Não tenho andado distraído em relação ao que se tem passado no campo da educação. Apesar da falta de tempo, sempre vou sabendo as medidas anunciadas, com as quais de uma maneira geral concordo (mas de vez em quando também tenho dúvidas). Também de vez em quando tenho lido, ouvido – e até visto – a senhora Ministra. Tenho-me apercebido que, à parte os Sindicatos dos Professores (e não todos) e muitos (?) professores, há uma opinião muito favorável em relação à actividade do Ministério, da firmeza da Ministra (e penso que, por extensão, dos Secretários de Estado, que embora mais na sombra não podem deixar de ter interferência na política geral definida).
Na sexta-feira, Maria de Lurdes Rodrigues assinou um artigo saído no Público (indisponível on-line, já se sabe) que mereceu a minha atenção. Um artigo para o grande público ultrapassa muito o redigir um despacho ou assinar uma portaria. O título do artigo é “O desafio da educação”, que para ela é “a necessidade de alteração da qualidade e do nível de exigência nas … escolas”. Prisioneira da crueza das estatísticas da OCDE lamenta que ao real esforço financeiro que tem sido feito pelo Estado no apoio à educação não correspondam melhores resultados (e essa realidade tem sido recorrentemente posta a nu desde há uns anos).
Depois, e tendo em conta, como diz, o teor de “relatórios nacionais e internacionais” elenca o conjunto de três problemas, de três diferentes níveis, que considera deverem ser debatidos no país. Vou procurar contribuir, desde já, para tal, transcrevendo ipsis verbis o texto da senhora Ministra e comentando-o.
1 Ao nível sistémico e organizacional são apontados (pelos relatórios) o excessivo centralismo do sistema de ensino e défice de autonomia das escolas, o défice de actividades de acompanhamento e enquadramento de alunos, o défice de envolvimento e trabalho de docentes ao nível do estabelecimento, o défice de acompanhamento e supervisão de aulas e do correspondente controlo da qualidade do ensino.
Senhora Ministra: está pronta para contribuir para uma efectiva descentralização e para que não seja coarctada a autonomia das escolas? E uma vez isso conseguido, tem ou vai ter um plano de efectivo acompanhamento (não quero dizer só controlo) das escolas, para as ajudar no que precisam (e é, na maior parte dos casos, muito)? Tem pensada uma estratégia que altere a actual situação e torne os professores seus aliados e não seus inimigos (eu sei que tem tido razão nas suas decisões, mas tem de reconhecer que sem os professores não pode mudar a escola)?
2 Ao nível sócio-económico é apontado o quadro de enorme desigualdade social, a extrema heterogeneidade dos alunos e das escolas nesta matéria, bem como o défice de acesso a recursos sócio-educativos e culturais dos nossos alunos.
Senhora Ministra: tenho, temos todos consciência que este não é só um problema do seu Ministério, mas algo pode fazer (e já começou a fazer, é bom que se lembre). Já assegurou, junto dos colegas de outras pastas e do próprio Primeiro-ministro, mais do que uma solidariedade circunstancial?
3 Ao nível do desenvolvimento curricular são apontadas questões relacionadas com a excessiva dimensão e desajuste de programas e instrumentos de ensino e aprendizagem e ausência de articulação entre as condições de ensino e os mecanismos de controlo externo, designadamente os exames nacionais.
Senhora Ministra: está preparada para retomar a política que nesse campo o Partido Socialista iniciou com a Secretária de Estado Ana Benavente, que, não sendo naturalmente perfeita, continha potencialidades para eliminar esses problemas? Sabe que vai ter de lutar e vencer interesses instalados, por vezes pelas piores razões mas outras por motivos compreensíveis, que desejam manter o que está (i. é, um currículo fortemente disciplinarizado)? Está pronta, como pede a todos nós para estarmos prontos, para uma reflexão séria sobre o que devem ser os famigerados exames externos (tenho, sobre este aspecto, as maiores dúvidas que sejam a melhor solução)?
É evidente que os temas em foco nunca terão como resultado unanimidade nas possíveis soluções. Mas é bom sinal que se queira iniciar essa discussão.