2005/05/25

A educação sexual nas escolas


Desde que o Expresso publicou, no dia 14 de Maio, a desenvolvida notícia sobre o “manual” de educação sexual usado em algumas escolas que tenho hesitado em escrever as minhas reflexões sobre o tema. Aliás, dos blogs que costumo visitar (por vezes com mais intervalos do que gostaria) só dois (Casa do Professor e Um pouco mais de azul) abordaram o tema. Mas ele é importante e merece ser, claramente, discutido.

Vou partir, de acordo com a índole do meu blog, procurando memórias da minha infância e adolescência. Nunca os meus pais abordaram comigo, em qualquer circunstância, e em qualquer idade, qualquer assunto relacionado com o sexo. Ou seja: eu, que os considerei os meus primeiros professores, tenho neste caso de dizer que terão falhado. Acho (mas só posso dizer, acho) que aprendi muito coisa sobre sexualidade lendo, inicialmente sem perceber muito bem o que lia. Depois, aprendi onde creio que a maior parte dos miúdos acaba por aprender: na escola, com os primeiros amigos, há sempre quem “saiba” mais… Mas a minha memória recupera um dado que eu considero extraordinário (até para a época). Tive um professor de Religião e Moral (sacerdote, cujo nome não recordo mas que também não identificaria) que numa das suas aulas, se não me engano do 4º ano (actual 8º), a propósito da castidade, introduziu no seu discurso alguns conselhos sobre a sexualidade fora do casamento em que não considerou apenas a castidade – isto em 1951, creio!

Parto pois de uma realidade que não vale a pena ignorar: a escola, seja ela qual for e como for, é um terreno onde as crianças e adolescentes vão ouvir falar de sexo e vão sentir, na sua evolução, o desenvolvimento da sua sexualidade. É portanto ridículo dizer que a escola deve ficar à margem de algo que nela acontece. Contudo, seria também ridículo considerar que em assunto delicado a família deva ser ignorada. Não pode nem deve. A educação sexual deve começar em casa. Mas quantos pais a assumem? Quantos não suspiram que outros façam o trabalho que deve ser deles?

E a escola, como deve actuar?

Devo dizer que considero este um dos aspectos mais preocupantes com que tem de lidar quem tem de tomar decisões sobre o currículo. Os problemas da sexualidade não são passíveis de ser resolvidos linearmente. Não são apenas de uma área: eles têm uma abordagem fisiológica, inelutável, mas também psicológica, e ética, e religiosa. A sexualidade acaba por ser também uma manifestação das diferentes culturas.

Mas vamos a uma análise mais chã. Em primeiro lugar, está fora de causa que a educação sexual deva ser uma disciplina. A escola já está demasiadamente espartilhada por disciplinas. Sem dúvida que há uma base de conhecimentos a adquirir, mas será muito mais eficaz a sua aprendizagem se ela for apropriada em situação menos formal e aberta do que assinala em horários, haja ou não toque de campainha. Por isso se defendeu no Ministério da Educação que a educação sexual seria uma área transversal, não disciplinar, deixada à organização de cada escola. É, a meu ver, como deve ser.

Não havendo uma disciplina, não há “programa”, ou seja, uma lista de tópicos que devam ser abordados. O Ministério, porém, fez divulgar o que se designa por “orientações curriculares”. O nome diz tudo: orientações. As escolas, os professores, no quadro da sua autonomia (subordinada ao projecto educativo de escola, aprovado pela Assembleia de Escola), devem elaborar os projectos curriculares e definir as actividades a desenvolver.

Neste ponto, temos de considerar um conjunto vasto de situações problemáticas, as que causam a minha preocupação. O pressuposto de que as Escolas podem responder satisfatoriamente a este desafio está longe de poder ser garantido. Há um grande número de casos em que a gestão declina a autonomia ou a assume de maneira incorrecta. Do mesmo modo, um professor que não teve formação pode ter dificuldades em conduzir actividades de educação sexual. E se tem dificuldades não deve assumir o ónus de poder falhar (seria desastroso que a gestão de uma escola “obrigasse” um docente a uma actividade que ele sente não poder realizar, se para ela não teve formação).

Adicionarei uma outra realidade, a que despoletou o artigo do Expresso, a existência de “manuais”, cadernos de exercícios, CDs ou DVDs, enfim – toda aquele conjunto de materiais que expeditamente as editoras se apressam a produzir.

Se por um lado tenho de admitir que quem elabora esses materiais deva ser qualificado para o fazer, e por outro que, por mais que tente ver o mundo com os olhos de hoje, eu não consiga alijar a carga dos meus já muitos anos de vida, e possa por isso ser um pouco conservador, não há dúvida que fico preocupado com o modo como em algumas situações se está a fazer educação sexual e fiquei chocado com o tipo de “exercícios” propostos para crianças. Mas atenção, eu não estudei com cuidado essa área, não sou “expert”, e sei que existem numerosos trabalhos feitos, investigações credíveis a que é preciso dar atenção.

Seria importante que os verdadeiros especialistas debatessem entre si projectos e tentassem obter consensos que permitissem às escolas a sua consecução. Ouvindo naturalmente as famílias – coisa mais fácil de escrever do que fazer, porque nenhuma associação pode representar todas as famílias… E talvez aceitando que, como em relação a outros aspectos da vida, a uniformidade é indesejável.

Mas não será fácil obter consensos. Ainda no domingo passado, no programa da TSF Acontece (de Carlos Ponto Coelho), o debate “aqueceu” a níveis quase impróprios para o tipo de convidados que discutiam o tema…

Tenho a sensação que adiantei pouco com este post, a não ser dar a minha opinião. Mas não é essa a função de um blog?


2 comentários:

Miguel Pinto disse...

Caro professor
Na sua universidade, a Dr. Teresa Vilaça está a desenvolver um projecto inovador no âmbito da educação sexual. Seria interessante ouvir a sua opinião sobre esse trabalho. O que eu penso sobre o assunto: é necessário formar formadores, aproveitar as experiências de sucesso [cf. http://www.dct.uminho.pt:16080/jsea/web-contrntpor/index.html] para encurtar a distância entre a universidade e as escolas básicas e secundárias, impregnar os projectos educativos de escola com experiências de natureza transversal [apoiados por mediadores entusiastas].

crack disse...

Gostei de o ler.
Também me preocupei com o tema, no meu blog, numa perspectiva mais redutora, acredito, mas que, de algum modo, vejo perpassar neste seu post.
Preucupa-me, especialmente, a impreparação da escola para fornecer educação sexuial aos seus alunos, num contexto de absoluto laxismo, falta de acompanhamento e de enquadramento por parte do ME.