A minha geração não foi educada para a política, ou se quisermos foi educada para uma política. Uma política manhosa, calculista, de subordinação ao “chefe”, aos escolhidos, de aceitação passiva das suas determinações. Eu sou da geração que em jovem era amarrada com um cinto cuja fivela era um S e fazia ordem unida às quartas-feiras, para ser chefe de quina ou comandante de castelo. Houve quem se libertasse, e com sacrifício da própria liberdade lutasse por ela. Não fui desses, mas muito cedo percebi a engrenagem em que era obrigado a viver. E de algum modo acomodei-me, à espera que algo acontecesse. Esperei quase quarenta anos, para sentir, em Abril de 1974, a alegria incontida de ver acabar uma era em que não me orgulhava de ter vivido. Embora não tendo sido educado para a política, fiz a minha auto-educação, sobretudo enquanto estudante universitário, ainda que moderado nas minhas opções. Percebi que era profundamente adepto de um sistema diferente daquele em que vivia, mas não me entusiasmava o modelo comunista; era nos países nórdicos, numa social-democracia equilibrada que me revia.
Depois do 25 de Abril decidi (como tantos outros!) que tinha de intervir politicamente, que era obrigado a tal para ajudar o meu país. E não me foi difícil encontrar o partido que me pareceu mais perto de poder concretizar uma ideia para o novo Portugal, ainda que dois se reclamassem praticamente do mesmo ideário. Durante quase ano e meio fui militante a sério, dos que colaram cartazes a meio da noite, ia a comícios e manifestações, tinha autocolantes no automóvel. Na secção da minha residência, em Lisboa, trabalhei a fundo no sector da organização. Não me movia nenhum outro interesse senão o ajudar, o ser útil. Nunca me passou pela cabeça passar a “político” profissional; pelo contrário, até recusei uma ideia de a secção me propor para deputado da Constituinte – o que considerei uma ideia peregrina, que preparação tinha eu para ser deputado?
Um dia, porém, descobri que não era assim que as coisas funcionavam, quando fui envolvido em intrigas que punham em causa, na profissão que exercia, a minha capacidade, para favorecer outros apenas porque no partido tinham mais “poder”. Percebi então que estava enganado, eu não tinha vocação para ser homem de partido, e desvinculei-me.
Não tendo pois actividade partidária, não deixo de ter uma leitura política do que vai acontecendo. E não é uma leitura alegre. Penso que o estado da nossa democracia é preocupante. O que se tem passado a nível de contestação às medidas do governo, com que todos deviam contar (bastava ler o programa eleitoral do partido vencedor) e sobretudo em relação a alguns episódios da campanha para as autárquicas do dia 9 é grave. Afinal, o que queremos nós, portugueses? Erigir estátuas à corrupção e ao compadrio? Afundar-nos no conjunto dos países europeus como incapazes de nos gerir com rigor? Há anos que se pediam reformas – quando se começa, mesmo timidamente, a tentar pôr a cada em ordem, refutamos essa necessidade? Quem pensa que qualquer outro governo poderia proceder de outro modo? Quando haverá o bom senso de perceber que sem um amplo consenso nacional democraticamente aceite será sempre difícil ultrapassar as dificuldades? Claro que esse consenso não se assemelha a uma “União Nacional” do antigamente, mas a soluções que existem e têm existido em outros países. Até entre nós, e com razoáveis resultados, nos anos 80…
2 comentários:
Maria Ferreira
Não ponho em causa o direito a todas as manifestações legais; apenas me interrogo sobre o que se pretende com algumas delas. Alguém pode pensar que, seja qual for o governo, a orientação no sentido de restringir gastos e eliminar situações gravosas para o orçamento necessariamente limitado pode ser diferente?
Maria Ferreira
Continuando o diálogo, ele só existe porque há ideias diferentes e isso é saudável. Até podem existir, nas nossas posições, coincidências: eu também não defendo o primado da economia. Desde que, evidentemente, não se esteja na situação caótica em que se está. Isto é: tenho de aceitar as tais medidas impopulares porque sem elas pomos em risco muita coisa. E não vale a pena clamar contra o que quer que seja: é assim. Aliás, já passámos por situações parecidas ou piores. Quem se lembra de nos anos 80 não recebermos metade do subsídio de Natal, de termos juros na ordem dos 28%, etc., etc.? Eu desconfio de uma resposta possível (ou até mais), mas duvido que se encontre outra solução. Agora: penso que era possível fazer o mesmo e pelo menos explicar melhor e mais convincentemente as razões que presidem às mudanças. Há um aspecto que provavelmente merecerá mais elaboração, em post a publicar: as outras medidas "de fundo" para a educação, e não só educação, que diz estarem adiadas.
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