Há quarenta anos, o mês de Maio afigurava-se-me decisivo na minha vida. Estava há dois anos em Coimbra a “fazer” o estágio para professor do ensino liceal no então Liceu D. João III. Acabava-o nesse ano e nesse mês: tinha, pela frente, dois exames. O primeiro, uma espécie de exame de “saída” que compensava a abolição, anos antes, de um exame de admissão; o segundo, o chamado exame de Estado. Sobre que ia eu ser examinado? No exame de saída havia duas provas escritas de 3 horas de duração, uma sobre História e outra sobre Filosofia. Com uma curiosidade: os temas a desenvolver podiam ser quaisquer retirados dos programas das respectivas disciplinas… Havia depois uma prova oral sobre questões de pedagogia que, em princípio, deveriam ter sido abordadas no decurso dos dois (dois!) anos de estágio. Passado esse exame, o de Estado consistia numa lição dada a alunos do Liceu, sorteada com a antecedência de 24 horas. Nesse tempo teria de planificar, encontrar materiais e o resto, e, no dia, “dar” a aula aos meninos, que podiam ser do antigo 3º (actual 7º) ao 7º (actual 11º). O júri, que era composto por 7 professores (o Presidente do Ensino Superior, os vogais eram todos os metodólogos dos três liceus normais do país) assistia à aula e depois um dos seus elementos discutia-a com o candidato.
Era um mês pesadote, não acham?
Ao longo deste mês, ajudado pelo meu diário do estágio, vou trazer à minha memória o que passei há quarenta anos – e creiam, há aspectos que parece que os vivi ontem. Os mais novos vão perceber como se tinha exigência na formação dos professores, que era dificultada a ponto de nesses dois anos de estágio o estagiário não ter direito a vencimento… Pelo contrário, pagava propinas! (Devo dizer que isso não se me aplicou porque pedi e obtive uma bolsa de estudo – e implicitamente não paguei propinas – no valor de 7 800 escudos por ano… o que dava a média “extraordinária” de 650$00 por mês. O que isso representava para a época é que pagaria um quarto modesto mas já não cobriria as despesas normais de alimentação).
Uma última palavra para hoje: Coimbra era, nesse tempo como hoje, uma cidade excelente para estudar, e na alta, onde morava (mesmo em frente ao liceu) havia sossego. Passava o tempo nas bibliotecas, quer no Liceu, quer na Biblioteca Geral da Universidade, e umas vezes por outras na Municipal. Ia à Baixa poucas vezes, quase sempre quando precisava de livros ou para comprar um jornal que lia muito na época, o The Observer, e que às quartas-feiras já se vendia numa tabacaria no Largo da Portagem. Depois, subia devagar por caminhos diversos até casa: era essa a minha grande distracção, para além das longas conversas que tinha com amigos feitos em conversas à hora do almoço e do jantar ou, como eu, hóspedes na mesma casa. Apesar de tudo... bons tempos!
6 comentários:
E a queima? Não ias à queima??
Recordar é bom, não é? os tempos difíceis ficam a parecer mais fáceis e os bons melhores ainda! Eu nunca estudei fora de casa, mas imagino que seja complicado pelo menos nos primeiros tempos... Fico à espera do resto da história!
"(...)como se tinha exigência na formação dos professores."
Seguramente não subscreveria o tipo de exame que realizou, mas há que reconhecer que a formação inicial de professores em Portugal se encontra completamente desacreditada. Este meu comentário não inviabiliza a minha admiração por determinadas escolas e professores.
Permita-me uma pergunta. Tendo que que o Estado ainda é o principal empregador de professores, como lidar com a disparidade de classificações que as instituições atribuem aos seus alunos? Dirigi esta mesma pergunta ao Prof. João Pedro da Ponte, Coordenador da área de formação de professores para o processo de Bolonha numa conferência que ele deu no Porto no ano passado. Ele respondeu-me que o elemento crucial era refazer novamente o sistema de acreditação do INAFOP que o governo do Ministro David Justino se encarregou de extinguir. Só que a acreditação não resolve completamente a questão das médias de licenciatura e/ou de estágio. Por outro lado, sou sensível à objecção que o Prof. João Pedro da Ponte colocou a um regresso do eventual exame de estado, qualquer que seja a forma que ele poderia assumir. O que ele disse foi que a existência de um exame condicionaria toda a formação de professores na medida em que a preocupação central passaria a ser "passar no exame". Qual a sua opinião?
PJ
O (ou a?) PJ tem toda a razão. será que vocês, professores do superior fazem uma pequena ideia acerca do que é exigido aos alunos das universidades públicas comparado com o que (não)é exigido, por exemplo, dos institutos Piaget?? E que depois além de terem cursos facilitados passam à frente dos que tiveram cursos exigentes por saírem com notas bem mais elevadas desses institutos?
O PJ é mesmo o....Quanto à pergunta da saltapocinhas, e uma vez que também sou professor do ensino superior, só posso comungar das suas preocupações, uma vez que julgo conhecer um pouco a realidade das formações que se desenvolvem nas escolas públicas e privadas. Mas mesmo nas escolas públicas ao nível da formação de professores a pressão, implícita note-se, para inflacionar as notas dos alunos, com o objectivo de estes concorrerem com outras formações menos exigentes é terrível. Pense-se somente nisto: quer queiremos, quer não os alunos com melhores médias de ingresso escolhem prioritariamente as universidades públicas. Todavia, paradoxo dos diabos, são os alunos das escolas privadas, com piores notas de ingresso no ensino superior, que conseguem entrar nos poucos lugares disponíveis no ensino público. Há aqui uma terrível perversão que urge corrigir.
PJ
Se não conheces o programa em questão, na próxima terça-feira põe o video a gravar da 1 ás 2 da manhã. Vais ver que vale a pena...E até podes tirar ideias para fazerem algo semelhante por aí...
À Saltapocinhas
Já respondi sobre a Queima (no teu blog). A "história" continuará até ao seu desfecho.
Ah! e também teria gostado de ser teu professor. Penso eu. Já não sei se tu terias gostado de ser minha aluna...
Ao PJ
Como já deve ter percebido por anteriores declarações, eu não sou totalmente contra os exames. Reconheço que há sempre uma margem de aleatoriedade em qualquer exame, mas no caso dos antigos exames de Estado, existindo essa aleatoriedade, não me senti desconfortável com ela. Afinal, eu era chamado a resolver em 24 horas o que no futuro muitas vezes teria de repetir. Mais: o que já havia feito durante dois anos... Foi para mim muito mais complicado sujeitar-me, nos EUA, ao GRE (Graduate Record Examination), tipo múltipla escolha, 3 horas seguidas de trabalho sob pressão. Em certas condições, algo de semelhante podia ser feito agora sem correr o risco que o João Ponte refere, visto que dar um aula não é fazer um teste. Bom, falarei mais sobre o tema da formação de professores antes e agora... do público e do privado.
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