2005/02/19

Uma escola de sucesso



Na Única do Expresso de ontem (nº 1686) há uma reportagem intitulada “Uma escola de sucesso”, na qual é dado aos leitores conhecer a a escola de Canas de Senhorim (a mesma da luta pela elevação a concelho). É uma escola com uma estrutura não muito vulgar, porque sendo uma escola básica com 2º e 3º ciclos tem também o ensino secundário. Não a conheço: mas para a leitura da reportagem fui dar uma vista de olhos ao site (o que qualquer dos meus leitores pode fazer agora). Claro que fiquei bem impressionado, e satisfeito com o que li e vi. Só lamento que existam poucos exemplos como este, porque seriam possíveis em situações semelhantes (escolas relativamente pequenas em meios sociais que vêem a escola como coisa sua, com uma liderança forte). A chave do sucesso está destacada em caixa: “Temos problemas, só que trabalhamos bastante” – palavras do presidente do conselho executivo. O que as escolas precisam é de professores que sejam profissionais e tenham consciência da sua autonomia. Professores que não se sintam funcionários. Pouco importa que, depreciativamente, os apelidem de “carolas”: o entusiasmo quando se trabalha envolve sempre alguma carolice (o Houaiss, agora na moda, ensina-me que carola é sinónimo de devoto, por extensão apaixonado).
Curiosamente, a autora da reportagem, Rosa Pedroso Lima (um nome de há muito ligado às coisas da educação) escreve a dada altura (tenho de copiar porque não há ligação…):
Os pedagogos e os responsáveis políticos que dirigem o Ministério da Educação vêem nas lideranças fortes e num projecto educativo específico, uma chave para o sucesso das escolas. Em Canas de Senhorim, porém, não há memória de terem saído vistos quaisquer membros dos Gabinetes da Educação.
Ora bem, a liderança forte não precisa, na verdade, de estar à espera que Lisboa (ou Coimbra, a DRE da zona) faça visitas de estímulo… Eu defendo que exista acompanhamento às escolas quando necessitem – mas visitas de cerimónia, quantas menos melhor...
Agora, o reverso da medalha… Lida a reportagem, deparei-me com uma página e uma coluna com a assinatura da jornalista Mónica Contreiras, coluna intitulada “Um imenso recreio”, onde ressuscita um célebre (e infeliz) Manifesto para a Educação da República e onde refere Guilherme Valente, Carlos Fiolhais, Fátima Bonifácio e volta a referir o “eduquês”. Foi pena que, nessa prosa, tivesse prevalecido o “jornalês” ao jornalismo… (É evidente que este tema não deve ser abordado a brincar, e um dia destes terei de me demorar mais sobre ele).

Ensino superior politécnico (4)


Concluí o post anterior dizendo que no final dos anos 80 os Politécnicos criados estavam a funcionar. A história não acaba aí, mas vou fazer uma pausa para continuar a dar um relevo especial às Escolas Superiores de Educação, que constituíram uma real mola impulsionadora do ensino superior politécnico.
Como já foi dito, na reforma Veiga Simão tinham sido criadas as Escolas Normais Superiores (recuperando uma designação utilizada na 1ª República – 1911), como “centros de formação e aperfeiçoamento de professores para o ensino básico, em especial para o preparatório”. Houve mesmo um projecto (concretizado) de formação de docentes para essas escolas, o qual se traduziu na ida para os Estados Unidos da América de um número significativo de bolseiros que aí obtiveram mestrados (e alguns continuaram, mesmo, para doutoramentos). O 25 de Abril fez abortar a ideia das Escolas Normais Superiores, mas logo surge uma ideia afim, a das Escolas Superiores de Educação, que irão substituir as Escolas do Magistério Primário na formação dos professores para esse ramo de ensino, as escolas (poucas) que formavam educadores de infância e, retomando a ideia de Veiga Simão, tendo também atribuições na formação de professores para o ensino preparatório (como era designado o ensino dos 5º e 6º anos de escolaridade).
A formação de professores do ensino primário tinha sido, até aos anos 70, da competência de escolas do magistério primário, uma por distrito (com excepção de Setúbal). Durante muitos anos foi uma formação aparentemente pouco exigente: os alunos eram admitidos com o antigo 5º ano dos liceus (equivalente ao actual 9º) e o curso tinha a duração de dois anos. Ou seja, podia ser-se professor do ensino primário com apenas 7 anos de escolaridade e exercer a profissão apenas com 17, 18 anos. Gostaria de explicar o “aparentemente”, para já de uma maneira sucinta, deixando porventura uma reflexão mais cuidada para depois. Em meados do século XX o curso geral dos liceus, com 5 anos, era muito exigente (não esqueçamos que vivíamos no tal período elitista no qual, apesar das metodologias tradicionais, chegavam ao fim os melhores). Para entrar nas Escolas do Magistério havia um exame de admissão, e os dois anos do curso eram anos de trabalho intenso. Falo com conhecimento de causa porque entre 1961 e 1963 fui professor de Psicologia Aplicada à Educação da Escola do Magistério Primário de Viseu. Ora depois do 25 de Abril houve mudanças significativas: a entrada passou a exigir o 7º ano (actual 11º), o número de anos passou de dois para três e os currículos foram substancialmente alterados (1976). Preparava-se, assim, a elevação dos cursos do magistério primário de estudos médios para superiores.
É curioso lembrar que quando, em 1984, a OCDE fez o exame da política educativa de Portugal, a equipa de peritos não se mostrou muito entusiasmada com as alterações, chegando a declarar que não tinha descoberto nenhuma insuficiência grave na formação dos professores do ensino primário “que repercutisse na sua eficácia nas escolas e que justificasse uma mudança tão dispendiosa” (Exame das Políticas Nacionais de Educação: Portugal. Lisboa, GEP-ME, 1984, p. 106). Contudo (e devia a estar a referir-se à ESE de Viseu, que como disse começou a funcionar muito mais cedo do que as outras) a mesma equipa congratulou-se com o facto de a formação dos professores de ensino primário e preparatório passar a fazer-se conjuntamente.
Era essa, aliás, a intenção clara da mudança. Para isso se trabalhou ao nível das diferentes comissões instaladoras, muito trabalho “no arame” porque nos faltavam linhas orientadoras. Pedia-se uma nova lei de bases, que se tornava necessária depois de aprovada a Constituição de 1976, e que era insistentemente reclamada por professores, estudantes, associações de pais. Na Assembleia da República foram sendo presentes ao longo dos seus primeiros anos iniciativas de lei dos partidos políticos, mas só em 1986 se criaram as condições para um trabalho intenso e rigoroso que veio a culminar com a aprovação da Lei de Bases do Sistema Educativo, no dia 24 de Julho, com votos a favor do PSD, PS, PRD e PCP, votos contra do CDS (não era na altura …PP) e a abstenção do MDP/CDE. Esse diploma foi depois publicado em 14 de Outubro como a Lei 46/86.
Só então ficaram definidas coordenadas importantes para as ESE's: foi a Lei 46/86 que suprimiu a designação de ensino primário, consagrando a divisão do ensino básico em três ciclos (4+2+3) apropriando-se de parte do que era ensino secundário; e definindo em absoluto a formação de professores integrada, tal como na década de 70 se iniciara nas chamadas universidades novas, Minho e Aveiro. Educadores e professores do 1º ciclo completavam cursos de 3 anos e eram bacharéis; os professores do 2º ciclo teriam mais um ano de curso e eram licenciados. Como se sabe, hoje já não é assim.
Não posso deixar de lembrar uma outra curiosidade, mas fica para depois…

2005/02/17

17 de Fevereiro



Deixem-me hoje expressar o meu regozijo por comemorar mais um aniversário da minha Universidade – aquela onde iniciei, há vinte e oito anos, a docência no ensino superior: a Universidade do Minho. Como fez 31 anos, isto significa que quando aceitei trocar Lisboa por Braga a Universidade tinha 3 anos, apenas gatinhava… Foram tempos de grande entusiasmo, que um dia evocarei com algum pormenor. Hoje apenas quero sentir-me orgulhoso por pertencer a uma Universidade que cresceu, ao longo destes anos, mostrando uma vitalidade aliada a qualidade que a faz ser reconhecida nacional e internacionalmente.
O dia foi de festa, como são todos os 17 de Fevereiro; somente hoje houve um adicional de interesse na comemoração, por ter sido concedido o doutoramento honoris causa a Joaquim Chissano, que há pouco deixou a presidência da República Democrática de Moçambique. Esteve presente o Presidente da República, Jorge Sampaio, e, por ser o padrinho do doutorando, Mário Soares. Foram oradores, fazendo o elogio do Padrinho e do doutorando, os Professores Pedro Bacelar de Vasconcelos e Manuel Lobo Fernandes. Foi uma boa sessão, com boas intervenções; para além da cerimónia do doutoramento houve as habituais alocuções do Reitor, dando conta do que se fez em 2004 e perspectivando 2005, e do Presidente da Associação Académica da Universidade. Foram ainda entregues as cartas doutorais a quem tivesse obtido o doutoramento no ano anterior.
Este é mais um dia para conservar na minha memória…

2005/02/15

Ensino superior politécnico (3)


(Retoma-se um tema que foi iniciado há dias)
Continuação dos
posts 1 e 2
Apesar do enquadramento institucional e dos compromissos com o Banco Mundial os primeiros tempos dos politécnicos não foram fáceis. Embora até ao final da década de 80 todos estivessem a funcionar, com maior ou menor dificuldade, foi necessária uma grande dedicação e perseverança para levar a bom termo a tarefa. Não cabe na dimensão de um post escrever história com muita minudência. De 1983 em diante deixei de ser um espectador (ainda que interessado) do que se ia construindo em relação aos politécnicos e passei a ser actor: nos começos de Fevereiro tomei posse como vogal da Comissão Instaladora da Escola Superior de Educação de Faro, a convite do Prof. Carlos Lloyd Braga (falecido), Presidente da Comissão Instaladora do Instituto Politécnico (todas as comissões eram nomeadas, não havia concursos). Nessa altura o IPF tinha mais uma Escola em instalação, a de Tecnologia; o seu Presidente era o Prof. Aristides Hall, da Universidade de Aveiro (também já falecido). Foi meu Presidente na Escola o Prof. Luís Soares ; o outro vogal foi o Dr. Alberto Melo. Deixarei para outras memórias o que representou para mim a ESE de Faro (de que vim depois a ser Presidente da Comissão Instaladora).
Ora um dos meus primeiros actos foi participar numa reunião de comissões instaladoras das diferentes Escolas, que se realizavam regularmente (quase sempre em Santarém) para discutir problemas importantes. Também os Presidentes dos Politécnicos reuniam periodicamente e a dada altura assumiram-se como Conselho Coordenador da Instalação dos Institutos Superiores Politécnicos, o qual chegou a trabalhar por comissões especializadas (Educação, Tecnologias, por exemplo). O grande problema que enfrentávamos era que a tutela não tomava decisões que para nós eram vitais. No caso das ESEs era necessário saber que tipo de professor formar. É preciso ter em conta que ainda não havia lei de bases do sistema educativo (só seria publicada em 1986) e nas reuniões divagávamos sobre o perfil desse professor. Havia quem defendesse um professor único para os 6 primeiros anos de escolaridade, quem apontasse para uma diferenciação total (4+2) e também quem se aproximasse do modelo que veio a ser adoptado (um professor bivalente).
Recordo-me de termos realizado diversos encontros, alargados a especialistas (no Algarve, na Aldeia das Açoteias, onde estiveram representantes de instituições congéneres do Reino Unido, França, Alemanha, Espanha e Noruega, mas também em São Pedro de Moel e em Tróia, Setúbal). Nesses encontros antecipávamos cenários futuros, enquanto, lentamente, se iam construindo ou recuperando edifícios, ia chegando equipamento e mobiliário e se iam também recrutando docentes para as escolas, mesmo antes de funcionarem.
A primeira escola a arrancar, em condições peculiares, foi a ESE de Viseu, ainda em 1983. Na verdade, a autorização para funcionamento dos cursos causou surpresa, porque se partia, verdadeiramente, no escuro. Só vários anos mais tarde se iniciaram os cursos regulares (1987-1988).
Os problemas que se punham às outras escolas não eram semelhantes aos que se punham às ESEs porque tinham menos constrangimentos (enquanto que em relação à educação era preciso extinguir as Escolas do Magistério, as escolas agrárias – Coimbra, Santarém, por exemplo – evoluíam naturalmente para o novo sistema, o mesmo se passando com os Institutos Comerciais e Industriais). Mesmo as escolas de Tecnologia e de Gestão eram mais livres para definir os seus currículos.
Mas nos finais dos anos 80 os Politécnicos criados estavam a funcionar.

2005/02/14

A Escola da Ponte


Já me referi à Escola da Ponte em post anterior. A referência de hoje é imposta pela notícia do Público: vai ser assinado dentro de poucas horas (minutos, talvez) o contrato de autonomia, o primeiro alguma vez firmado, entre o Ministério e a Escola.
Visitei a Escola da Ponte há alguns anos pela primeira vez e não pude conter a minha verdadeira admiração pelo que vi e ouvi. Iam comigo alguns alunos de um curso de mestrado e eles também ficaram perplexos. A Escola da Ponte era de facto uma escola diferente. Uma escola que segue referências distintas de (quase) todas as outras, privilegiando a aprendizagem, diferenciando-a conforme os alunos, colocando estes num ambiente favorável à assunção de responsabilidades, dando-lhes ocasião de exercitarem princípios democráticos. Uma escola na qual quase todos os alunos aprendem mesmo, desde o que se supõe devam aprender na escola elementar até aos comportamentos sociais e éticos – o aluno não mente, não deita papeis para o chão; em contrapartida pode mover-se livremente (ir buscar livros, sentar-se por momentos a ouvir música). Voltei lá mais algumas vezes, sempre em visita com alunos de mestrado e também do último ano da licenciatura. Na última vez a Escola já ensaiava o segundo passo – passar do 1º para o 2º ciclo, e apercebi-me que havia alguns pequenos problemas a resolver. Espero que tenham sido, e, agora, com maioria de razões, sejam resolvidos em definitivo.
Para o grande impulsionador desta ideia inovadora, que teve o grande mérito de nunca desistir e de acreditar sempre, o Prof. José Pacheco, envio os meus parabéns, extensivos ao actual responsável, o Prof. Ademar Santos (do Abnóxio).
Todos os que pensam a educação na sua verdadeira dimensão esperam ainda mais da Escola da Ponte; e que o acto de reconhecimento do Ministério não fique por aqui. É preciso que se continue a confiar nas escolas que mostrem capacidade para uma gestão eficaz.

2005/02/13


Ao procurar entre papéis antigos, encontrei este autocolante que devo ter comprado nos EUA em 1984... Que acham?