2015/11/14

Ressentimento e tolerância


Há dias escrevi um post sobre o ressentimento, que para mim explica muito do que se está a passar em Portugal face ao rumo que a situação política tomou depois das eleições de 4 de Outubro. No fundo, as duas forças políticas com maior apoio nacional têm (objectivamente) razões de queixa mútuas. E, não as esquecendo, avolumam-nas quando em dificuldades ou, pelo contrário, quando estão “na mó de cima”, como popularmente se diz.

O mais curioso é que a história dos ressentimentos, contada por cada uma das tais forças políticas, aparece aos olhos dos seus apoiantes como a correcta, sendo muito difícil alguém ser neutro na apreciação. Não me coloco de fora: eu também julgo que a possível “narrativa” da força em que eu acredito é a que tem mais suporte.

Mas isso não significa que o meu ressentimento me retire o que eu considero complemento indispensável numa democracia, a tolerância. Por isso, embora eu não concorde com muita coisa que está a acontecer e que merece, aliás, ser evidenciada e combatida (até porque a democracia assim o exige), tempero meu desacordo com a dose necessária de tolerância. Escuso-me neste momento a exemplificar.

Mas neste discurso da tolerância intrometem-se as imagens que ontem todos vimos provenientes de Paris, e que lembram as muito diferentes, mais trágicas, vindas de New York em Setembro de 2001. Tal como nessa altura, a minha revolta eliminou a tolerância. E se posso compreender o ressentimento por parte do Islão, a resposta dada elimina qualquer tolerância. Tenho se concordar com o Presidente francês, os ataques são acto de guerra (mas a França já não estava em guerra?). Eu não sei como é possível concertar esta complexa situação que opõe dois mundos tão diferentes.

E dei por mim a pensar em como a nossa caseira desavença é coisa pouca comparada com a desavença desses dois mundos.


2015/11/13

Bloco doce


Em Nápoles, fui surpreendido ao pequeno almoço com os envólucros de açúcar da Doreca que aqui reproduzo, Isto foi o ano passado. Casualmente reencontrei um que guardei  como memória não particularmente de um insólito, mas de uma curiosidade. E lembrei-me de o divulgar - agora que o Bloco adoçou.



2015/11/10

Reflectindo sobre educação (I)


Ninguém estranhará que alguém que durante quarenta e sete anos foi professor (por vezes com outras funções ligadas à educação, em sentido lato) considere que a educação é um problema central da sociedade. Não digo o, digo um, porque há na verdade outros problemas cruciais, como a saúde. Esta ideia da importância da educação é no entanto generalizada. Ela está presente na família, o primeiro agente educador, e prolonga-se quando se percebe que são necessários outros meios para alargar as aprendizagens necessárias para vencer na vida.

Pondo de parte qualquer análise à história da educação, consideremos o quadro actual, que estabelece que a educação é uma das funções do Estado, o que implica, desde logo, que exista por parte desse Estado a definição de uma política educativa. No caso português, embora a Constituição estabeleça que “[o] Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas” (nº 2 do artº 43º), é evidente que o sistema educativo reflecte uma determinada orientação, necessariamente política. A Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei nº 46/86, de 14 de Outubro) estabelece orientações nesse sentido.

Será do entendimento geral que tal política educativa deva ter o maior consenso possível, fugindo a criar situações que possam ser discutíveis, o que naturalmente não é fácil de alcançar. Devo no entanto dizer, desde já, que entre nós, após o 25 de Abril e até há relativamente pouco tempo, houve um razoável consenso (razoável, não total, o que se compreende) acerca dos princípios gerais da educação. As discordâncias começaram a notar-se de 2002 em diante, com David Justino e Maria de Lurdes Rodrigues a divergir e Nunco Crato a destruir.

Uma das razões para a existência de consenso é o próprio termo educação. Muitas vezes refere-se educação quando se deveria dizer instrução. E pensar em educação ou em instrução numa escola faz toda a diferença. Educar tem uma abrangência que permite encarar o desenvolvimento da criança (ou adolescente, ou mesmo adulto) considerando todas as vivências em que se envolverá, e por isso a arte em geral, o desporto, a participação na vida da comunidade, não devem deixar de fazer parte do currículo. Instruir tem como finalidade promover aprendizagens específicas que permanecerão e permitirão o seu desenvolvimento numa determinada área do saber. Uma escola completa encarará estes dois aspectos como fundamentais.

A par da definição de uma política educativa existem outros pontos de grande importância no desenvolvimento da educação. Como é que a escola e os professores concretizam o que foi estabelecido? Tal concretização é aquilo que, no léxico educativo (não confundir com o célebre “eduquês” do ministro Nuno Crato de má memória) se designa por “desenvolvimento curricular”. Dito brevemente, tudo o que a escola oferece aos seus alunos é currículo.

São os alunos a razão de ser da escola e são, também, o seu maior desafio. Embora toda a gente saiba que não há duas crianças iguais, que os seus estados de desenvolvimento variam, que há “slow learners” e “fast learners”, na maior parte das vezes escolas e professores agem como se estivessem perante um grupo homogéneo, não respeitando nem ritmos de aprendizagem nem outras diferenças de personalidade. Dir-me-ão: e é possível ser de outro modo? A resposta é: é possível, mas não é fácil e pode acontecer que muitas vezes os resultados fiquem aquém do esperado.

É que estamos, claramente, a abordar um “tema problema” em educação/instrução: até que ponto a educação, por si e sustentada por ciências como a psicologia e a sociologia, consegue ser… científica?

Posto nestes termos, será difícil sustentar que há uma base científica segura na construção de um processo educativo. Aliás, não é o que acontece com todas as áreas em que o homem é objecto de estudo enquanto ser racional? Por exemplo, não é o que se passa com a economia (de economia, percebo pouco, por isso, se me quiserem contradizer, é favor)?

Mas uma coisa é não haver base segura e outra é existirem investigações muito sérias que permitem conclusões em aspectos bem definidos nas diversas áreas da educação, com realce para aquelas que têm a ver com os processos de ensino-aprendizagem. No entanto, essas conclusões nunca podem ser apresentadas como podem sê-lo as que se desenvolvem em laboratório pelas chamadas ciências exactas.

A assunção desta realidade não impede que haja divergências de pensamento, mas pode ajudar a tomada de decisões. Pelo facto de ter estudado em Inglaterra e nos Estados Unidos sigo (embora hoje menos do que num passado recente) o que se passa nesses países, que têm certamente os melhores centros de investigação em educação do mundo. Ocorrem neste momento debates calorosos, quer sobre as “charter schools” quer sobre o valor dos testes e a sua influência no desempenho dos professores. Devíamos ter em atenção esses debates pensando no nosso caso, embora não defenda que copiemos modelos por copiar modelos.

Continuarei em próxima entrada.