2005/12/19

Os lugares onde vivi – (4) Horta, Açores (1960-1961; 1967-1968) – 2ª parte

Voltei a Horta em 1967, desta vez para tomar posse do lugar de professor efectivo do 4º grupo do Liceu, que estava sistematicamente em aberto por ninguém querer ir para lá. Tal como hoje, não era então fácil efectivar (no ensino secundário, especialmente). Eu terminara o estágio em 1965 com uma boa classificação, o que me fez subir uns lugares no grupo que esperava por uma oportunidade para passar à efectividade, mas teria, se queria que tal acontecesse rapidamente, tentar uma de duas coisas: ou concorria a um liceu das então chamadas províncias ultramarinas, ou a um liceu das ilhas. Confesso que a África nunca me atraiu suficientemente para decidir viver lá em permanência, por isso, como já conhecia os Açores e nem me dera mal, concorri e fiquei. Eis-me portanto de novo na Horta seis anos depois. A nível de transportes, tinha havido entretanto uma modificação importante; tinham entrado ao serviço dois paquetes de muito bom nível, o “Funchal” e o “Angra do Heroísmo”, em que tive ocasião de viajar e eram bem superiores aos dos começos da década, especialmente em velocidade (quem quiser ver as imagens desses navios pode fazê-lo aqui).


Também as ligações aéreas tinham sido melhoradas, embora só nesse ano o aeroporto da Horta (situado na freguesia de Castelo Branco, a uns quilómetros da cidade) tivesse começado a ser construído. Recordo-me de durante algum tempo o engenheiro Edgar Cardoso ter estado na Horta por causa do aeroporto que iria ser inaugurado três anos mais tarde, em 1971. Ele fazia as suas refeições no mesmo restaurante que eu, o “Capitólio”, e recordo como curiosidade que levava com ele uma pequena garrafa de azeite, com que temperava o peixe cozido (como se podia esperar, o peixe era óptimo).

Também a nível de instalações hoteleiras existiam melhorias. Abrira uma Residencial, a S. Francisco, remodelando parte das instalações do Hotel. O próprio liceu fora melhorado, com a construção de uma ala nova. Talvez houvesse também mais procura turística, embora a sua expressão fosse ainda pequena.

Contudo, as comunicações telefónicas continuavam a ser um problema: na prática, só funcionavam através de chamadas com aviso prévio, e a audição era deficiente. Esperava o nascimento da minha filha para o fim de Janeiro, o que de facto aconteceu, e soube do seu nascimento por telegrama que me chegou às mãos no dia seguinte, estava a dar uma aula (quem pode esquecer esse momento?). Por esse motivo, vim ao Continente (como se dizia, e ainda diz, nos Açores e também na Madeira) nas férias de Natal e Páscoa. Nestas últimas fiz mesmo o meu baptismo de voo, num pequenino avião da SATA entre S. Miguel e Santa Maria, tomando depois o avião da Pan American para Lisboa.

A cidade não alterara muito a sua pacatez, e eu não alterei muito os meus hábitos de trabalho. Repartia as horas lectivas de História e Filosofia com um colega que fora lá colocado e com o qual tive uma excelente relação durante todo o ano, o José Fernando Cabral Pinto, relação essa que se perdeu, mais tarde, ainda que durante algum tempo tenhamos continuado a ter relações de amizade. Nunca percebi se a culpa foi minha, dele, ou dos dois… nem sequer sei se houve culpa. Na medida em que também tem estado ligado à educação tenho sabido do seu percurso, como provavelmente ele tem sabido do meu.

Este ano foi um ano produtivo, no qual fiz uma experiência com os meus alunos de Filosofia do 7º ano. Estava nessa altura muito influenciado por um livro da ARIP (Association pour la Recherche et l'Intervention Psychosociologiques) sobre pedagogia não-directiva e estava também entusiasmado com a sociometria. Um dia escreverei sobre essa experiência e o que ela me ensinou.

Outro ponto que marcou a minha estadia na Horta nesse segundo ano foi o meu envolvimento na festa dos finalistas, que me convidaram para os ajudar. A Horta dispunha de uma sala de espectáculos razoável, ainda que envelhecida, o Teatro Faialense, e foi lá que se realizou a festa. O prato forte foi a representação de uma peça de teatro de Thornton Wilder, “A longa ceia de Natal”, e uma espécie de revista, “Olha o disco!” (os discos voadores estavam na moda…), que eu próprio escrevi e na qual se incluíam as “piadas” à vida do Liceu que os alunos entenderam apropriadas. Foi um mês e meio muito interessante, no qual pude avaliar muitas coisas que porventura as aulas não me revelavam…

Insiro três fotografias da época: um aluno, na festa, a imitar-me, vestindo a minha gabardina e usando a minha pasta, o meu guarda-chuva e até os meus óculos escuros; eu no navio “Funchal”, tendo como fundo a ilha de S. Jorge; e o grupo de alunos finalistas com três professores ao centro (o Dr. Tomás da Rosa, Drª Fernanda e eu).







Apesar de gostar muito do ambiente do Faial, concorri para as vagas que apareceram, e entre elas para o Funchal. Sabia que provavelmente seria a que me caberia em sorte, mas mesmo assim melhorava, porque ficava com melhores ligações para Lisboa. E assim aconteceu…

Regressei ao Faial duas vezes, uma depois do 25 de Abril, em “serviço” do Ministério da Educação, e outra, muito recentemente, em férias turísticas. Claro que a Horta mudou, ainda que estruturalmente, e ainda bem, continue a ser uma cidade pacata e agradável. Curiosamente, foi apenas na última viagem que entrei no célebre “Peter”, cujo fundador faleceu recentemente: na verdade, nos anos 60 o “Café Sport”, apesar de já existir e de ter iniciado a sua actividade de apoio aos iates que demandavam o porto da Horta, não tinha a notoriedade que alcançou depois.

Em termos gastronómicos, no Faial aprendi a gostar de inhames e a apreciar o verdelho do Pico. Ah! e os cavacos eram excelentes! (quem quiser saber mais sobre cavacos, clique aqui).

3 comentários:

Emilia Miranda disse...

É na verdade sempre um prazer ler aquilo que escreve. Não sei se por conhecer alguns dos locais de que fala, se por o ensino estar ligado a mim desde que nasci, mas creio que devido à sua capacidade descritiva e comunicativa: "Vejo as coisas que relata."
Obrigada,
Emília.

Anónimo disse...

Na nossa memória flutuante, os amigos reaparecem sempre. Não se perdem, porque não se esquecem. Quantas vezes a Luzia e eu nos deixamos nostalgicamente invadir pelas recordações da Horta, o ano da minha estreia como professor. E é claro que o Freitas é a nossa referência fundamental desse tempo. Recordamos os nossos almoços de domingo e os passeios que, em seguida, fazíamos na marginal, pensando para além do mar no Porto (a Luzia e eu) e em Lisboa (o Freitas), vacilando os três entre o desejo de ir e o desejo de ficar. Fiquei sinceramente sensibilizado com a sua evocação. Foi uma surpresa encontrar o seu blog (não acreditará, mas pouco tempo antes tinha acabado de ouvir na rádio a Finlândia de Sibelius). Um abraço.
F. Cabral Pinto

Mar-ia disse...

a comunicação é a revolução dos nossos tempos. E como ela nos dá boas surpresas!
Fui sua aluna, frequentando então o 6º ano do Liceu da Horta, de quem certamente não guardará lembrança, porque pertenço ao número de muitos. Mas eu tenho-as de si, respeitando-o como um professor atento, cordato e competente.
Gosto muito de o reencontrar através destas memórias, que são afinal pertença de nós ilhéus, para quem a geografia pesa tanto como a história, segundo a genial caracterização do Prof. Nemésio.
Um abraço virtual da graciosense
Maria das Mercês Coelho