A Memória Flutuante
The past is malleable and flexible, changing as our recollection interprets and re-explains what has happened.... Peter Berger
2022/06/22
Pois...
2022/05/07
MAIS SOBRE A LÍNGUA PORTUGUESA
"E verdadeiramente que não tenho a nossa língua por grosseira, nem por bons os argumentos com que alguns querem provar que é essa. Antes é branda para deleitar, grave para engrandecer, eficaz para mover, doce para pronunciar, breve para resolver e acomodada às matérias mais importantes da prática e escritura. Para falar é engraçada, com um modo senhoril, para cantar é suave com um certo sentimento que favorece a música, para pregar é sustanciosa, com uma gravidade que autoriza as razões e as sentenças, para escrever cartas nem tem infinita cópia que dane, nem brevidade estéril que a limite, para histórias nem é tão florida que se derrame, nem tão seca que busque o favor das alheias. A pronunciação não obriga a ferir o céu da boca com aspereza, nem a arrancar as palavras com veemência do gargalo. Escreve-se da maneira que se lê, e assim se fala. Tem de todas as línguas o melhor: a pronunciação da latina, a origem da grega, a familiaridade da castelhana, a brandura da francesa, a elegância da italiana. Tem mais adágios e sentenças que todas as vulgares, em fé de sua antiguidade. E se à língua hebreia, pela honestidade das palavras, chamaram santa, certo que não sei eu outra que tanto fuja de palavras claras em matéria descomposta quanto a nossa. E, para que diga tudo, só um mal tem: e é que, pelo pouco que lhe querem seus naturais, a trazem mais remendada que capa de pedinte."
Francisco Rodrigues Lobo (1573-1621)
2022/05/05
DIA MUNDIAL DA LÍNGUA PORTUGUESA
No Dia Mundial da Língua Portuguesa, lembremos António Ferreira.
Floresça, fale, cante, ouça-se e viva
A Portuguesa língua, e já onde for
Senhora vá de si soberba, e altiva.
Se até aqui esteve baixa, e sem louvor,
Culpa é dos que a mal exercitaram:
Esquecimento nosso, e desamor.
Mas tu farás, que os que a mal julgaram
E ainda as estranhas línguas mais desejam,
Confessem cedo ante ela quanto erraram,
E os que depois de nós vierem, vejam
Quanto se trabalhou por seu proveito,
Porque eles para os outros assim sejam.
Se me enganei, se tive mau respeito
Andrade, tu o julga: mas espero
De te ser este meu desejo aceito.
E enquanto mais não peço, isto só quero.
António Ferreira /1528-1569)
2021/02/27
PLANOS
De há uns tempos para cá, muita gente clama por um plano para
o desconfinamento, o qual deve ser organizado pelo Governo. O Primeiro Ministro
disse ontem (26 de Fevereiro) que apresentaria esse plano no próximo dia 11 de
Março, pelo que resta esperarmos mais alguns dias.
Na primeira vez que tive de colaborar na elaboração de um
plano que não fosse trivial, como planear como passar o domingo, recebi de um colega
uma sensata prevenção: “Meu caro, os planos são para furar!” O que, traduzido
em linguagem não alegórica, significa que um plano não dá garantias de ser
executado como prevê, porque isso raramente – ou nunca – acontece. E isto não
tem mal nenhum, pelo contrário; ter um plano é excelente porque nos conserva
dentro dos limites que nos levem a atingir o objectivo, mas o como alcançar
esse objectivo pode requerer, de acordo com as circunstâncias de momento,
alterar a estratégia que esteve na base da sua construção.
Ora eu não creio que a esmagadora maioria dos que exigem o
plano de desconfinamento esteja consciente do que acabei de dizer. Uns, porque
não entendem; outros, porque entendem mas dá jeito, seja por que motivo for,
reclamar porque o plano não foi cumprido. Temos o exemplo recente do plano de
vacinação: existe, mas já teve de ser alterado: bastou que os prazos de entrega
das vacinas não fossem cumpridos…
Compreendo pois muito bem a razão de o Governo não ter pressa
em apresentar um plano. Porque quando o fizer, em 11 de Março, toda a gente vai
tomar conta das datas e ser implacável se elas tiverem de ser alteradas. A não
ser que não existam datas mas indicadores de situação – o que seria,
porventura, preferível. A ver vamos.
2021/02/23
CARTAS ABERTAS…
Foram disponibilizadas hoje duas, na imprensa. Uma dirigida
ao Governo e ao Presidente da República (por esta ordem, pouco hierárquica), no
sentido de terminar gradativamente o confinamento das escolas, assinada por “um grupo de
cidadãos e cidadãs, pais, professores, epidemiologistas, psiquiatras, pediatras
e outros médicos, psicólogos, cientistas e profissionais de diferentes áreas”.
Outra, dirigida às televisões generalistas nacionais, “exige uma
informação que respeite princípios éticos, sobriedade e contenção”, criticando
os critérios jornalísticos que têm sido usados nas notícias sobre a pandemia. Assinam
quarenta e duas personalidades, mais ou menos conhecidas, de diferentes
sectores da sociedade.
Uma carta aberta revela sempre alguma coragem, maior ou menor
consoante o seu conteúdo. Podem ser mais ou menos justificáveis. Em relação às
hoje divulgadas, pergunto-me o que podem esperar os seus autores como resultado
da acção empreendida.
Vejamos: tendo em conta tudo o que aconteceu na evolução da
pandemia, vale a pena um grupo de cidadãos pressionar o poder político para
tomar uma decisão que é crucial seja a correcta, para não “andarmos para trás”?
Não houve cartas abertas para a abertura no Natal, mas houve uma concordância evidente
de quase toda a gente: correu mal. Muito mal. E depois culpou-se o governo! E
agora? Se se aceitassem as propostas dos proponentes da carta aberta e voltasse
a correr mal, assumiriam eles as culpas? Num momento tão delicado não faz
sentido haver pressões, venham de onde vierem: quem tem de decidir que decida com
a convicção que tiver formado.
Quanto à segunda carta aberta, subscrevê-la-ia na íntegra: ela
expressa o que estou certo muitos pensam, que tem havido um exagero no modo e
no tom da informação e alguma distorção quando se interpretam os factos. Mas não
espero consequências…