Os meus primeiros professores foram a minha Mãe e o meu Pai. Como toda a gente, penso. Foram eles que me deram condições para eu percepcionar o mundo e me ajudaram – melhor ou pior, devo dizer – a dar um sentido à minha vida. Em termos de relação, eram diferentes: o meu Pai foi sempre muito mais camarada, mais aberto, sempre pronto a desculpar as traquinices, a minha Mãe mais reservada, dura, por vezes mesmo severa, mas, claro, muito amiga também. Nunca me esquecerei de um episódio que caracteriza a sua dureza. Quando acabei o exame da 4ª classe e fui classificado como “Distinto” (ainda haverá quem se lembre dessas práticas…) e corri para casa feliz para dar a novidade, as suas únicas palavras foram “Não fizeste mais do que a tua obrigação”. Doeu-me, na altura, e a impressão perdurou. Ainda hoje reproduzo a cena.
A minha Mãe, como era tão comum nos anos 30, 40 do século passado, não trabalhava – era das que tinha no BI aquela designação aviltante: “Doméstica”. O meu pai era um contabilista de qualidade, um excelente profissional, que vivia para o trabalho e para a família. A minha memória restitui-me uma infância relativamente feliz. Os meus pais criaram-me (e aos meus irmãos) adoptando uma atitude excessivamente protectora, tentando e de algum modo conseguindo isolar-me do mundo das outras crianças, do mundo “da rua”. Vivíamos nessa altura no Seixal (na “outra banda” de Lisboa…) e até começar a escola primária não saía de casa sozinho, vendo da janela os outros meninos brincar (e nessa altura bem se podia brincar na rua, porque automóveis… era o “lá vem um”!). A escola socializou-me um pouco, mas só muito mais tarde me libertei das asas protectoras; e hoje, refazendo um passado que apesar de passado não está longe da memória, acredito que como professores os meus Pais, aí, falharam. Não erraram noutras coisas: lembro-me que mal comecei a ler era o segundo da casa a folhear O Século, o jornal que o meu Pai comprava e que todas as manhãs o “homem dos jornais”, como se dizia, lançava em jeito de discóbolo da rua para a varanda do 2º andar, se não chovia. E depois, a ler os livros existentes em casa, que se não eram muito numerosos, existiam: foi assim que li a História de Portugal do Rocha Martins e o Conde de Monte Cristo de Alexandre Dumas (já disse isto no Questionário dos livros…)
Não sei muito bem como aprendi a ler, mas sei que quando fui para a escola já sabia. De algum modo os meus estudos eram acompanhados, em especial pela minha irmã; e como fui sempre um bom aluno (passe a imodéstia) nunca terei sido fonte de preocupações, a não ser quando chegou a altura de, após a 4ª classe, seguir estudos. Nesse longínquo ano de 1947, não havia ensino secundário no Seixal; havia escolas técnicas no Barreiro e em Almada e Liceus em Lisboa ou Setúbal. Decidiram que iria para Lisboa, e depois de fazer a admissão aos Liceus entrei no Liceu de Passos Manuel.
Uma última palavra para os meus pais-professores: fizeram os sacrifícios necessários para que eu estudasse e concluísse o curso universitário que escolhi. Não vivíamos na abastança e foi muitas vezes preciso um equilíbrio que só mais tarde compreendi plenamente. Penso que herdei do meu pai o rigor e o gosto por ter tudo bem arrumado, e uma grande consciência profissional. Lembro-me de muitas vezes ele me dizer: “Faz o que tens a fazer, mas bem feito”. Tenho procurado seguir estas palavras.
1 comentário:
Vinte anos mais tarde as coisas não estavam muito diferentes... A minha mãe também estava em casa e o meu pai era empregado de escritório. Mas eu tinha liberdade de andar na rua com os outros garotos... Livros em casa não havia, mas vingava-me nos da biblioteca e nos livros de cowboys dos rapazes da vizinhança: lia de tudo!
Posso dizer que a minha infancia foi muito feliz, apesar de o dinheiro não abundar havia para o essencial e aprendíamos a dar valor ao que tínhamos.
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