2005/05/16

A galeria dos meus professores (3)

Fiz o exame de admissão em Lisboa, no Liceu de Passos Manuel. Nessa altura não existia ensino secundário oficial mais perto do Seixal. Em Almada havia já uma escola técnica, mas não liceu. Desde criança fui sempre relativamente calmo em relação a exames. Tanto quanto me lembro encarei esse exame, que constava de provas escritas de Ditado e Redacção, Matemática, e não sei se Desenho, e provas orais, de Português, Matemática e História e Geografia de Portugal, com bastante descontracção. Não penso que me tivesse intimidado com a escola nova – um edifício enorme, espaços a que não estava habituado... Vem-me à memória que “despachei” a prova de Matemática num instante. Fui o primeiro aluno a acabar. Nesse ano deixavam sair logo quem acabava, de modo que quando atravessei o claustro e saí para o átrio onde se acotovelavam os pais (a minha Mãe também lá estava!) houve um alarido entre eles. Como bom menino, tinha copiado para a folha de rascunho o que fizera, e mais tarde (não sei se logo a seguir, ou não) verifiquei que com a minha descontracção errara uma conta: 3 + 3 aparecia como 9. O sinal mais lera-o como “vezes”...

O júri das orais reunia três professores; só me lembro do nome de dois. Um, o presidente, era o Dr. Guerreiro Murta, que já havia sido Reitor do Liceu, e interrogava Português; outro interrogava História e Geografia e havia de ser meu professor, um homem notável pela sua bondade e sabedoria, o Dr. Pedro da Cunha Serra. Fiz certamente boas provas, e delas resta-me a vergonha de, tendo-me sido pedido para “dizer” o pretérito perfeito simples do verbo poder eu ter “disparado”: “Eu pudi, tu pudeste, ele pudeu ...” O que levou o Dr. Guerreiro Murta a murmurar: “Oh menino, oh menino, isso nem parece seu!”

A classificação que me foi dada constituiu um motivo de orgulho, desta vez também familiar. O Dr. Pedro Serra no final foi falar com a minha mãe, e embora não possa reconstituir o teor da conversa, que nunca me foi revelada, sei que foi decisiva a sua intervenção no sentido de me deixarem estudar em Lisboa. É que, como disse, nesses tempos não havia outra hipótese; ou melhor, havia, em Almada, um colégio particular, mas implicava, para além das mensalidades, também deslocações, portanto mais despesa. A família de 5 pessoas vivia do ordenado do meu Pai, e de alguns trabalhos extra que ele fazia na área da sua competência. Tínhamos uma vida razoável, mas de modo algum nos podíamos permitir a grandes excessos. Todavia, foi decidido que eu continuaria estudos: e assim, no ano lectivo de 1947-1948, entrei no Liceu de Passos Manuel.

Aí estive 5 anos. Tive vários professores durante três anos consecutivos e um durante os cinco anos – o professor que me iniciou no Francês e depois foi professor de Português. Havia professores excepcionais, a maioria sem dúvida muito tradicional, mas mesmo assim muito bons; e alguns que já usavam metodologias verdadeiramente progressistas. Pelo contrário, não me recorda mais do que uma professora que na verdade era muito má, incapaz de disciplinar, confusa, enfim, nada motivadora. As aulas de Ciências e Físico-Químicas eram de facto experimentais – e embora tocássemos pouco nos materiais víamos as experiências no laboratório; a aprendizagem de Inglês foi de grande qualidade, envolvendo-nos em práticas activas que gostávamos e nos fizeram de facto aprender não só a língua mas também muitos aspectos da cultura inglesa. Curiosamente, na disciplina que mais gostei, História, tive um professor já no fim da carreira, nitidamente cansado, que mandava ler o Mattoso e fazia chamadas todos os dias. Nessas alturas aprendia-se sempre um pouco mais, mas era mesmo preciso gostar de História para aguentar uma rotina em que até podíamos calcular o dia em que seríamos chamados… Como vêem, para além de um, não tenho referido os nomes desses professores, embora os tenha todos na memória. Vou abrir mais uma excepção para um profissional notabilíssimo, um madeirense ilustre, o Dr. Nicodemos Pereira, um professor de que todos gostávamos, mesmo os que tinham mais dificuldades na Matemática. Curiosamente, descobri há meses um artigo de Joaquim Pintassilgo, disponível na Internet no qual Nicodemos Pereira acaba por ser figura centra, podendo-se ver em que conta o tinham os seus colegas. As aulas que dava eram extremamente intuitivas, ele fazia-nos compreender a Matemática e a Geometria de uma maneira agradável.

Ao acabar o 5º ano (actual 9º) a minha opção pela História e Filosofia impuseram a minha saída do Liceu Passos Manuel. Tive pena porque fiz aí muitos amigos. Mas ainda hoje, todos os anos, uma dúzia de resistentes se junta para um jantar, nos começos de Outubro, jantar no qual lembramos os colegas e professores, episódios que marcaram para sempre as nossas vidas. Nessas alturas, acho sempre curioso porque ao olhar as carecas, cabelos brancos e rugas, eu vejo os meninos que éramos… e quantas vezes não me sinto menino também.

O curso complementar, fi-lo no Liceu D. João de Castro. Lembrar esses tempos fica para outro post

Sem comentários: