2005/05/24

A galeria dos meus professores (5)


Entrei para a Faculdade de Letras de Lisboa, a fim de fazer o curso de Ciências Histórico-Filosóficas em 1954 e acabei a minha licenciatura em 1959. Como era hábito na altura entre os alunos que pensavam seguir a carreira docente (e era o meu caso, porque sempre quis ser professor) inscrevi-me nos quatro anos do curso em mais uma disciplina de outro curso (o de Ciências Pedagógicas) que era necessário para aceder ao estágio para professor do ensino liceal.
Dividido em duas secções, a História e a Filosofia, nenhuma delas se distinguia em relação à outra. Tive professores bons, razoáveis e maus. Mas de um modo geral tive uma grande decepção. Como disse atrás, no terceiro ciclo do Liceu tivera um grupo de excelentes professores, e na Faculdade tudo era muito diferente, mais impessoal. Aprendi aí a perceber o sentido da frase de Carlile: “A verdadeira Universidade é uma colecção de livros”.

Procuro identificar quem mais me impressionou e à distância vem-me à memória um nome: Vieira de Almeida. Impressionou-me pela sua personalidade e não por me ter “ensinado” o que era suposto fazer: Lógica. Francisco Vieira de Almeida terá sido um dos primeiros pensadores que em Portugal defendeu os princípios da lógica matemática, mas considerava que os alunos que iam frequentar as suas aulas não teriam preparação para seguir a fundo a matéria (no que tinha razão!) e então faziam aulas interessantíssimas, aulas de cultura no seu estado mais puro, mas raramente falava de Lógica… No entanto, recordo-o aqui como um homem inteligentíssimo, vivo, com um humor espontâneo (algumas das anedotas que contava nas aulas ficaram célebres), sempre muito crítico. Era monárquico mas apoiou a candidatura de Humberto Delgado, tendo por isso sido preso, precisamente no meu 4º ano do curso. Consegui na Internet uma notícia que podem ver Delfim Santos (Pedagogia) , Carlos Ferreira de Almeida (História Moderna), Mário Chicó (História de Arte). Posso acrescentar à lista Virgínia Rau (História de Portugal). As disciplinas de filosofia estavam muito dependentes de Délio Nobre Santos, de quem tenho uma “memória neutra”… De outros, fiquei com má e até péssima impressão. Embora me tenha apaixonado pela arqueologia pré-histórica não foi por causa do professor, ainda que tenha dele a ideia de um homem sabedor, mas mais por influência de alguém que estava fora da Universidade e trabalhava então no Museu Leite de Vasconcelos, em Belém, o Dr. Bandeira Ferreira, falecido em 2002.

Aliás, a Faculdade de Letras do meu tempo estava longe de entusiasmar. As melhores cabeças tinham sido afastadas por motivos políticos, como Rodrigues Lapa, Hernâni Cidade, Newton de Macedo, e mais tarde Vitorino Magalhães Godinho. Note-se que a Faculdade de Letras de Coimbra não era melhor.

Se guardo algumas boas recordações da minha passagem pela antiga Faculdade de Letras, a maior parte não se deve aos professores que tive, mas a amizades que cultivei, a aprendizagens que eu próprio assumi como necessárias e a alguns factos que me proporcionaram momentos difíceis de esquecer, como por exemplo ter estado em conferências de Jean-Paul Sartre e de Gabriel Marcel, que estiveram em Lisboa em meados dos anos 50.

Nos finais de 1958 a Faculdade de Letras deixou as velhas instalações e passou para a Cidade Universitária, e foi lá que acabei o meu curso, com os exames e a defesa da minha tese, intitulada A Arqueologia do Concelho de Torres Vedras: Contribuição para o seu estudo até à época Lusitano-Romana. Nessa altura, não tendo perdido a ideia de ser professor, a arqueologia (sobretudo a pré-histórica) era o meu interesse dominante. Um dia revisitarei estas páginas da minha vida, ainda que exista algum melindre em recordar tudo o que aconteceu…

Resumindo: não tive, nem tenho, dos meus primeiros professores da Universidade, as mesmas boas memórias que tive, como contei, dos que no fim do secundário me prepararam para o futuro próximo.

1 comentário:

Cândido M. Varela de Freitas disse...

Em relação à primeira parte da sua mensagem, decidi publicar um post sobre o tema, que me agradou revisitar... Quanto às outras questões, sem lhe poder dar números concretos, creio que a maior parte dos alunos que começavam acabavam os cursos (pelo menos em Letras). As propinas não eram certamente mais elevadas do que hoje: enquanto estudante eu pagava 1200 escudos (6 euros) por ano. Claro que não era barato para a época, mas não se pode dizer que fosse incomportável. Se entretanto encontrar estatísticas que respondam à sua preocupação dar-lhas-ei.