2007/01/24

A. H. Oliveira Marques (1933-2007)


Quando entrei na Faculdade de Letras de Lisboa, em Outubro de 1954, Oliveira Marques começava o seu 3º ano do mesmo curso, o de Ciências Históricas e Filosóficas. Recordo-me dele, jovem como eu, nos claustros do velho convento de Jesus. Um ano mais tarde, Oliveira Marques começou a ser falado com respeito: ia fazer uma coisa raríssima, mas permitida, que era apresentar a tese (na altura, as licenciaturas compreendiam a redacção de uma tese original) no final do 4º ano. A esmagadora maioria dos alunos só depois do curso aproveitava o 5º ano para a elaboração da tese. E – posso dizê-lo – implicava um trabalho imenso ter de satisfazer a todas as disciplinas do 4º ano e, ao mesmo tempo, investigar e redigir a tese. Mas Oliveira Marques fê-lo, e em 1956 defendeu, com brilho, um trabalho que intitulou A Sociedade em Portugal nos Séculos XII a XV. Teve como investigador uma vida cheia e a historiografia portuguesa deve-lhe muito.

Nunca privei de perto com ele – fomos sempre colegas distantes. Mas sempre tive grande admiração pelas suas qualidades, e enquanto professor de história recorri muitas vezes aos seus trabalhos eruditos.

Leio no jornal a notícia do seu falecimento. Era dois anos e meio mais velho do que eu. É um sentimento estranho quando vemos partir quem foi nosso contemporâneo. É a vida...

2007/01/21

Bom senso…


Não penso, como Descartes, que o bom senso seja a coisa que no mundo é mais bem distribuída; e ao longo da vida tenho presenciado muitas situações em que o bom senso esteve ausente. Mas há casos tão flagrantes que ainda me fazem abrir a boca de espanto. O “inquérito” sobre violência doméstica que foi levado a efeito por questionário a alunos das nossas escolas, tal como foi noticiado, por exemplo, pelo Expresso de ontem (acessível apenas por assinatura), é um verdadeiro espanto. E mais espantosa ainda a reacção da coordenadora do projecto, ao que parece técnica do Instituto da Droga e Toxicodependência, Fernanda Feijão, quando acha que se “está a fazer uma tempestade num copo de água”.

A aplicação de questionários em várias situações de investigação é justificável, mas a sua elaboração tem necessariamente de ser muito cuidada e ter em atenção todos os princípios de ética e de deontologia face ao processo que é objecto de estudo. Por outro lado, a falibilidade das respostas a questionários deve levar os seus organizadores a não cederem à tentação de inserir questões de difícil ou inverosímil apreciação por parte dos respondentes. Quem pode esperar dados fiáveis de uma questão como a que indaga se o pai (ou substituto, veja-se a delicadeza!) “obriga a mãe a fazer vida sexual com ele contra a vontade dela”?

Onde estavam os responsáveis do Ministério da Educação quando deram luz verde à aplicação do questionário? Onde andou o bom senso?