Quero reflectir agora sobre a primeira medida, a que pretende assegurar formação contínua aos professores do 1º ciclo (neste caso, especificamente em Matemática), com o apoio de estabelecimentos de ensino superior. As ESEs, sucessoras das Escolas do Magistério Primário, já tinham como incumbência a formação contínua dos docentes que formassem – começando por um célebre ano de indução, lembram-se? Um dia dedicar-lhe-ei um post, a esse nado-morto.
Na verdade, a formação contínua em Portugal só começou a despertar alguma atenção por parte dos órgãos do governo nos anos 60 – o ministro Galvão Teles foi autor de um projecto de Estatuto da Educação Nacional no qual consagrava o princípio do “constante aperfeiçoamento científico e pedagógico do pessoal docente”. Esse estatuto não chegou a ver a luz do dia, mas a Lei nº 5/73, a lei de bases da educação de Veiga Simão, refere-se explicitamente “a formação permanente dos agentes educativos”. Essa lei foi depois revogada pela Lei nº 46/86, ainda em vigor, mas entretanto numerosos diplomas tentaram regulamentar a formação de docentes, incluindo as ESEs, como escrevi acima.
Quando estive à frente da ESE de Faro (1985-1989) procurei desenvolver a faceta da formação contínua para os professores do 1º ciclo (na altura referidos como do ensino primário) e cerca de 140 professores, durante dois anos, seguiram um programa descentralizado em três núcleos (Monchique, S. Bartolomeu de Messines e Loulé), seguindo planos de estudo e trabalho que foram definidos (e consensualmente aceites) pelos formandos, entre os quais refiro, por exemplo, “Despistagem das dificuldades de aprendizagem”, “Métodos de aprendizagem da leitura e da escrita”, “O trabalho de grupo em classes com duas fases”. Estes professores reuniram-se no 1º ano semanalmente, durante três horas, nas localidades indicadas, a que se deslocavam três equipas de docentes da ESE. No 2º ano o modelo foi diferente, de formação a distância. Foram distribuídos textos modulares (sobre diversos assuntos) que eram trabalhados nas escolas durante o tempo de aulas e depois os professores deslocavam-se a Faro para seminários com os docentes da Escola. Não havia na altura sistema de créditos nem remunerações extra aos formadores…
A ideia de criar sistemas de formação contínua que fossem eficientes tinha-a desde que lera sobre o assunto, quando em estágio para professor do ensino liceal, e que desenvolvi mais quando no Ministério da Educação. Liguei-a então a uma outra, a da criação de centros de recursos que fossem, por si, geradores do interesse nos professores para procurarem a sua própria formação dados os apoios que lhes fossem facultados. Ainda antes do 25 de Abril tive ocasião de visitar a rede de centros francesa (o Centre de Documentation Pédagogique, hoje
Centre National de Documentation Pédagogique, de Paris e os Centros Regionais, tendo na altura visitado o de
Caen, estruturas que ainda hoje se mantêm vivas e de boa saúde). Depois, a ideia ampliou-se e quando estava no GEP estive envolvido num projecto semelhante, a criação dos CRAP (Centros Regionais de Apoio Pedagógico), que teve o apoio técnico da OCDE. Os Centros chegaram a ser criados, mas as mudanças políticas e a própria política desses tempos “quentes” inviabilizou a sua continuidade. As ESEs surgiam a meus olhos como as instituições que mais poderiam fazer para oferecer aos professores em exercício uma formação contínua adequada, tanto mais que a legislação assim o determinava.
Infelizmente, nunca se pensou assim, e a rede de escolas, que cobria o país a nível distrital (onde não havia uma ESE a Universidade encarregara-se de constituir unidades de formação para o mesmo efeito), não foi aproveitada.
Mais tarde, nos começos dos anos 90, criam-se os Centros de Formação de Associações de Escolas. Saudados como uma inovação com sentido, têm evoluído desde então com diferenças substanciais no que se refere à sua actividade e, sobretudo, aos resultados dela resultantes. Mas ninguém dirá que o panorama da formação de professores no país mudou por sua causa.
Ora quando nas entrelinhas de uma comunicação da Ministra entrevejo uma ideia que defendi não posso deixar de ficar agradavelmente surpreendido. Não sei como essa ideia vai ser operacionalizada, e portanto não me estou a comprometer a aplaudir a não ser o princípio, recordando as palavras ditas:
“A execução do programa ligará o ensino superior às escolas do primeiro ciclo através das sedes de agrupamento. Trata-se de um modelo de grande proximidade, de acompanhamento regular e periódico dos professores, de formação em exercício, num formato inovador de exigência e responsabilização, que visa contrariar a dispersão, atomização e o abandono a que estão votadas as escolas e os professores do1.º ciclo. O programa trará até eles os professores de matemática das escolas superiores de educação e dos departamentos de matemática das universidades para um acompanhamento e formação contínua em matemática”.
O que ele venha a ser efectivamente, vamos ver.