia ficar, atendendo à relação preço/qualidade; tinha outra vantagem, ficava perto do Liceu, um imponente edifício, construído e inaugurado nos tempos da Ditadura Nacional (existia uma placa a recordar-nos disso mesmo). Belíssimas instalações: até piscina tinha! Apenas se haviam esquecido de instalar um sistema de aquecimento, numa região onde temperaturas a rondar os zero graus são frequentes, Lembro-me de nas aulas os alunos estarem de luvas!

Gostei muito de estar em Lamego. Aproveitei bem o tempo na minha preparação para o estágio, e apreciei a pacatez austera da cidade, as paisagens lindíssimas, a que o Outono emprestou ainda maior riqueza. Em Dezembro, já perto da minha saída, caiu um nevão espectacular, que numa manhã deixara a cidade branca. Já nos anos anteriores, em Viseu, tinha visto neve, e em quantidade, mas nunca como na altura. Comportei-me como um garoto, um pouco como acontecera uns anos antes, quando, ao que creio, caiu o último nevão a sério em Lisboa: foi em Fevereiro de 1954, andava eu no último ano do Liceu, em ensaios da nossa festa de despedida, e recordo-me de ter vagueado pela cidade, subindo ao alto da Graça para ter a visão deslumbrante de Lisboa branca. Também andei pelas ruas de Lamego, quase desertas, naquele silêncio que é tão branco como a neve, em que apenas os nossos passos se distinguem.

Recordo de Lamego as longas conversas com colegas (com quem nunca mais estive, à excepção de um que, depois, chegou a ser secretário de Estado da Educação nos anos 80, o Dr. António Pina), as idas depois de jantar ao café/pastelaria Dalila, então recentemente inaugurado, o excelente presunto e a magnífica bola – e, por que não, o bom vinho da região e os espumantes das caves Raposeira, que visitei algumas vezes…

Tenho depois disso voltado a Lamego, normalmente de passagem, mas, por duas ou três vezes, para passar uns dias, instalando-me no Hotel do Parque de Nossa Senhora dos Remédios (que não existia em 1963). A cidade desenvolveu-se muito e já não haverá hoje o perigo de a reincarnação de D. Afonso Henriques a reconhecer.

2005/12/23

Natal feliz


Estamos no Natal e ontem dei por mim a meditar nos muitos natais que já vivi, e a perguntar-me se, sendo todos tão semelhantes na liturgia que os envolve, a religiosa e a profana, não seria capaz de quase os distinguir a todos. E cheguei à conclusão que apesar do excessivo formalismo com que encaramos a “festa” (é assim mesmo que os madeirenses se referem ao Natal, a “festa”) todos os anos ela se renova e, parecendo igual, é sempre diferente.

Desejo para todos os meus leitores que tenham também um Natal que será único – o de 2005 – com a paz e alegria possíveis.

2005/12/22

Os lugares onde vivi – (5) Viseu (1961-1963) (continuação)


Quando iniciei esta série tinha em mente conseguir “fotografar” os sítios onde vivi e não pensei que isso seria difícil sem recorrer a muitos dados pessoais, que no fundo implicam profundamente com a maneira como vemos e vivemos no meio em que estamos inseridos. Mas a verdade é que desde o primeiro momento a história da minha vida “colou-se” à descrição do local e acabo por concluir que tem de ser mesmo assim.

Por isso tenho de dizer algo mais em relação à minha estadia em Viseu.

Foi durante esses dois anos que eu ultrapassei a minha condição de professor “que queria ser professor” para me tornar no professor entusiasmado pela educação, empenhado em saber mais e em experimentar soluções para que os alunos tivessem êxito. Foi, também, o tempo em que percebi que tinha de lutar porque o meu campo de acção poderia estar minado, como aconteceu em Viseu, se não me conformasse com o estabelecido – e isso eu sabia que iria acontecer mais algumas vezes.

Como já disse, eu tinha de estudar muito porque embora não partisse do zero, a formação que tinha em educação era frouxa. Na Faculdade de Letras fizera, como toda a gente praticamente fazia, o curso de “ciências pedagógicas”, ouvira com admiração Delfim Santos (mas Delfim era um filósofo, gostávamos de o ouvir, mas era cedo para pôr a render a sua filosofia), mas verdade seja não tivera grandes exemplos de boa pedagogia… Fiel à ideia de que só eu era responsável pelo que aprendia, estudei. A disciplina que ia ensinar intitulava-se Psicologia Aplicada à Educação e tinha um “programa” muito aproximado à psicologia do Liceu, ainda tributária da psicologia das faculdades. Tive pois, antes de mais, de ajustar o meu estudo a esse programa. Comecei a conhecer autores dos quais só sabia, muitas vezes, o nome. Para além dos livros que me haviam sido indicados descobri outros, e familiarizei-me com o pensamento dos seus autores.
Tinha quatro turmas de cerca de 50 alunos cada. As minhas aulas eram assim testadas sucessivamente por quatro plateias. Eram alunos que teoricamente tinham acabado de completar o curso geral dos Liceus, portanto a maior parte muito nova. Eu saía generosamente fora das rubricas do programa, procurando ampliar a visão do mundo daquela juventude. Procurava ao máximo o diálogo, mas não deixava de expor, procurando ser claro, até porque o livro que existia, de um certo Escarameia (era mesmo o nome do autor) me parecia fraco, e eu englobava muitos conceitos e factos que ia colher no que estudara.

Um dia, expus brevemente as teorias evolucionistas, falei de Darwin. O que fui fazer! Pouco tempo depois, o director (com quem aliás me dei razoavelmente) veio com pezinhos de lã dizer-me que bem, compreendia que eu falasse de muita coisa, mas que tivesse cuidado, Viseu era um meio pequeno e acanhado, etc., etc. Franzi o nariz, quis saber mais, e compreendi que o professor de Moral da Escola, o Cónego Barreiros, fora informado das minhas “simpatias” darwinianas e “avisara” a direcção… E não só! Por pouca sorte, o médico escolar, que dava também Higiene Escolar, era “apenas” amigo de Salazar (Salazar era de Santa Comba Dão, perto de Viseu) e líder da União Nacional local… Chamava-se Armindo Crespo. Já se deveria ter apercebido, nas poucas conversas que havíamos tido, que não era propriamente um amigo do regime, conquanto não tivesse qualquer actividade política; mas um professor que falava de Darwin não se recomendava…

No final do primeiro ano houve, porém, um problema maior. Eu não fora professor do 1º ano e fui encarregado de ver as provas escritas do Exame de Estado de cerca de 150 alunos. Eram provas vindas do Ministério, com cotações estabelecidas, e dediquei-me ao trabalho com a mesma disposição de sempre: ser cumpridor e justo. Ao fim de uma vintena de provas, comecei a ficar preocupado. Algumas delas eram tão más, tão más, que não via hipótese de lhes dar classificação de passagem (a prova era eliminatória). Por mais que quisesse não podia, porque nem sequer era problema de interpretação: eram questões totalmente erradas ou deixadas em branco.

Se não me engano, dezasseis alunos iam ser reprovados. Antecipei tudo menos o que sucedeu. Na reunião, o Dr. Armindo Crespo insurgiu-se, vociferou, disse que “não podia ser, que não ia ficar assim”, e saiu da sala disparado. Tive aí – honra lhe seja feita – o apoio do director, que reconheceu que eu tinha razão.

Mas reprovaram mesmo os dezasseis, o que constituiu um escândalo porque creio que nunca tinha acontecido naquela escola. Não se pense que fiquei contente, e terá começado mesmo aí uma certa viragem do meu pensamento em relação à avaliação, pondo em causa os exames. Simplesmente eu não podia, se eles existiam, não cumprir com o estabelecido. E por isso não alterei as classificações, como no fundo queria o Dr. Crespo.

Todavia, a minha situação tornou-se periclitante. A partir daí sabia que tinha quem não me perdoaria, que me tornara “personna non grata”. Curiosamente os alunos não mudaram a sua atitude para comigo, que foi sempre de simpatia e compreensão. Mas desde essa altura decidi que não me iria eternizar em Viseu e que por muito agradável que fosse ter um lugar efectivo eu tinha de ir fazer o estágio.

Aconteceu que foi alterada a legislação e foi abolido o exame de entrada, substituído por um de saída (já escrevi sobre isso neste blog); o processo de candidatura era apenas formal (por requerimento). Já não me recordo se fiz contas e percebi que entraria, mas o certo é que no fim do meu segundo ano, depois dos exames de Estado dos meus cerca de 200 alunos, pedi a exoneração do cargo e voltei a concorrer para ser professor eventual dos liceus, uma vez que o estágio só começava em Janeiro.

Fui então colocado em Lamego, onde estive de Outubro a Dezembro de 1963.

2005/12/21

Os lugares onde vivi – (5) Viseu (1961-1963)


Quando regressei da Horta, em 1961, voltei a concorrer, como professor eventual, para o novo ano lectivo. Queria fazer o estágio, para entrar na carreira que sempre ambicionara, mas entrar no estágio era, na altura, uma tarefa complicada. Os candidatos eram obrigados a fazer um exame de admissão que era considerado de grande dificuldade, na medida em que os seus conteúdos eram todos os cobertos pelos programas de História e Filosofia mas tratados “a nível universitário”, o que, como se compreende, causava uma certa intranquilidade. Aliás, corriam histórias (verídicas) de candidatos de grande qualidade que haviam sido reprovados.

Ora eu sentia-me tentado a fazer o exame, mas precisava de mais preparação. Os dois anos anteriores tinham sido ricos, porque dera praticamente todas as matérias, mas não me sentia de modo algum seguro.

Fiquei, de novo, em Santarém, onde fui recebido de braços abertos. Mas não iria ficar lá por muito tempo, porque me aconteceu o inesperado…

Dias depois de ter começado as aulas, num sábado à tarde encontrei em Lisboa, na Livraria Portugal, um bom amigo que me ajudara imenso a desbravar os meus conhecimentos de arqueologia pré-histórica, o Dr. Bandeira Ferreira, que trabalhava no Museu Etnológico Doutor Leite de Vasconcelos, em Belém. Na conversa, perguntou-me se eu não quereria ocupar o lugar de professor de Psicologia de uma Escola do Magistério. Tinha saído legislação recente que remodelara as Escolas, e que afectara a cada uma um lugar de professor de Psicologia, a ser ocupado por um licenciado em História e Filosofia (não esqueçam que não havia cursos de psicologia em Portugal), e ele (Bandeira Ferreira), que de algum modo tinha ligações ao gabinete do Ministro (na altura, um professor de Coimbra, Manuel Lopes de Almeida), andava precisamente à procura de possíveis candidatos. Esses professores seriam providos precariamente mas dois anos depois fariam um concurso para se tornarem definitivos.

Achei que era uma hipótese agradável, embora não soubesse muito de psicologia (pelo menos, achava que não sabia): só tinha tido três disciplinas, Psicologia geral, Psicologia Experimental e Psicologia Escolar e Medidas Mentais. Falou-se vagamente da hipótese Porto – porque Lisboa já estava preenchida pelo Fernando Castelo Branco.

Ficou de me telefonar, e aguardei. Só nos primeiros dias de Novembro recebi o telefonema: a oferta era Viseu. E aceitei.

Já conhecia razoavelmente Viseu, porque durante alguns anos passara férias na terra de uma cunhada, em Canas de Senhorim. E assim disse adeus a Santarém, onde tive uma despedida afectuosa, e no dia 11 de Novembro de 1961 apresento-me ao serviço na Escola do Magistério Primário de Viseu, que estava na altura sem director, porque o anterior saíra e aguardava-se pela nomeação do seu sucessor, que viria a ser o Dr. António Correia de Barros.

Estive em Viseu dois anos, dois importantes anos da minha vida profissional, já que estudei a sério psicologia e aprendi imenso.

Viseu era, na altura, uma cidade com muito menos rotundas do que hoje (mas já com algumas…) e sem toda a urbanização que hoje cobre os arredores próximos, mas era já uma bela cidade, que sempre soube preservar o seu centro histórico e, fora dele, procurar crescer com alguma harmonia. Uma cidade em que apreciava as generosas zonas verdes, das frondosas árvores do Rossio ao Fontelo, não esquecendo o parque fronteiro ao Liceu. Era também uma cidade com muita vida, animada por centenas de estudantes e por ser um centro comercial de grande importância. Estou a falar no passado porque me reporto aos começos dos anos 60, mas é evidente que tudo isto é também o retrato do presente. À volta de Viseu, a pouco mais ou menos de 20 quilómetros, existem povoações importantes para quais é um pólo de atracção: Mangualde, Nelas, Tondela, S. Pedro do Sul, Sátão são pontas de uma estrela de que Viseu é centro.

Na altura em que lá vivi, faltavam salas de espectáculos decentes mas não faltavam os bons restaurantes e pastelarias (a Santos creio que já não existe, mas a Horta penso que ainda resiste, e ainda bem, porque os docinhos de ovos eram e devem continuar a ser uma maravilha!).

Para não alongar este post, deixarei para o seguinte mais algumas reflexões sobre o tempo que vivi em Viseu.

2005/12/20

Pérolas

No Jornal de Noite da SIC de ontem, o repórter pergunta (não sei se a um cliente se ao proprietário de um estabelecimento onde se vende bacalhau) se ele sabe por que motivo existe a tradição de a ceia de Natal, em Portugal, ter como prato obrigatório o bacalhau. A resposta:
- Ah! não sei... Isso é uma tradição que vem dos tempos vindouros!

2005/12/19

Os lugares onde vivi – (4) Horta, Açores (1960-1961; 1967-1968) – 2ª parte

Voltei a Horta em 1967, desta vez para tomar posse do lugar de professor efectivo do 4º grupo do Liceu, que estava sistematicamente em aberto por ninguém querer ir para lá. Tal como hoje, não era então fácil efectivar (no ensino secundário, especialmente). Eu terminara o estágio em 1965 com uma boa classificação, o que me fez subir uns lugares no grupo que esperava por uma oportunidade para passar à efectividade, mas teria, se queria que tal acontecesse rapidamente, tentar uma de duas coisas: ou concorria a um liceu das então chamadas províncias ultramarinas, ou a um liceu das ilhas. Confesso que a África nunca me atraiu suficientemente para decidir viver lá em permanência, por isso, como já conhecia os Açores e nem me dera mal, concorri e fiquei. Eis-me portanto de novo na Horta seis anos depois. A nível de transportes, tinha havido entretanto uma modificação importante; tinham entrado ao serviço dois paquetes de muito bom nível, o “Funchal” e o “Angra do Heroísmo”, em que tive ocasião de viajar e eram bem superiores aos dos começos da década, especialmente em velocidade (quem quiser ver as imagens desses navios pode fazê-lo aqui).


Também as ligações aéreas tinham sido melhoradas, embora só nesse ano o aeroporto da Horta (situado na freguesia de Castelo Branco, a uns quilómetros da cidade) tivesse começado a ser construído. Recordo-me de durante algum tempo o engenheiro Edgar Cardoso ter estado na Horta por causa do aeroporto que iria ser inaugurado três anos mais tarde, em 1971. Ele fazia as suas refeições no mesmo restaurante que eu, o “Capitólio”, e recordo como curiosidade que levava com ele uma pequena garrafa de azeite, com que temperava o peixe cozido (como se podia esperar, o peixe era óptimo).

Também a nível de instalações hoteleiras existiam melhorias. Abrira uma Residencial, a S. Francisco, remodelando parte das instalações do Hotel. O próprio liceu fora melhorado, com a construção de uma ala nova. Talvez houvesse também mais procura turística, embora a sua expressão fosse ainda pequena.

Contudo, as comunicações telefónicas continuavam a ser um problema: na prática, só funcionavam através de chamadas com aviso prévio, e a audição era deficiente. Esperava o nascimento da minha filha para o fim de Janeiro, o que de facto aconteceu, e soube do seu nascimento por telegrama que me chegou às mãos no dia seguinte, estava a dar uma aula (quem pode esquecer esse momento?). Por esse motivo, vim ao Continente (como se dizia, e ainda diz, nos Açores e também na Madeira) nas férias de Natal e Páscoa. Nestas últimas fiz mesmo o meu baptismo de voo, num pequenino avião da SATA entre S. Miguel e Santa Maria, tomando depois o avião da Pan American para Lisboa.

A cidade não alterara muito a sua pacatez, e eu não alterei muito os meus hábitos de trabalho. Repartia as horas lectivas de História e Filosofia com um colega que fora lá colocado e com o qual tive uma excelente relação durante todo o ano, o José Fernando Cabral Pinto, relação essa que se perdeu, mais tarde, ainda que durante algum tempo tenhamos continuado a ter relações de amizade. Nunca percebi se a culpa foi minha, dele, ou dos dois… nem sequer sei se houve culpa. Na medida em que também tem estado ligado à educação tenho sabido do seu percurso, como provavelmente ele tem sabido do meu.

Este ano foi um ano produtivo, no qual fiz uma experiência com os meus alunos de Filosofia do 7º ano. Estava nessa altura muito influenciado por um livro da ARIP (Association pour la Recherche et l'Intervention Psychosociologiques) sobre pedagogia não-directiva e estava também entusiasmado com a sociometria. Um dia escreverei sobre essa experiência e o que ela me ensinou.

Outro ponto que marcou a minha estadia na Horta nesse segundo ano foi o meu envolvimento na festa dos finalistas, que me convidaram para os ajudar. A Horta dispunha de uma sala de espectáculos razoável, ainda que envelhecida, o Teatro Faialense, e foi lá que se realizou a festa. O prato forte foi a representação de uma peça de teatro de Thornton Wilder, “A longa ceia de Natal”, e uma espécie de revista, “Olha o disco!” (os discos voadores estavam na moda…), que eu próprio escrevi e na qual se incluíam as “piadas” à vida do Liceu que os alunos entenderam apropriadas. Foi um mês e meio muito interessante, no qual pude avaliar muitas coisas que porventura as aulas não me revelavam…

Insiro três fotografias da época: um aluno, na festa, a imitar-me, vestindo a minha gabardina e usando a minha pasta, o meu guarda-chuva e até os meus óculos escuros; eu no navio “Funchal”, tendo como fundo a ilha de S. Jorge; e o grupo de alunos finalistas com três professores ao centro (o Dr. Tomás da Rosa, Drª Fernanda e eu).







Apesar de gostar muito do ambiente do Faial, concorri para as vagas que apareceram, e entre elas para o Funchal. Sabia que provavelmente seria a que me caberia em sorte, mas mesmo assim melhorava, porque ficava com melhores ligações para Lisboa. E assim aconteceu…

Regressei ao Faial duas vezes, uma depois do 25 de Abril, em “serviço” do Ministério da Educação, e outra, muito recentemente, em férias turísticas. Claro que a Horta mudou, ainda que estruturalmente, e ainda bem, continue a ser uma cidade pacata e agradável. Curiosamente, foi apenas na última viagem que entrei no célebre “Peter”, cujo fundador faleceu recentemente: na verdade, nos anos 60 o “Café Sport”, apesar de já existir e de ter iniciado a sua actividade de apoio aos iates que demandavam o porto da Horta, não tinha a notoriedade que alcançou depois.

Em termos gastronómicos, no Faial aprendi a gostar de inhames e a apreciar o verdelho do Pico. Ah! e os cavacos eram excelentes! (quem quiser saber mais sobre cavacos, clique aqui).

Pergunta ingénua

* Por que será que o José Rodrigues dos Santos pisca o olho quando termina os telejornais que apresenta?

2005/12/17

Os lugares onde vivi – (4) Horta, Açores (1960-1961; 1967-1968) – 1ª parte

Os doze alunos da antiga alínea f) do antigo 7º ano (actual 11º) de 1960-1961 com os seus cinco professores (Matemática – Drª Evelina; Ciências Naturais – Drª Maria José; Desenho – Dr. Madruga; Física e Química – Drª Zoraida; Filosofia e OPAN - eu).
Estive na Horta (ilha do Faial, Açores) em dois anos lectivos distintos, separados por seis anos. Pode surpreender que um professor eventual, colocado em Santarém no primeiro ano de exercício, seja, no segundo, “desviado” para os Açores. Houve uma razão para que isso acontecesse, e não estou arrependido por de algum modo a ter provocado, porque a experiência que tive na Horta foi, a muitos títulos, gratificante e até de algum modo decisiva para a minha auto-formação (um dia escreverei sobre isso). Quando soube que fora colocado na Horta, pôs-se-me um problema adicional. Para os Açores não se ia de comboio, e por isso a guia de viagem foi passada à Empresa Insulana de Navegação. Tanto quanto me recordo, havia barcos para os Açores de quinze em quinze dias; logo, tive de esperar pelo primeiro que partisse. E não foi pequena espera! De facto, o “Carvalho Araújo” era o primeiro transporte disponível e partia no dia 15 de Outubro, o que me deu um suplemento de meio mês de férias que no fundo não me agradaram.

Embora não faça rigorosamente parte dos locais onde vivi, a minha primeira experiência de viajante no alto mar merece ser recordada…

O “Carvalho Araújo” era um paquete já com uns anos de vida, mas simpático. As instalações eram razoáveis (pelo menos em 1ª classe!), a alimentação boa (aliás, comer era dos bons momentos a bordo, desde que não se enjoasse), e gostei francamente daqueles dias de descanso forçado mas diferente. O tempo não esteve mau até se chegar aos Açores, porque aí, entre ilhas, ainda apanhei mar alto e não era fácil mantermo-nos de pé se tal tentássemos.

Para mim, era tudo novidade, e como tal fui de descoberta em descoberta. Eu estava muito habituado a barcos – como se lembram, vivia no Seixal e inúmeras vezes fiz o percurso até Lisboa e volta, mas o estuário do Tejo não é o Atlântico. Assim, quando “não vimos mais que mar e céu”, como escreveu o Poeta, abriu-se-me um mundo novo… A Madeira, a que se chegava de manhãzinha depois de duas noites e um dia de viagem, foi um deslumbramento vista do mar. Como o barco estava todo o dia atracado ao cais do Funchal, fiz as habituais visitas a pontos turísticos da ilha, incluindo neles o próprio liceu (mal sabia que ainda iria ser professor lá!).

Depois, a viagem continuou por mais um dia e meio até S. Miguel (onde o barco permaneceu igualmente um dia) e Terceira, e depois, em percursos mais curtos, parou no Pico, Graciosa, e S. Jorge antes de rumar ao Faial, onde apenas chegou no dia 21 e Outubro – sete dias depois de sair de Lisboa… Nas primeiras horas em terra parecia-me que continuava a navegar, sentindo-me tonto, como se tudo à minha volta oscilasse. Era o enjoo de terra! Eu, que não enjoara no alto mar, sofria agora do mal inverso…

Bom. Mas é tempo de escrever sobre a Horta.

A Horta era (e é) uma pequena cidade, implantada na orla sul da ilha do Faial. Depois de a conhecer melhor, costumava dizer, um pouco exageradamente, que a cidade era uma rua muito comprida que mudava várias vezes de nome… Claro que era mesmo exagero. Instalei-me no “Fayal Hotel” – era mesmo assim. A Horta era uma cidade que ainda mostrava bem as influências que sofrera das prolongadas estadias de estrangeiros que, na primeira metade do século XX, tinham por lá estado em virtude de a Horta ser um ponto nevrálgico dos cabos submarinos que cruzavam o Atlântico. Diziam mesmo hotel à inglesa, marcando muito a primeira sílaba – “hótel”. E a estadia de ingleses e alemães tornara a cidade um pouco cosmopolita – era, de longe, a mais aberta dos Açores (conheci depois, menos bem mas mesmo assim razoavelmente, Angra e Ponta Delgada).

Vale a pena dizer que quando cheguei à Horta tinha passado pouco tempo sobre a erupção dos Capelinhos, e ainda esse era um tema de conversas. Passei o ano todo à espera de um tremor de terra, mas nunca veio, para meu grande consolo!

Que dizer da cidade? Era, ao tempo, o sítio mais pacato que conheci. Longe de tudo, numa altura em que não havia aeroporto e portanto só havia ligações marítimas, a população estava à mercê do tempo. Depois da minha chegada houve um longo período de tempestades e por isso o outro navio que alternava com o “Carvalho Araújo” as viagens para os Açores, o “Lima”, não pôde fazer o serviço na Horta: ficámos um mês sem notícias, porque os barcos mais pequenos que faziam a ligação a Angra do Heroísmo, e poderiam assim trazer correio vindo de avião para as Lajes, também não operavam. O movimento nas ruas era muito reduzido, à noite não se via ninguém nas ruas. Por outro lado, havia uma vida social intensa, em que as famílias se visitavam regularmente, e a cidade possuía um clube excelente, o “Amor da Pátria”, onde se reunia a sociedade local.

Chovia muito, mas não havia praticamente frio. Com excepção dos dias de temporal, e sem chuva, era agradável viver lá. Como tive de preparar matérias novas – fui professor de Filosofia do 6º e do 7º ano, para além de ter tido as turmas de História do 3º, 4º e 5º e, claro, a Organização Política e Administrativa da Nação – continuei a trabalhar bastante.

A Horta tem uma pequena maravilha à sua frente – a ilha do Pico, que, desde que não haja nuvens, se vê perfeitamente, distinguindo-se a povoação da Madalena, a pouco menos de meia hora de travessia do canal. Estando bom tempo, observar o Pico é uma distracção compensadora.

Uma palavra para o ambiente humano, e basta uma: admirável. Apesar de ter tido um conflito latente com o Reitor do Liceu (como prometi, contarei isso mais tarde), não deixei de apreciar a generosidade e o calor humano dos açorianos em geral e dos que encontrei na minha estadia na Horta. Tive com os alunos uma relação fantástica – em sua lembrança registei, acima, uma fotografia que conservo, como muitas outras.

Quando o ano acabou, nos finais de Julho, e regressei a Lisboa, não imaginava que seis anos depois iria regressar (em Outubro de 1967).

Mas esse episódio constituirá a segunda parte da minha estadia na Horta, na qual continuarei a descrever a cidade.

Aditamento ao post anterior: num exame oral no Colégio de Benavente


Na foto que arquivo neste blog estão os professores que examinavam, na prova oral, um candidato do Colégio de Benavente (1965?): da esquerda para a direita Drª Luísa Vitorino (Português), Drª Maria Adelaide (Inglês), Eu (História) e Drª Maria Natália Dias (Francês). Que saudades do cabelo!

2005/12/16

Os lugares onde vivi – (3) Santarém (1959-1960)


Tinha 23 anos, um curso universitário de História e Filosofia com classificação final de bom, queria ser professor (desde criança que queria ser professor). Na altura, bastava ir à Direcção-geral do Ensino Liceal, que funcionava no campo de Santana, no belo palacete que é hoje a Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, e fazer um requerimento em papel selado (lembram-se do papel selado?), cuja norma era fornecida por uma funcionária que nos atendia, solicitando colocação como professor de serviço eventual. Não havia multidões a requerer, e também não havia dezenas de vagas…

Recordo-me que a lista dos colocados vinha na II série do Diário do Governo (assim se chamava o actual Diário da República) num dos últimos dias de Setembro. E no dia 1 de Outubro devíamos estar no Liceu onde tínhamos sido colocados, recebendo para o efeito, se fora de Lisboa, uma requisição de transporte para a viagem de comboio em 1ª classe.

Tinha uma secreta esperança de ficar em Lisboa, mas não fiquei: fui colocado em Santarém. Santarém ficava a pouco mais de uma hora de comboio de Lisboa (se fosse rápido). Ainda tentei o que hoje é comum – continuar a viver em Lisboa e fazer a viagem diária, o que era possível, tanto mais que eu não tinha aulas de tarde; mas cedo percebi que não podia fazê-lo sem sacrificar grandemente a minha preparação de aulas – era o meu primeiro ano! – e, naturalmente, sem que tivesse um grande desgaste (tinha de me levantar todos os dias pelas seis da manhã para apanhar o comboio pelas 7 em Entre Campos, mudar em Braço de Prata para chegar a Santarém às 8 e 25, tomar na estação um táxi que me levasse, colina acima, até ao liceu). Por isso acabei por alugar um quarto numa casa perto do liceu, na Rua António Bastos, no qual fiquei até ao fim do ano.

Santarém era, na altura, uma cidade relativamente pequena. Cheia de história. Recordo-me que me encantei com as ruas estreitas da parte antiga, com as igrejas (Santa Clara, logo ao pé do liceu, a Graça, São João de Alporão, Marvila…), com a vista das Portas do Sol (foi um ano de cheias, era uma paisagem incrível, apesar da ansiedade pelas populações isoladas). A cidade não tinha nessa altura crescido como hoje, as zonas mais modernas apenas circundavam o núcleo histórico.

Diziam-me os colegas de lá naturais que Santarém desprezava tudo o que não tivesse a ver com touros, querendo com isso significar que o escalabitano era pouco dado às coisas da cultura. Talvez fosse assim. De qualquer forma, como tive um ano de muito trabalho (repito, era o meu primeiro ano e tinha quatro disciplinas diferentes em sete turmas, Língua e História Pátria do 1º ano, História do 3º e 4º, e ainda Organização Política e Administrativa da Nação do 7º) refugiava-me no quarto ou no liceu e por isso pouco andei pela cidade (até porque a casa onde morava não era no centro da cidade).

Regressei a Santarém por mais duas vezes, por períodos curtos: em 1961, voltei ao liceu por mês e meio; em 1965, fiz lá o serviço de exames (Junho-Julho). Sempre na mesma casa.

Anos mais tarde, na década de 80, fui muitas vezes a Santarém para reuniões das comissões instaladoras das Escolas Superiores de Educação, numa altura em que a cidade já crescera, e muito, para além dos limites que eu conhecera.

Tenho de Santarém uma boa lembrança, quanto mais não seja por ter sido lá que iniciei esta minha caminhada como professor, que agora termina. E também pelos “celestes”, aqueles bolos regionais que qualquer guloso, como eu, aprecia…

2005/12/15

Os lugares onde vivi (2) Lisboa (1947-1959)


Apesar de não ser lisboeta, Lisboa é a minha cidade: morando no Seixal, vinha com os meus pais a Lisboa, de vez em quando, atravessando o Tejo nos barcos que já então faziam a ligação entre as duas margens, numa viagem de cerca de 30 minutos. Quando entrei no Liceu, em Outubro de 1947, ainda morava no Seixal, e durante algum tempo ia e vinha todos os dias, mas depois fiquei durante algum tempo em casa de uma tia que vivia perto do Liceu, na Rua Fernandes Tomás, e é por isso que digo que desde 1947 vivo em Lisboa. Na verdade, a mudança da família só se deu em 1948.

Até 1959 vivi sempre em Lisboa, e depois dessa data voltei a lá viver durante longos períodos, nunca tendo cortado as amarras nem à cidade nem à casa onde vivi (e a que me acolho quando lá vou) desde 1970.

A Lisboa dos meus primeiros anos como seu habitante recordo-a como uma cidade onde era bom viver. Quem estava habituado à vida simples do Seixal tinha forçosamente de sentir o encanto de uma grande cidade, que não se confinava a duas ruas paralelas e a um cinema barracão.

Fui viver para um 4º andar de um prédio acabado de construir, na Rua do Arco do Carvalhão, a dois passos de Campolide. A lembrança mais viva desses tempos é a dos pregões que ouvia (e que desapareceram de todo na cidade): da peixeira, das vendedoras de fruta e hortaliça, dos “amola facas e tesouras”… Era uma casa cheia de sol, agradável, onde era bom estar.

Em virtude de uma doença que me tocou à porta, aos doze anos (um dia poderei lembrar esse facto da minha vida) a família considerou mudar de casa, porque um quarto andar sem elevador não era aconselhável para um convalescente, e por isso mudámos para um rés-do-chão de um edifício da Rua Padre António Vieira, ao parque Eduardo VII. Foi a minha segunda morada em Lisboa, e mantive-me muito pouco tempo nela, porque alguns meses depois aconteceu aparecer uma oportunidade que pareceu excelente para os meus pais e mudámo-nos uma vez mais para um rés-do-chão alto no Bairro Azul, na Avenida de Ressano Garcia. Não seria no entanto a última; ano e pouco depois, houve nova mudança, e desta vez definitiva, para um 6º andar (desta vez com elevador) na Avenida de João Crisóstomo, perto do parque de Palhavã, onde é hoje a Fundação Gulbenkian e era, na altura, a Feira Popular de O Século. No fundo, e para quem não conhece a topografia da cidade, todas estas minhas moradas ficavam relativamente perto umas das outras.

Neste período de doze anos que considerei no título deste post, “apropriei-me” da cidade. Estudando em dois liceus, o Passos Manuel e o D. João de Castro, fazia diariamente percursos razoavelmente longos para lá chegar, usando para o primeiro o eléctrico e para o segundo o autocarro, mas andava também muito a pé. Como sempre gostei de me levantar cedo, saía de casa com muita antecedência e, se não chovia, fazia sempre parte da deslocação andando, sobretudo quando ia para o D. João de Castro, em que ia tomar o autocarro ao Marquês de Pombal. Até lá, ou atravessava o Parque Eduardo VII (que na altura não era o que é hoje em termos de segurança) ou descia simplesmente a Avenida António Augusto de Aguiar e depois a Fontes Pereira de Melo.

Nesses doze anos, certamente a cidade mudou, mas conservo dela uma imagem muito consistente que referi atrás: uma cidade em que era bom viver, em que os automóveis ainda não estavam em cima de passeios, em que não havia sinais de insegurança. Lisboa tinha limites, percebia-se quando se saía da cidade e se estava nos chamados “arredores”. Como durante todo esse período não tinha automóvel não posso falar por experiência própria de como era relativamente fácil estacionar onde se queria (mais tarde, nos anos 70, já motorizado, isso ainda era relativamente possível).

Houve todavia um período onde a vida da cidade foi um pouco perturbada, quando começou a construção das primeiras linhas do Metropolitano, que transformou a Avenida da Liberdade num estaleiro… Recordo ainda o dia da inauguração, um dia de loucos, em que todos queriam experimentar a novidade (e eu também!) e por isso encheram-se cais e carruagens (quem quiser saber um pouco da história do metropolitano, pode clicar aqui).

Da Lisboa dos meus anos de estudante recordo ainda as inaugurações do excelente cinema S. Jorge, em 1950, de que fui um assíduo cliente, pois durante muito tempo não perdi um único filme exibido e do estádio da Luz, em 1954, onde, paradoxalmente, poucas vezes estive. Também nesses anos cinquenta cresceu a cidade universitária, ao Campo Grande; aliás, a minha Faculdade (de Letras) mudou-se para lá em 1958. Fiz todo o curso nas antigas instalações do Convento de Jesus mas o acto de licenciatura foi no edifício novo. Recordo finalmente os começos da televisão – cujas primeiras emissões experimentais foram feitas da Feira Popular, como disse pertinho da casa de meus pais.

Terminei o curso em Julho de 1959 e em fins de Setembro fui colocado como professor eventual no Liceu Nacional de Santarém. Santarém vai ser, durante cerca de um ano, o meu novo local de residência.

2005/12/14

Os lugares onde vivi - (1) Seixal (1936-1947)


Nasci na Cova da Piedade apenas porque os meus avós maternos – que cheguei a conhecer, ao contrário dos meus avós paternos – lá viviam. Nessa altura poucas mamãs não tinham os seus filhos em casa… Mas a minha infância foi passada no Seixal, onde a minha família se fixara. Nesses anos 30, o meu pai era contabilista de uma grande firma da indústria corticeira deste país, a Mundet & Cª Ldª, e a minha mãe – como tantas outras mulheres do seu tempo! – teria de inscrever, como profissão, se a tal fosse obrigada, “doméstica”. Eu era o mais novo de três filhos, a oito anos de distância da irmã e a doze do irmão.

Tenho uma ideia global dos tempos da minha infância, com episódios bem marcados e outros nebulosos, até que começo a ter uma memória mais precisa, detalhada. A recordação mais antiga é a de receber uma vacina no consultório do Dr. Fiadeiro, médico que nos finais dos anos 30 do século XX exercia no Seixal. Penso que terá sido uma vacina tardia – teria eu três anos? Lembro-me de estar sentado numa mesa alta, lembro-me do médico a retalhar a minha coxa direita, e sobretudo lembro-me de um cão preto, enorme, que do lado de fora do consultório, observava a cena. Penso que terei tido muito medo do cão e naturalmente da vacina; isto porque ainda hoje não gosto particularmente de me encontrar com cães desconhecidos e também não gosto de ter de me encontrar com médicos...

O calendário real ajuda-me a datar os eventos que recordo: o ciclone de 15 de Fevereiro de 1941 (estava eu portanto a meses dos cinco anos), a morte da minha Avó materna, um ou dois anos depois; um tremor de terra forte, que me apavorou, em data que não posso precisar. Visualizo com nitidez a noite na qual o meu Pai, de acordo com as instruções dadas, colou nas janelas tiras de papel, pôs à porta um balde de areia com uma pá, e apagou todas as luzes: era o “blackout” de prevenção nos tempos da Grande Guerra de 1939-1945. De manhã, foi a surpresa – e disso me recordo com nitidez, também! – ao ver pela janela, sobrevoando o braço do rio Tejo que se avistava de casa, muitos balões de barragem.

Tenho da guerra lembranças esparsas. Quando comecei a saber ler – teria eu uns seis anos, talvez – recordo-me de todas as manhãs ir espreitar o jornal que o meu Pai lia, O Século. Claro que ouvia conversas, mas não sei se cheguei a ter uma consciência clara do que estava a acontecer.

O Seixal era nessa altura uma pequena vila que de desenvolvia precisamente ao longo desse braço do rio. Era uma vila de pescadores e de operários, porque a fábrica da Mundet dava trabalho a muita gente. Havia duas ruas principais e paralelas, a Paiva Coelho e a Dr. Miguel Bombarda, na qual morava, num segundo andar que me permitia ver o rio, o moinho de maré em frente e ao longe, se não havia neblina, os contornos de Lisboa.

Terra de gente modesta e trabalhadora, com parcas diversões. O cinema era um barracão (na altura as crianças podiam ir ao cinema mesmo se fossem de colo), e recordo-me de se ter inaugurado a primeira pastelaria no Seixal – por acaso mesmo ao pé da casa de meus pais. Havia duas sociedades recreativas que eram rivais – se não me engano, tinham os nomes de Timbre Seixalense e União Seixalense. E o Seixal Futebol Clube.

Nesses anos 40 estava-se a electrificar a vila – recordo-me dos trabalhos feitos em casa, dos montes de fios, tomadas e interruptores – tudo montado à vista, claro. Também não havia ainda água canalizada – todos os dias o “aguadeiro” nos visitava para encher os potes na cozinha.

Desses tempos, recordo ainda as grandes festas de S. Pedro, o padroeiro da vila, com as ruas engalanadas, a procissão e as vendedeiras de bolos (sempre fui guloso).

Foi no Seixal que fiz a escola primária, os meus primeiros exames, e foi no Seixal que fiz os primeiros amigos – mas a vida afastou-me de todos eles. Em 1947 o meu pai foi transferido para os escritórios da Mundet em Lisboa, estava eu no 1º ano do Liceu, e a família mudou-se para a capital. Ia iniciar um novo capítulo da minha vida.

2005/12/13

Os lugares onde vivi


Outro dia, vagueando a minha memória por passados remotos, senti a tentação de escrever sobre os diferentes lugares onde vivi, de uma forma continuada. Foram muitos, na verdade! Também eu, professor, tive de “saltar” de escola para escola nos primeiros anos da minha vida. Sem os contornos dramáticos de quem entra hoje na profissão, nos anos 60 do século passado a colocação dos professores no início do ano lectivo constituía um pequeno problema que tinha de ser resolvido. A minha ideia é conseguir descrever esses lugares tal como a minha memória os restitui. Datando-os, claro está!
Amanhã, publicarei o primeiro…

2005/12/10

O português e os exames


Abriu-se mais uma frente de debate: parece que o Ministério da Educação tenciona terminar com os exames de Português e de Filosofia no 12º ano e naturalmente gerou-se controvérsia. O assunto não é novo mesmo aqui, na Memória. Já exprimi por diversas vezes a minha posição: ao nível da escola básica os exames não têm razão de ser (o que não significa que não existam provas de avaliação aferida); quando o problema de uma selecção se puser (fim do secundário, entrada no superior) aceito-os, se forem moderados por outros processos de avaliação.

Acabo de dizer o que considero essencial: os exames são uma prova de selecção. Leio e oiço dizer que acabarem os exames de português irá abastardar ainda mais a pobre língua nacional – e fico a pensar porquê. Será que, a não existirem os exames, os alunos deixam de saber escrever e falar português? Então, os professores andaram distraídos, não avaliando as capacidades dos seus alunos? Porque é neles (professores) que recai a maior responsabilidade quanto à avaliação das aprendizagens dos alunos. O exame apenas separa os que fazem bem dos que fazem mal, não ensinam coisa alguma. A capacidade de bem escrever e bem falar a língua é consequência de uma aprendizagem contínua, que certamente qualquer professor certificará sem necessidade de um exame. Ou seja: a exigência tem de ter o seu centro na escola, lutando contra todas as formas perversas de degenerescência da língua, de que as abreviaturas das SMS são exemplos intoleráveis.
Assim: sempre que não esteja em causa um princípio de selecção, que aceito, não vejo que seja criticável pôr fim a exames que nada adicionam às aprendizagens regulares certificadas pelas escolas.

2005/12/09

Eleições presidenciais


Pessoalmente, não penso que, seja qual for o candidato eleito, isso faça qualquer diferença para o nosso futuro próximo ou longínquo, se, bem entendido, pensar naqueles candidatos que a mais elementar lógica nos diz que estarão entre os “elegíveis”. De qualquer forma, penso que nós, os votantes, deveríamos ter a oportunidade de ver os candidatos debater ideias, confrontar-se, e não, conforme o modelo decidido, apenas responderem ordeiramente às perguntas, por vezes inconsequentes ou inúteis, dos moderadores (que acabam por ser entrevistadores) naquelas ocasiões a que alguns chamam “debates” (quais debates?). Nesse aspecto, Mário Soares tem toda a razão.

2005/12/08

Sport Lisboa e Benfica

O desporto também faz parte da minha memória. Aprecio o desporto, em geral, e o futebol em particular. Recordo que comecei a ver futebol a sério levado pelo meu Pai; até aos dez anos vivi no Seixal e muitas vezes fui, com ele, ver jogos do clube local, o Seixal Futebol Clube, ao campo do Bravo (creio que era assim que se chamava).
Recordo, ainda, que comecei ainda criança a seguir os jogos pela rádio, quando a então Emissora Nacional transmitia os resumos da primeira parte e relatos da segunda… Como meu irmão mais velho era do Benfica, eu dizia que era do Sporting, mas à medida que cresci, apesar da época de ouro do clube, com o Azevedo e os cinco “violinos”, um dos quais cheguei a ver jogar no Seixal – o Albano – a minha afeição clubista amarrou-me a duas instituições: uma, por influência directa do meu Pai, que foi casapiano, o Casa Pia Atlético Clube, clube de que sou sócio há mais de cinquenta anos; outra, não sei explicar porquê, o Benfica. Não foi por causa do Eusébio, porque antes do Eusébio já me sentia do clube. A minha condição de adepto não me leva, no entanto, a ir ver muitos jogos ao vivo; mas sigo com interesse os campeonatos e desejo, naturalmente, os êxitos do meu clube.

Por isso deixo aqui registada a vitória que ontem o S. L. B. obteve no confronto com o Manchester United, fruto de um excelente jogo de futebol que de facto me fez lembrar as muitas “quartas-feiras” europeias de há quarenta e trinta anos… Não posso no entanto deixar de pensar que nesses tempos o Benfica se orgulhava de não ter nas suas equipas jogadores estrangeiros (Angola e Moçambique não eram, na altura, assim considerados…) e que ontem a equipa jogou apenas com quatro. Sinais dos tempos…

2005/12/06

Estados de espírito


Ontem estive numa sessão de apresentação de dois livros de colegas da Universidade, para a qual fui convidado para falar sobre o estado actual da reorganização curricular do ensino básico. Também esteve, na mesma situação, a Professora Carlinda Leite, da Universidade do Porto.
Para uma plateia de pouco mais de 50 professores, expus os meus pontos de vista e não deixei de referir o momento actual, que reconheço ser de crispação por parte dos professores. Analisando o que se tem passado, fiz uma afirmação que resume a conclusão a que cheguei: a Ministra Maria de Lurdes Rodrigues tem seguido uma política corajosa através de uma política pouco inteligente. Corajosa porque muitas das medidas que têm sido tomadas eram (são) necessárias. Pouco inteligente (e atenção, apenas me refiro à política!) porque se sabe que em educação, porventura mais do que em qualquer outros sector de actividade, nada se pode fazer sem ganhar a adesão dos professores. Penso que teria sido possível, mesmo implementando as medidas, não ter causado nos professores o ressentimento que existe. Uma colega perguntava, no final, o que eu achava que se poderia fazer para sanar esta situação. Fui sincero: penso que infelizmente muito pouco no curto prazo. Nem a Ministra pode recuar, porque isso seria ainda menos politicamente inteligente, nem a posição de uma maioria dos professores permite acalentar a esperança de uma atitude de desculpa. Será possível, porém, no médio prazo, algumas inflexões na concretização das medidas tomadas (ao fim de alguns meses pode fazer-se a avaliação e, a coberto dos seus resultados, explicar pedagogicamente a necessidade de pequenas alterações).

Esta reunião serviu para “ao vivo” ter uma ideia mais clara acerca do estado de espírito dos professores. E para consolidar uma ideia que tenho vindo a formar: que mais do que o teor das medidas contestadas, o que está em causa é a maneira como elas têm sido postas em prática nas escolas. E sem querer comprometer uma opinião num domínio que neste momento desconheço, pergunto-me se não seria possível, sem deixar de cumprir as orientações dadas, encontrar meios menos gravosos da sua execução para os professores.

Estilista capilar…


Parei por causa de um sinal vermelho e casualmente olhei para a direita. Passo ali quase todos os dias e nunca tinha notado (certamente porque nada me obriga a parar) que havia um estabelecimento comercial novo num prédio recentemente remodelado. No vidro da montra, artisticamente pintados, os nomes das proprietárias, X e Y, e mais abaixo: “Estilistas capilares”. Sorri. Cada vez me surpreende menos com o que vejo. Semelhante a esta, recordo-me de, há muitos anos, ter deparado com uma adição à designação portuguesa da barbearia que frequentava em Lisboa: “Coiffeur d’Hommes”.
Estilistas capilares!

2005/12/05

Foi no dia 2


Propositadamente quis que decorressem pelo menos dois dias para escrever. Para tudo, o tempo é, ainda, o melhor remédio. Não quero dramatizar, porém: a longa preparação que tenho feito para vencer estas pequenas etapas resultou. Para esta etapa contribuíram os meus actuais alunos, que perceberam e foram sóbrios no momento do adeus. Não costumo conviver muito bem com emoções deste tipo, mas desta vez contive-me. Fez-se uma fotografia do grupo, no seu habitat, a sala de aula, e poucas palavras de circunstância. Mas houve sinceridade. A fotografia irá para o blog, que decidimos manter para além do fim do curso.

Foi no dia 2 que dei, oficialmente, a minha última aula, uma vez que não terei serviço docente no segundo semestre. Terminei 46 anos e três meses depois de ter dado a primeira aula, que foi no dia 2 de Outubro de 1959. Nenhum dos meus actuais alunos do mestrado era nascido nessa data...

Agora, vou ficar com mais tempo para a Memória e passarei a ser mais regular nas minhas visitas aos posts amigos e a explorar outros.

Para registo, o tema da minha última aula: “A cultura pós-moderna e o currículo escolar”.

2005/12/01

1º de Dezembro


Na escola primária de outros tempos (os meus tempos) datas como a do 1º de Dezembro eram aproveitadas para um reforço de alimento do espírito patriótico. Quem sabe se comigo não surtiu efeito, e este meu sentimento de uma certa desconfiança em relação ao que vem de Espanha (que a razão hoje condena) não terá como base o discurso patrioteiro sobre Aljubarrota e a data que hoje se comemora? Provavelmente já não vou ter tempo para mudar o sentimento, mas sempre tentarei. Para já, comungo do humor de um cartoonista, que há dias, brincava com o 1º de Dezembro figurando uma conversa entre dois espanhóis comentando a ”sua” derrota em 1640. E paradoxalmente estavam contentes, a ponto de um deles fechar a conversa dizendo “Do que nós nos livrámos, hein?!”. Pois.

2005/11/29

Professores?


No caminho para a Universidade, embora curto, oiço como habitualmente a TSF. Hoje, em vez do António Peres Metelo, escuto uma reportagem sobre uma greve de professores de um (ou do, não percebi) agrupamento de escolas de Paço d’Arcos. Motivo? O prolongamento do horário escolar. Uma professora, madrugadora, presta declarações. À medida que fala, começo a desconfiar: professora? Para ela, é óptimo que os meninos fiquem mais tempo na escola para “actividades extra-curriculares”, como o xadrez, o desporto, o Inglês (nesta altura repara que escorregou e tenta reparar os danos). Mas tudo dado por “monitores”, porque os professores apenas têm de preparar as lições e não estarem com os meninos fora das aulas, em actividades para as quais não têm preparação. Oh sacrossantas aulas! Oh sacrossanta “componente lectiva” (quem terá inventado esta termo?)!
O seu discurso é apoiado depois por uma senhora do Sindicato dos Professores da Grande Lisboa que refere o grande exemplo deste agrupamento: que o país ponha os olhos em Paço d’Arcos porque ali estão os que lutam pela dignidade profissional.

Tudo bem, a greve é um direito, que o exerçam. Mas por favor, não com argumentos que só se voltam contra, essa sim, dignidade profissional de que se deveriam orgulhar. Ainda temos, infelizmente, muito caminho a percorrer para que se perceba qual é o verdadeiro papel dos professores nos dias de hoje.

2005/11/28

Pessimismo

No passado sábado fui até Monção para escutar uma conferência de João Medina intitulada “Zé Povinho: estereótipo português? (Reflexão sobre a identidade nacional)”. Tinha interesse em conhecê-lo pessoalmente e o tema pareceu-me interessante. No âmbito das aulas deste semestre o problema da identidade nacional já foi debatido com os meus alunos e estava curioso em ouvir o Professor Medina. A minha expectativa não foi iludida, a conferência foi excelente, partindo de uma análise que considero lúcida sobre características nacionais que se vão mantendo ao longo dos anos e que, de algum modo, parecem justificar a “apagada e vil tristeza” que já Camões denunciava: apatia, indiferença, descrença, o imobilismo de quem tem as mãos nas algibeiras porque desistiu de lutar porque sempre foi espezinhado, “albardado” na simbologia da albarda que jaz aos pés da figura imortalizada por Rafael Bordalo Pinheiro.
Recuso, contudo, apesar de tudo o que se tem passado e, confesso, tem abalado um pouco o meu inveterado optimismo (talvez mais crença do que outra coisa), a afundar-me num pessimismo de “fim da Pátria” que de algum modo João Medina deixa transparecer. Se todos os dias tenho dez momentos de desânimo encontro sempre um outro momento para acreditar. Dir-me-ão que a desproporção é enorme – e infelizmente é. Mas não desarmo: quero continuar a ser optimista.

Nota: Para quem não saiba há em Monção uma Casa Museu que é uma unidade cultural da Universidade do Minho, legado de uma benfeitora que quis assim preservar os seus bens, alguns de grande valor, que constituem o recheio do solar. Na parte inferior existe uma sala de conferências e um pequeno espaço para exposições. Vale a pena a visita!

2005/11/25

As armas em boas mãos...


Quem viveu os tempos do PREC (curioso, hoje é 25 de Novembro, posso recuperar a memória de há trinta anos…) recorda-se certamente das armas desaparecidas que “estavam em boas mãos”. Pois hoje de manhã, ao ouvir a TSF, lembrei-me disso, quando ouvi a declaração de um morador do Bairro Santos, em Lisboa, comentando o regresso a casa de Carlos Silvino, libertado depois de três anos de prisão preventiva e que em sido alvo de ameaças de morte. Dizia esse morador que estava preocupado com o seu regresso, porque “aqui quase toda a gente tem em casa uma fusca”. Insinuando, assim, que o tiro ao alvo pode acontecer. Quase toda a gente?! E não gritamos por socorro?

2005/11/23

O politicamente correcto…


Embora em natural desuso, o “politicamente correcto” ainda tem os seus cultores. Devo dizer que não me afecta que se faça um esforço por limitar, no discurso, termos ou frases que possam ser consideradas pouco abonatórias no contexto social no qual se vive. Muito recentemente, assistiu-se entre nós a um reavivar do politicamente correcto que me deixou divertido.

Não sei se repararam que há umas semanas começou a passar na rádio (e na televisão, também) um anúncio no qual se quer dar relevo a um acesso à Internet mais barato. O anúncio desenvolve-se em diálogo por um casal, e inicialmente o homem (presumível marido) tenta explicar à mulher as vantagens da adesão a esse produto, mas a senhora parece não as atingir e, no fim, exclama com uma voz (e cara) sugestiva: “Olha, explica-me como se eu fosse muito burra!”

Bom, com certeza havia quem sorrisse (eu sorri!) mas deve ter havido alguém que não sorriu e disparou a favor do “politicamente correcto”. Podia lá ser estar a desfrutar o género feminino? Então, as mulheres têm de ser estúpidas?

E aconteceu o que se viu: após alguns dias com este anúncio, aparece um outro simétrico, no qual é a mulher que tenta explicar ao homem as vantagens do novo acesso, e é o homem que, no fim, confessa: “Olha, explica-me como se eu fosse muito burro!”.

Eu continuei a sorrir, mas ao mesmo tempo a pensar o que teria acontecido para esta mudança – e cheguei à conclusão que acabei de expor. Mas mesmo que não fosse assim, ou seja, mesmo que o publicista tivesse imaginado os dois anúncios e apresentá-los com esta sequência, ou alterná-los, o efeito era o mesmo: eis o politicamente correcto em todo o seu esplendor.

Não tenho nada contra que se policie a linguagem, mas faz-me confusão tudo o que é excessivo. Denegrir sistematicamente a mulher só porque é mulher é censurável. Como é censurável denegrir os alentejanos com as anedotas que para eles se criaram. Mas pesemos as coisas com calma. Não me parece que o anúncio fosse chauvinista porque o objecto é uma mulher e deixe de o ser porque passa a ser homem… Ou então, têm de me explicar isso como se eu fosse “muito burro”…

2005/11/22

Os Prós e Contras de ontem


Já uma vez referi que Prós e Contras é um dos programas normalmente com interesse da nossa televisão. O de ontem foi interessante por pôr frente a frente (sem com isso significar em posição de combate…) o ex-ministro David Justino e a actual ministra Maria de Lurdes Rodrigues, e por ter um homem lúcido e conhecedor dos problemas da educação (António Nóvoa) e uma professora excelente, como a própria informou em final de programa, a Drª Amélia Pais. Ah! E os representantes dos Sindicatos, e das associações de pais. E muito público, a dividir as suas palmas conforme as ocasiões…

Gostei de ver um David Justino sem a sobranceria de quando era ministro (que me perdoe, mas era como o via) e a dialogar serenamente. Já se sabia que não gosta de pactos, mas o nome pouco importa; o que temos de gostar é que sejam possíveis consensos (mas atenção, porque não é possível deixar toda a ideologia de fora).

Gostei de ver a Ministra a confessar que é energética (que não se canse, porque é bem preciso) e sobretudo a dizer que não se pode perder tempo. Aprendi a importância disso com o Prof. Veiga Simão e concordo plenamente. Penso que ela já percebeu que as aulas de substitução não deviam ser aulas de substituição mas tempos para actividades a ser organizadas pelas escolas tendo em vista o projecto curricular da turma em questão (não posso aqui desenvolver como isso poderia ser feito, mas pode).

Claro que gostei do António Nóvoa, primeiro porque quase sempre estou de acordo com ele (e certamente ele está de acordo comigo). Há quanto tempo todos nós percebemos que a escola tem de mudar (sem perda de tempo!), que mesmo no final do século XX ela devia já ter mudado (e já há algumas que mudaram). Há quanto tempo defendo que as escolas têm de assumir a sua autonomia com total responsabilidade, ou que a escola tem de pensar em processos de ensino-aprendizagem mais diversificados, tendo em atenção a individualidade de cada aluno sem perder de vista a capacidade de um trabalho cooperativo essencial.

E também achei interessante a vivacidade da professora Amélia Pais, que retratou bem o que muitos professores são em relação ao Ministério: sempre críticos, sempre à defesa e por vezes com falhas no ataque (aquela do “recambiar” professores para o Ministério da Cultura saiu muito ao lado da baliza…)

Falou-se de muita coisa e ficou muito por dizer. Penso mesmo que se falou pouco dos alunos, das aprendizagens que devem ser conseguidas na escola, e como é evidente dos papéis que os professores têm hoje de desempenhar, que são diferentes dos de ontem (ao referir a formação de professores o António Nóvoa levantou o problema mas não o caracterizou).

Fico à espera de um novo programa para desenvolver o que foi esquecido.

Ah! Reparo que não referi os participantes sindicalistas e o representante das associações de pais. Iguais ao que costumam ser, até nas diferenças…

2005/11/19

As preocupações da Ministra da Educação


Não tenho andado distraído em relação ao que se tem passado no campo da educação. Apesar da falta de tempo, sempre vou sabendo as medidas anunciadas, com as quais de uma maneira geral concordo (mas de vez em quando também tenho dúvidas). Também de vez em quando tenho lido, ouvido – e até visto – a senhora Ministra. Tenho-me apercebido que, à parte os Sindicatos dos Professores (e não todos) e muitos (?) professores, há uma opinião muito favorável em relação à actividade do Ministério, da firmeza da Ministra (e penso que, por extensão, dos Secretários de Estado, que embora mais na sombra não podem deixar de ter interferência na política geral definida).

Na sexta-feira, Maria de Lurdes Rodrigues assinou um artigo saído no Público (indisponível on-line, já se sabe) que mereceu a minha atenção. Um artigo para o grande público ultrapassa muito o redigir um despacho ou assinar uma portaria. O título do artigo é “O desafio da educação”, que para ela é “a necessidade de alteração da qualidade e do nível de exigência nas … escolas”. Prisioneira da crueza das estatísticas da OCDE lamenta que ao real esforço financeiro que tem sido feito pelo Estado no apoio à educação não correspondam melhores resultados (e essa realidade tem sido recorrentemente posta a nu desde há uns anos).

Depois, e tendo em conta, como diz, o teor de “relatórios nacionais e internacionais” elenca o conjunto de três problemas, de três diferentes níveis, que considera deverem ser debatidos no país. Vou procurar contribuir, desde já, para tal, transcrevendo ipsis verbis o texto da senhora Ministra e comentando-o.

1 Ao nível sistémico e organizacional são apontados (pelos relatórios) o excessivo centralismo do sistema de ensino e défice de autonomia das escolas, o défice de actividades de acompanhamento e enquadramento de alunos, o défice de envolvimento e trabalho de docentes ao nível do estabelecimento, o défice de acompanhamento e supervisão de aulas e do correspondente controlo da qualidade do ensino.

Senhora Ministra: está pronta para contribuir para uma efectiva descentralização e para que não seja coarctada a autonomia das escolas? E uma vez isso conseguido, tem ou vai ter um plano de efectivo acompanhamento (não quero dizer só controlo) das escolas, para as ajudar no que precisam (e é, na maior parte dos casos, muito)? Tem pensada uma estratégia que altere a actual situação e torne os professores seus aliados e não seus inimigos (eu sei que tem tido razão nas suas decisões, mas tem de reconhecer que sem os professores não pode mudar a escola)?

2 Ao nível sócio-económico é apontado o quadro de enorme desigualdade social, a extrema heterogeneidade dos alunos e das escolas nesta matéria, bem como o défice de acesso a recursos sócio-educativos e culturais dos nossos alunos.

Senhora Ministra: tenho, temos todos consciência que este não é só um problema do seu Ministério, mas algo pode fazer (e já começou a fazer, é bom que se lembre). Já assegurou, junto dos colegas de outras pastas e do próprio Primeiro-ministro, mais do que uma solidariedade circunstancial?

3 Ao nível do desenvolvimento curricular são apontadas questões relacionadas com a excessiva dimensão e desajuste de programas e instrumentos de ensino e aprendizagem e ausência de articulação entre as condições de ensino e os mecanismos de controlo externo, designadamente os exames nacionais.

Senhora Ministra: está preparada para retomar a política que nesse campo o Partido Socialista iniciou com a Secretária de Estado Ana Benavente, que, não sendo naturalmente perfeita, continha potencialidades para eliminar esses problemas? Sabe que vai ter de lutar e vencer interesses instalados, por vezes pelas piores razões mas outras por motivos compreensíveis, que desejam manter o que está (i. é, um currículo fortemente disciplinarizado)? Está pronta, como pede a todos nós para estarmos prontos, para uma reflexão séria sobre o que devem ser os famigerados exames externos (tenho, sobre este aspecto, as maiores dúvidas que sejam a melhor solução)?

É evidente que os temas em foco nunca terão como resultado unanimidade nas possíveis soluções. Mas é bom sinal que se queira iniciar essa discussão.

2005/11/15

Contagem decrescente


Mesmo quando sabemos que certas coisas vão acontecer, o nosso grau de preparação para elas nem sempre é bem calculado. De há um tempo a esta parte venho perspectivando um momento que nem sei bem como classificar, mas que tenho para mim vai ser difícil. E hoje dei o primeiro passo formal, fechado com uma assinatura “igual à do Bilhete de Identidade”, iniciando a contagem decrescente para, daqui a 156 dias, ser obrigado a cessar as minhas actividades como professor no activo. Resta-me a consolação de não poder ser privado da minha condição de professor “inactivo” (ou seja, jubilado), embora espere transformar esse tipo de inactividade em muita actividade – enquanto a saúde me permitir. Mas ao longo desta manhã a ideia da contagem decrescente tem-me tomado mais tempo do que eu desejava. A ponto de decidir colocar este post, como que a exorcizar pensamentos que neste momento não desejo.

Voltarei – quando estiver mais livre.

2005/11/05

Cores de Outono


Nada que se assemelhe à espantosa paisagem do Outono em muitos outros lugares, mas mesmo assim estas árvores do campus de Gualtar da Universidade do Minho estão neste momento com cores bem bonitas (fotografia tirada às 8 da manhã - por isso não se vêem automóveis...) Posted by Picasa

2005/11/03

Finalmente, a chuva!


Tenho para mim que devem ser poucas as pessoas que, apesar dos incómodos que a chuva abundante tem trazido ao nosso dia a dia, não estejam satisfeitas por a “mãe natureza” decidir compensar-nos pela seca que nos fez sofrer.

Eu gosto da chuva – aliás, gosto genericamente do Inverno; o tempo quente deprime-me, reajo mal ao calor, enquanto que o frio me estimula. Claro que tudo o que é exagerado cansa… Recordo-me que nos anos que passei nos Açores, na bela ilha do Faial, houve alturas em que já não suportava o tempo chuvoso (mas não frio), dias e dias a fio. Nessas alturas, um dia de sol sem nuvens, uma raridade, era um dia de alegria. Mas chuva a sério, que começa sem se perceber que vai acontecer e cai em cordas de água que magoam se nos expomos, só a experimentei em São Tomé. São chuvadas curtas, e o calor é tanto que minutos depois o chão está seco…

Que continue a chover, que este Inverno seja de facto Inverno…

2005/11/01

A Casa da Belleza...


A "Casa da Belleza" no Coronado Springs Resort (em Orlando) - um exemplo da influência hispânica na Florida

Memórias recentes de uma viagem (2)


Quando vivi permanentemente nos Estados Unidos não fui assinante das redes de televisão por cabo. De início, não havia muito dinheiro para entrar em despesas supérfluas, depois, quando vivi numa residência da Universidade, ela própria dispensava um pacote, mas muito reduzido, de algumas estações que não estavam disponíveis em canal aberto. Só quando viajei e fiquei em hotéis, tive da televisão por cabo dos EUA uma visão mais completa.

Nos primeiros dias verifiquei que, neste estado do Sul, com forte influência da língua espanhola, existem vários canais que emitem mesmo em Espanhol ou “dobrando” em espanhol os seus programas. A influência do espanhol é aqui muito nítida, e os norte-americanos estão a levá-la muito a sério.

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Sempre apreciei nos norte-americanos a cordialidade com que (normalmente) tratam os estrangeiros. Um dia travei conhecimento com um senhor idoso (provavelmente mais idoso do que eu…) que estava a fazer o papel de controlador dos autocarros que transportam pessoas do “resort” para as diferentes zonas da Disneyland. Estava interessado em saber como se podia ir para a cidade e não para a Disneyland, e ele explicou-me tintim por tintim como fazer. Foram cinco minutos de conversa agradável. Mais tarde, cruzei-me com ele numa das áleas do parque: cumprimentou-me efusivamente, o que fiz igualmente. Esta é a América de que gosto.

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A viagem termina atribuladamente… O furacão Wilma não chegou antes de eu partir, mas teve a antecedê-lo mau tempo. Por isso, no dia 22, sábado, estava já no aeroporto, a escassa meia hora de partir rumo a Detroit, onde tinha uma ligação com tempo aceitável para Amesterdão, quando desabou uma tempestade (chuva e trovoada) que paralisou o aeroporto por quase uma hora. Foi pois com preocupação que fiz a viagem, sempre a pensar se chegaria a tempo. E cheguei: o avião atrasou de propósito dez minutos para permitir aos passageiros em trânsito (eu não era o único) seguir viagem. Este troço – Detroit-Amesterdão – considerava uma espera de mais de duas horas para a ligação para o Porto. Mas o inesperado aconteceu. Um pouco depois de metade da viagem feita (cerca de 8 horas de voo), somos informados pelo comandante que devido a uma emergência médica íamos aterrar em Dublin (Shannon). Mais tarde foi dada a informação completa: uma senhora teve um ataque cardíaco, não havia médicos a bordo, e uma enfermeira que viajava achou que esperar mais duas horas e meia seria perigoso. A escala foi demorada, por causa da burocracia, e como consequência perdi o enlace para o Porto por dois minutos (!). Resultado: estive sete horas e tal no aeroporto à espera de transporte, ainda por cima não directo (fiz Amesterdão-Lisboa-Porto). Em resumo: estive 38 horas sem ir à cama e praticamente sem dormir…

2005/10/31

Memórias recentes de uma viagem (1)


Retomando (espero) uma maior assiduidade, aqui ficam alguns flashes da minha viagem a Orlando para a memória recente…

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Aeroporto de Schipoll, Amesterdão. Chego razoavelmente folgado em tempo para apanhar a ligação para Detroit, mas decido ir para a porta de embarque. À entrada, travo diálogo com uma funcionária da KLM, antes de me decidir entrar. Em inglês, claro. Quando me pede o cartão de embarque, exclama: “Freitas! Ora então é português!” É sempre agradável encontrar um compatriota. Bom, na sua tarefa de procurar evitar ataques terroristas, decidiu fazer-me (certamente) as mesmas perguntas que lhe dizem dever fazer a quem quer que seja, o que é justo. Mas não pude deixar de ficar espantado com este diálogo: “Sr. Freitas, foi o senhor que arrumou a sua bagagem?” “Eu arrumei a pasta, a mala foi a minha Mulher que a fez” “Sozinha?” “Bom, às vezes dei palpites…” “Quer dizer que não esteve junto dela todo o tempo que arrumou a mala?” Nesse momento devo ter feito uma cara feia e perdi um pouco o tom amigável. “Que pergunta! Teria de estar?” Não obtive resposta – felizmente… Independentemente de tudo mais, qual a utilidade dessas perguntas?

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Uma pessoa esquece pormenores. Por isso a primeira reacção foi de espanto, mas nem cheguei a fazer a pergunta… Quando no aeroporto de Detroit comprei uma escova de dentes (lembrei-me que me tinha esquecido de a trazer) tinha visto o preço ($1.69) e por isso, por um momento, fiquei perplexo quando no quadro da registadora apareceu $1.79. Mas lembrei-me logo a seguir: a “sales tax”! ou seja, o imposto estadual sobre as vendas, que é sempre adicionado aos preços marcados e varia de Estado para Estado. Aqui, como se vê, é 6%. Mas lembro-me que há dois anos, na Califórnia, era mais de 10%!

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Sempre me impressionou, nos Estados Unidos, o número de pessoas gordas com quem cruzamos em toda a parte. Não só gordas, nem muito gordas, mas sim GORDÍSSIMAS! Em Iowa, quando durante algum tempo viajava de autocarro para a Universidade, havia uma rapariga tão gorda que quando entrava no autocarro ele dava de si, e baloiçava visivelmente. Volto a vê-las neste regresso. É que não é uma por acaso; então, nos aeroportos, em que passam continuamente pessoas, de vez em quando aí está um obeso. Fruto sem dúvida de uma alimentação desequilibrada – mas não pode ser só isso.

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Como no ano passado não entrei nos Estados Unidos, ainda não tinha passado por aquela experiência um pouco desagradável de ter de deixar as impressões digitais e ser fotografado quando se passa pela emigração… Devo dizer que o serviço foi rápido e até simpático por parte do atendedor, mas mesmo assim senti-me quase como se fosse presidiário… Já a mesma simpatia não a demonstrou um polícia que, quando telefonava para a minha Mulher a dizer que chegara a Detroit, me disse desabridamente para desligar porque não podia fazer telefonemas (estava na zona de recolhe de bagagens!). Nem tive tempo de manifestar espanto, porque mal desliguei, ele voltou-me as costas. E o melhor, nestes casos, é não querer entender…

2005/10/23

Recuperar a(s) Memória(s)


(1) A interrupção de posts neste blog (mais longa do que pensava), embora anunciada, quebrou de algum modo uma cadeia de ideias que tem de ser recuperada. E vai ser. Esta é a primeira recuperação: de A Memória Flutuante.

(2) Mas tenho uma segunda recuperação, esta de "memórias", que tenho de assinalar no momento próprio, mesmo antes de recuperar a Memória…

Em 1947, o destino (o acaso, a fortuna, a sorte…) quis que quarenta e cinco crianças (é-se criança aos dez, onze anos, certo?) se juntassem na mesma turma do 1º ano do Liceu de Passos Manuel, em Lisboa (que equivalia ao 1º ano do 2º ciclo do ensino básico). Como é lógico, criaram-se entre essas crianças, depois jovens, depois adultos, relações de amizade. Amizade circunstancial nuns casos, amizade verdadeira noutros. Ao longo dos anos, algumas dessas crianças de 1947, embora afastadas por vezes milhares de quilómetros, não deixaram de contactar, e a partir de uma certa altura, penso que nos anos 80, decidiram juntar-se anualmente num jantar, em Outubro, para recordar o dia 7 de Outubro de 1947 em que se conheceram. Ontem, 25 de Outubro de 2005, 58 anos depois, reuniram-se dez elementos desse grupo de 45 que continuam a preservar a amizade criada. Não somos (porque eu faço parte do grupo!) apenas dez, neste momento contamos 13 resistentes, mas três não puderam estar ontem. Nas quase quatro horas de convívio, os agora “sessentões” e “setentões” ainda foram capazes de brincar e recordar os seus professores, felizmente quase todos excelentes, de se inteirarem sobre as próprias vidas, de se preocuparem com os achaques de uns tal como se alegrarem com a vitalidade de outros. E hoje, ao regressar a Braga (porque fui expressamente a Lisboa para o jantar) pensava como a função social da escola é importante, como não pode nem deve ser negligenciada, ao lado de outras funções, também importantes, claro, mas que a não substituem. E recuperei as memórias do garoto que era, das maroteiras que fazíamos (claro!) mas também das coisas nobres de que éramos capazes. Foi uma noite bonita, como têm sido sempre. E quis que isso ficasse registado aqui.

2005/10/17

Em viagem (1)

Sábado, 15

Às seis e cinquenta da manhã tive a primeira alegria. Não dormi muito, claro, mas estava bem desperto. Pedira que o táxi me fosse buscar pelas 6 e 45 – o que era suficiente, num sábado de manhã, para chegar ao Porto sem problemas. Desde que vim para Braga afreguesei-me a um serviço de táxis, uma estrutura familiar que desde cedo me inspirou muita simpatia. O chefe de família fora emigrante em França, lá fora taxista e a uma dada altura regressou a Braga para tentar a vida no ramo. Com a ajuda dos filhos e do genro singrou, arranjou um pequeno número de carros, e sobretudo cultivou a simpatia (quantas vezes não me foram buscar às cinco da manhã, quando tinha de estar antes das seis no aeroporto! Nos últimos tempos tenho saído muito menos e por isso não tenho usado táxis. Entretanto, o chefe de família faleceu, mas os filhos continuaram o negócio.

Um dos filhos é uma filha: uma filha taxista, sim senhor! Há uns cinco ou seis anos eram ela quem mais me conduzia. Soube da vida dela – triste: enviuvara cedo, ficara com dois filhos pequenos. Mas, naquela altura, tinha um objectivo. Depois de acabar os estudos do secundário, queria seguir um curso de enfermagem. Não foi enfermagem que conseguiu, mas sim um curso de reabilitação físico-motora. Ia todos os dias para Ponte de Lima, fazia umas tantas horas de táxi. Respirava determinação.

Pois bem, disse-me hoje, com alegria, que está a acabar o curso. Passou a todas as disciplinas, fez pois tudo direitinho, e está a pensar em projectos, com colegas, para dar apoio a empresas (mais do que a particulares, e percebe-se porquê). Mas diz que vai continuar com o táxi. Apoio à família, apoio a si própria.

Fiquei contente e a pensar no que pode a força de vontade, a determinação.

Perto das sete e trinta, não direi que tive uma alegria simétrica da anterior, mas tenho de confessar que me senti bem. Perto já do aeroporto Sá Carneiro verificámos que havia alteração de percurso: o caminho indicado para as partidas levar-nos-ia ao último andar da nova gare, que tinha sido aberta à meia-noite.

Cansado das obras sempre que lá ia, recordando que o aeroporto devia estar pronto para o Euro 2004, é óptimo vermos um aeroporto moderno, amplo, muito mais agradável do que o de Lisboa (é preciso um aeroporto novo para Lisboa, já!!!). Pensei nessa altura que nestes tempos de crise, vermos inaugurar aquele conjunto é gratificante. Foi o segundo belo momento, em menos de uma hora…Queriam melhor maneira de começar uma viagem?
Orlando, Florida, Domingo, dia 16...

2005/10/14

Uma pausa maior?


Para além da irregularidade com que tenho frequentado a Memória, consequência de outra prioridade dada aos meus alunos de mestrado, vou na próxima semana adicionar um outro constrangimento, uma vez que amanhã voo para os Estados Unidos, onde em Orlando (Florida) vai decorrer a conferência anual da "Association for Educational Communications and Technology" (AECT), porventura a maior organização internacional no campo da tecnologia educativa. Sou membro há quinze anos e nos últimos dez tenho, com certa regularidade, ido a todas as conferências. É uma oportunidade rara de contactar com os maiores especialistas de muitos países, permitindo-nos aperceber quais as tendências que emergem das inovações tecnológicas.
No regresso não deixarei de deixar aqui as minhas impressões. Até lá!

2005/10/12

Mais do mesmo


Leio nos jornais de hoje (ontem, não tive oportunidade de ver notícias na TV) declarações de responsáveis sindicais e de professores, a propósito da intervenção do Secretário de Estado da Educação acerca das medidas que comentei ontem neste blog, nas quais se usa a mesma expressão que empreguei, “mais do mesmo”, associada a uma certa desconfiança sobre os resultados de recuperações que se baseiem nesse princípio.
Embora continue à espera de ver concretizado no papel o que o Ministério propõe, não me contenho em desde já, dizer mais alguma coisa. Pertence precisamente aos professores (reunidos no conselho de turma) tomar as decisões que se imponham para tentar diminuir a taxa de insucesso. Na verdade, a legislação existente permite-o, e por isso, estou expectante acerca da maneira como o despacho ministerial vai ser elaborado. Não me parece que seja possível, nem desejável, impor modelos. Repito, é aos conselho de turma que compete estudar a situação dos seus alunos e propor soluções. A escola (agrupamento) terá de estudar os meios para compatibilizar essas diferentes soluções. As estruturas do Ministério da Educação, as existentes ou a definir, terão como função dar apoio. E outras estruturas (associações de pais, por exemplo) deverão ser chamadas a cooperar.
Mas atenção, para que haja sucesso, cabe aos professores o principal papel. O papel de se assumirem como professores e não como funcionários públicos (o que não quer dizer que deixem de ser críticos em relação a eventuais beliscaduras nos seus direitos). Continuarei atento a este assunto, que é, sem dúvida, da maior importância.

2005/10/11

Novidades na educação


Leio no Público (e como esta local está on-line, pode ler também aqui) que o Ministério da Educação anunciará hoje medidas de combate ao insucesso escolar em que a peça central serão “aulas de recuperação” e “planos de recuperação” para os alunos que reprovem em dadas condições. Aguardarei pelo despacho anunciado para daqui a alguns dias (perguntando-me que sentido faz anunciar medidas sem se conhecerem completamente todos os dados que as suportem) mas permito-me desde já fazer um comentário. Sou muito céptico em relação a “aulas” de recuperação, o “mais do mesmo” que regra geral não consegue acrescentar nada a quem sabe pouco. Pelo contrário, penso que a existência de planos de recuperação individuais consigam ter uma percentagem de êxito assinalável, desde que cuidadosamente planeados e executados.

A estrutura curricular do ensino básico contém, aliás, uma área (o estudo acompanhado) que foi pensada precisamente para ajudar os alunos, e em especial os que têm mais dificuldades de aprendizagem. Infelizmente, creio que raramente ela foi aproveitada como devia pelos professores nas escolas. E no entanto, onde foi bem aplicada, poderá ter tido sucesso.

Vamos uma vez mais esperar para ver. Gostaria de poder dizer que estou entusiasmado, mas não estou: sinceramente, receio sobretudo que as aulas de recuperação se transformem em novos meios de discriminação (que sendo eventualmente necessária, não deve sê-lo numa perspectiva institucional, mas como um acto normal do processo de ensino-aprendizagem dos alunos).

2005/10/10

Amarante


Eu gosto de Amarante: da sua paisagem repousante, dos seus monumentos e do seu museu, da sua gastronomia (que doces deliciosos!), da sua gente. Tenho em Amarante grandes amigos. Nos últimos tempos, confesso, vivia contrito a pensar no que podia acontecer a Amarante depois do dia de ontem. Estava preocupado, sinceramente preocupado.

Por isso, fiquei feliz e mal soube do resultado das eleições para a Câmara Municipal, enviei uma mensagem dando parabéns ao Luís. Afinal, nem tudo está perdido!

Nota: a minha irregularidade na Memória prende-se com o facto de estar agora a gerir um outro blog muito mais exigente… Espero que em breve consiga o equilíbrio, tanto mais que tenho algumas promessas por cumprir…

2005/10/05

A República

Sorrio quando recordo que quando era criança (e até mesmo “rapazinho”) tinha pena por já não haver rei em Portugal. Não diria que era monárquico – coitadinho do que era eu! – mas certamente fui arrastado pelo meu gosto pela história e, também, pela maneira como ela era ensinada e eu a aprendi. Era na verdade uma história de reis e de exaltação das virtudes da “raça”, uma história de heróis e heroínas (a Padeira de Aljubarrota formatou a minha desconfiança persistente ao país vizinho…), e a minha mente infantil deve ter-se povoado de imagens construídas de fausto dos palácios (que nem era assim tão grande).

Depois, passou-me a tendência, e passei a considerar o sistema republicano como realidade irreversível e muito mais interessante do que a monarquia. Entendo, porém, que a pouco e pouco, para além do feriado, se tem perdido muito do brilho da comemoração do dia em que se mudou o regime. E há pouco dei por mim a pensar que só faltam cinco anos para o centenário. Não seria de começar já a pensar em como comemorar a data?
EM TEMPO
Vejo hoje (tardiamente, ando distraído...) que já se pensa na comemoração (ver aqui). Ainda bem!

2005/10/04

O estado da democracia


A minha geração não foi educada para a política, ou se quisermos foi educada para uma política. Uma política manhosa, calculista, de subordinação ao “chefe”, aos escolhidos, de aceitação passiva das suas determinações. Eu sou da geração que em jovem era amarrada com um cinto cuja fivela era um S e fazia ordem unida às quartas-feiras, para ser chefe de quina ou comandante de castelo. Houve quem se libertasse, e com sacrifício da própria liberdade lutasse por ela. Não fui desses, mas muito cedo percebi a engrenagem em que era obrigado a viver. E de algum modo acomodei-me, à espera que algo acontecesse. Esperei quase quarenta anos, para sentir, em Abril de 1974, a alegria incontida de ver acabar uma era em que não me orgulhava de ter vivido. Embora não tendo sido educado para a política, fiz a minha auto-educação, sobretudo enquanto estudante universitário, ainda que moderado nas minhas opções. Percebi que era profundamente adepto de um sistema diferente daquele em que vivia, mas não me entusiasmava o modelo comunista; era nos países nórdicos, numa social-democracia equilibrada que me revia.

Depois do 25 de Abril decidi (como tantos outros!) que tinha de intervir politicamente, que era obrigado a tal para ajudar o meu país. E não me foi difícil encontrar o partido que me pareceu mais perto de poder concretizar uma ideia para o novo Portugal, ainda que dois se reclamassem praticamente do mesmo ideário. Durante quase ano e meio fui militante a sério, dos que colaram cartazes a meio da noite, ia a comícios e manifestações, tinha autocolantes no automóvel. Na secção da minha residência, em Lisboa, trabalhei a fundo no sector da organização. Não me movia nenhum outro interesse senão o ajudar, o ser útil. Nunca me passou pela cabeça passar a “político” profissional; pelo contrário, até recusei uma ideia de a secção me propor para deputado da Constituinte – o que considerei uma ideia peregrina, que preparação tinha eu para ser deputado?

Um dia, porém, descobri que não era assim que as coisas funcionavam, quando fui envolvido em intrigas que punham em causa, na profissão que exercia, a minha capacidade, para favorecer outros apenas porque no partido tinham mais “poder”. Percebi então que estava enganado, eu não tinha vocação para ser homem de partido, e desvinculei-me.

Não tendo pois actividade partidária, não deixo de ter uma leitura política do que vai acontecendo. E não é uma leitura alegre. Penso que o estado da nossa democracia é preocupante. O que se tem passado a nível de contestação às medidas do governo, com que todos deviam contar (bastava ler o programa eleitoral do partido vencedor) e sobretudo em relação a alguns episódios da campanha para as autárquicas do dia 9 é grave. Afinal, o que queremos nós, portugueses? Erigir estátuas à corrupção e ao compadrio? Afundar-nos no conjunto dos países europeus como incapazes de nos gerir com rigor? Há anos que se pediam reformas – quando se começa, mesmo timidamente, a tentar pôr a cada em ordem, refutamos essa necessidade? Quem pensa que qualquer outro governo poderia proceder de outro modo? Quando haverá o bom senso de perceber que sem um amplo consenso nacional democraticamente aceite será sempre difícil ultrapassar as dificuldades? Claro que esse consenso não se assemelha a uma “União Nacional” do antigamente, mas a soluções que existem e têm existido em outros países. Até entre nós, e com razoáveis resultados, nos anos 80…