2005/08/14

O dia 14 de Agosto de 1961

Os meus carrinhos

O 14 de Agosto é uma data de que me apropriei desde a escola primária, quando aprendi, e nunca mais esqueci, que nesse em dia, em 1385, os portugueses haviam batido os castelhanos na batalha de Aljubarrota. Por mais que hoje as relações luso-espanholas sejam pacíficas, a memória de Aljubarrota conforta sempre o meu forte sentimento nacional.

Independentemente disso, há na minha vida um 14 de Agosto muito importante. O de 1961 – faz hoje precisamente 44 anos. Foi o dia em que comprei o meu primeiro automóvel – um Volkswagen castanho claro, matrícula GD-69-39.

Desde garoto que tinha um verdadeiro fascínio por automóveis. Teria cinco ou seis anos quando por um Natal tive como presente dois carrinhos de corda que fizeram as minhas delícias (os que estão na figura): eram alemães, marca Schucco, e o vermelho tinha buzina e o verde tinha mudanças de velocidade! Apesar de muito maltratados pelos anos e pelas mudanças que sofreram ao longo da vida (têm hoje mais de sessenta anos…) ainda os conservo, como se vê.

Claro que o meu sonho era aprender a conduzir e ter um carro. Mas nos anos 50 isso não estava ao alcance de quem não tinha grandes posses. Quando estudei na Faculdade de Letras, que me lembre, apenas três colegas tinham carro próprio (como os tempos mudaram!).

Esse meu desejo de aprender a conduzir e ter um carro só pôde concretizar-se depois de um ano em que estive colocado no Liceu da Horta (Faial) – aliás, já me referi a essa estadia e ao facto de ter obtido a carta nessa bonita cidade açoriana. Levando uma vida simples, poupando “tostões”, no regresso a Lisboa, no princípio de Agosto de 1961, comecei a considerar a hipótese de compra do veículo. Como aprendera a conduzir num Volkswagen, não me foi difícil decidir-me por essa marca. E depois de uma ou duas visitas a stands, decidi-me pela Auto-Monumental do Areeiro, onde entrei na posse do meu primeiro automóvel. Era, claro, uma segunda mão e o preço de custo foi 39 000$00 (ou seja, mais ou menos 195 euros…). Como não tinha dinheiro para pagar a pronto, fiquei a ter de pagar, em 24 prestações, o que faltava. Não tenho a certeza, mas penso que o valor de cada prestação era 730$00.

A esta distância, poderei interrogar-me sobre a decisão de converter num automóvel a poupança de um ano, sobretudo quando estava num princípio de vida. Mas penso que fiz bem. Sempre pensei que era importante converter sonhos em realidade, e de facto a posse e usufruição de um automóvel era um sonho que levou anos a concretizar. Por isso, a cada 14 de Agosto lembro o de 1961…

Até Setembro. Que os meus leitores tenham as melhores férias possíveis.

2005/08/13

Os Agostos da minha vida


Para um professor, Agosto é sempre o verdadeiro mês de férias. Mesmo quando, no passado distante que os mais novos não conheceram, Setembro era também um mês no qual a maioria dos professores não tinha de estar nas escolas, sentia-se o regresso próximo, e creio que para muitos era um alívio pensar que as férias iam terminar, que voltar à escola iria proporcionar o reencontro com colegas e alunos, ou, quantas vezes, se ia conhecer um outro ambiente, outros colegas e outros alunos.

Eu estou a falar em geral; não escrevi na primeira pessoa porque presumo que o possa fazer sem ferir a verdade. Enquanto fui professor do ensino secundário os meus Agostos tinham o sabor de apreciar uma certa liberdade depois de um ano sempre muito espartilhado – preparar aulas e concretizá-las, se se quisesse trabalhar bem, era um trabalho exigente quando se tinha 22 a 24 horas semanais, com por vezes centenas de alunos (no meu 1º ano de ensino, tinha 300 e poucos). Escrevi no passado mas isto é verdade ainda no presente…

Depois, quando no Ministério da Educação, o meu conceito de férias alterou-se, mas Agosto continuou mesmo assim a ser o mês mais natural para alguns dias de descanso. Nunca mais tive a mesma sensação de fecho de um ciclo, porque em rigor os poucos dias que retirava ao trabalho normal eram apenas uma interrupção. Não mais tive um mês de férias completo, nem no Ministério, nem nos tempos que se lhe seguiram – em Faro, a ajudar a instalação da Escola Superior de Educação, em Braga, na Universidade do Minho, até aos dias de hoje.

Por duas vezes fui apanhado em Agosto como estudante: em Reading, no Reino Unido, em 1978, num curso de língua inglesa; em Iowa, nos Estados Unidos, de 1989 a 1991. Em todos eles a trabalhar, portanto, embora no último ano nos States tivesse aproveitado uma semana de Agosto, após o semestre de verão, para fazer com minha Mulher uma linda viagem pelos estados do Wisconsin, Michigan e Minnesota que não durou mais do que uma semana.

Neste Agosto de 2005, pouco mudou em relação aos últimos anos. Diminui muito o número de horas no meu gabinete da UM (está tudo relativamente calmo, o campus não tem praticamente alunos), e dentro de dias vou de facto “de férias”. Amanhã ainda publicarei um post evocativo, e depois, provavelmente só em Setembro regressarei.

2005/08/11

A propósito de vencimentos


A minha entrada de ontem suscitou comentários acerca dos vencimentos auferidos em épocas mais recuadas. Por isso, creio ser interessante proporcionar o acesso a um documento on-line, um conjunto de estudos sobre a situação social em Portugal – 1960-1999, da autoria de um grupo coordenado por António Barreto no Instituto de Estudos Sociais (esse estudo existe em livro). Estão publicadas nesse estudo tabelas sobre a evolução dos vencimentos da função pública. A partir daqui (tabela 10.21, Vencimentos mensais da função pública 1936-1997) poder-se-á ter acesso a muitas outras tabelas clicando “tabela seguinte”. Se se clicar em “tabela anterior” a informação será de outra ordem, mas também interessante.

Por este quadro se vê que um professor do ensino secundário no escalão mais baixo ganhava pouco mais de um terço de um Director-Geral. Se não me engano, por essa altura um professor do ensino primário ganharia qualquer coisa como 1750$00.

2005/08/10

Os 10 de Agosto de outras eras…


Como muitos outros professores do então chamado ensino liceal, comecei a minha carreira como professor de serviço eventual (era assim que se dizia). Assim, depois de licenciado, quem desejasse ensinar concorria, através de um simples requerimento entregue na Direcção-Geral, e nos finais de Setembro era publicada no Diário do Governo (designação usada antes de 1974 para o actual Diário da República) a lista das colocações. Assim foi comigo: por isso, apresentei-me “ao serviço” no dia 1 de Outubro de 1959 no Liceu Nacional de Sá da Bandeira, em Santarém, e por lá me mantive… até ao dia 10 de Agosto de 1960.

É que, segundo a lei, os professores de serviço eventual cessavam obrigatoriamente funções no dia 10 de Agosto – e como tal, deixavam de receber qualquer vencimento… As férias tornavam-se, assim, um período complicado de gerir a menos que se tivesse conseguido poupar ao longo do ano algum dinheiro do parco vencimento que se auferia (na altura, um professor de serviço eventual ganhava 4 mil escudos mensais, ou seja, mais ou menos 20 euros…).

Para que os “eventuais” pudessem permanecer até ao dia 10 de Agosto, a maior parte dos reitores “inventava” trabalhos vários, normalmente de estatística, uma vez que a partir dos finais de Julho os exames estavam acabados.

Outros tempos, na verdade. De grande injustiça social. Não quero dizer que hoje tenham cessado as injustiças, mas ao ver no calendário o 10 de Agosto lembrei-me da que me afectou (e a dezenas de colegas) durante alguns anos. Esta aberração só terminou muito mais tarde (mas não me recordo, neste momento, quando).

Posso também entrar na discussão?


Eu não sou economista, nem empresário, nem capitalista; não caio na tolice de dizer que não sou político porque todos nós somos políticos. Sou um cidadão de um país que hoje é livre e está a aprender a ser democrático e que amo, sou um professor que se orgulha de ter uma carreira diversa mas sempre linear em favor da educação (a qualquer nível), com uma formação humanista acentuada sem desprezar a tecnologia.

Penso que tudo se pode discutir, e por isso compreendo que hoje a grande discussão seja o novo aeroporto para Lisboa e o TGV. Como não posso competir nessa discussão com os argumentos dos economistas (que parece têm ideias diferentes, o que é normal), dos empresários e dos capitalistas (provavelmente com ideias diferentes, também), resta-me avançar como cidadão (que não pode dizer que é apolítico mas luta por ser lúcido).

Vivi anos e ainda hoje periodicamente vivo num 7º andar de um prédio em Lisboa que fica praticamente no corredor de aproximação mais comum do aeroporto da Portela. Aprendi ao longo dos anos a remeter para o subconsciente os ruídos por vezes desmesurados das aeronaves que demandam a pista. Raramente isso sucedia a meio da noite, dadas as condicionantes do tráfego no período nocturno, mas casos houve em que acordei sobressaltado. E quantas vezes não me passou pela cabeça: “E se acontecer uma tragédia?”

Nunca aconteceu, felizmente, e espero que nunca suceda.

Fora esta preocupação (egoísta?) a Portela é de uma comodidade espantosa. Ter um aeroporto dentro da cidade é uma maravilha. Nas muitas vezes que o tenho usado, sobretudo nas viagens “domésticas”, de Faro ou do Porto e vice-versa, não deixo de pensar a diferença que existe entre aterrar na Portela e estar, quinze minutos depois, no centro da cidade, ou aterrar no Charles De Gaule ou em Heathrow e ter pela frente o percurso longo até chegar ao centro de Paris ou Londres.

Contudo, sempre pensei que o aeroporto da Portela estaria condenado a um dia ser substituído. Por mais cómodo que fosse para utentes como eu. Continuo a pensar assim, e creio que quanto mais se adiar uma decisão, mais difícil se tornará o futuro.

No final do governo do Estado Novo já se falava na necessidade de construir um novo aeroporto para Lisboa, em Rio Frio, na margem sul do Tejo (chegou a estar previsto no 4º Plano de Fomento – 1974-1979). Até constou que teriam existido negociatas de terrenos a preludiar a escolha favorecendo figuras gradas do regime… Mais tarde surgiu a hipótese Ota. Tenho a ideia de terem existido estudos de impacte ambiental, de ter havido discussão, de terem surgido grupos de pressão.

Eu preferiria o novo aeroporto em Rio Frio. Porque ficava mais perto de Lisboa, sem dúvida. Não estou a ver muito bem um cidadão ir do Porto a Lisboa partindo do Aeroporto Sá Carneiro para aterrar na Ota e ter depois de gastar pelo menos três quartos de hora para chegar onde queria. Com as demoras no check-in e na espera da bagagem gasta mais ou menos o mesmo tempo que indo de comboio… mesmo nos Alfas! Porque talvez o TGV só fosse necessário para ligar Portugal à Europa, via Madrid, e no nosso rectângulo apenas fosse de melhorar as condições das grandes linhas.

Mas o que me importa, neste momento, como cidadão, é que seja claramente informado sobre os porquês da decisão que vai ser (ou já foi) tomada. Que os responsáveis expliquem claramente se de facto estamos a hipotecar o futuro ou pelo contrário, estamos a antecipar-nos porque o futuro assim o exige.

O que eu gostaria é que em todo este processo houvesse mais seriedade por parte de todos e que assunto de tanta importância não fosse mais objecto de politiquices.