EU E OS JORNAIS
Não
posso jurar, mas creio como muito provável que tenha começado a aprender a ler
folheando jornais e revistas. Nas minhas lembranças da infância, aos quatro,
cinco anos, vivendo no Seixal, nos anos 40 do século passado, encontra-se o
cerimonial diário de, pela manhãzinha, o Sr. Firmino, que distribuía os jornais
que chegavam de Lisboa pelo primeiro barco, lançar O Século com destreza
para que ele aterrasse no soalho da sala do 2º andar onde vivia. Depois o meu
Pai “desembrulhava” o jornal, e de pé, junto à mesa do pequeno almoço, folheava-o
numa primeira leitura antes de seguir para o seu emprego. Eu ficava ao pé dele,
provavelmente mais atento a fotografias do que a texto, mas mesmo assim assimilando
o princípio, que ficou para a vida, de que ler o jornal era o natural começo do
dia (não dizia Hegel que a leitura do jornal era como a oração matinal para os
crentes?). Na casa dos meus pais o diário era O Século, como mais tarde foi
o Diário Popular. Também se lia o Século Ilustrado e a Flama,
e jornais infantis existiam muitos: O Senhor Doutor e o TicTac,
que vinham dos meus irmãos, e depois o Diabrete, o Papagaio, e
finalmente, a acabar, o Cavaleiro Andante, foram meus companheiros por
largos anos.
Depois,
já estudante, descobri o Diário de Lisboa e a República, mais
tarde refinei as minhas escolhas lendo de vez em quando o Le Monde e
durante algum tempo, todas as semanas, o The Observer (isto em meados da
década de 60). Fui depois cativado pelo Le Nouvel Observateur, que
assinei uns dois ou três anos. Internamente acompanhei o reaparecimento de A
Capital, e, claro, fui dos muitos que viu no Expresso a redenção de
uma imprensa que prometia sempre muito mais do que cumpria. No Funchal
tornei-me assinante do jornal cor de rosa, o Comércio do Funchal,
situação que mantive até ao seu falecimento.
Estava
nos Estados Unidos quando surgiu o Público pelo que só quase três anos
depois passei a ser seu leitor. O meu respeito pela imprensa levou-me sempre a
ler os jornais das localidades onde vivia – por isso em Iowa City assinei o Iowa
City Press Citizen (e, claro, lia o Daily Iowan, o jornal da
Universidade!) e em Braga lia diariamente quer o Correio do Minho quer o
Diário do Minho.
Hoje,
mantenho a assinatura do Público, Diário de Notícias e Expresso,
nas versões digitais, mas perdi muito do meu sentimento positivo quanto ao
papel e valor da imprensa. Talvez pela influência das redes sociais, o
jornalismo aparece hoje a meus olhos não como uma fonte de informação
independente e credível, mas como um repositório de opiniões que, tendo de ser
respeitadas numa sociedade plural, têm por vezes mais toxinas do que o que
devia ser permitido a bem da saúde pública… Por exemplo, o estatuto editorial
do Público afirma que este “é
um jornal diário de grande informação, orientado por critérios de rigor e
criatividade editorial, sem qualquer dependência de ordem ideológica, política
e económica”. Tenho as minhas dúvidas, a ver pelos editoriais assinados pelos
responsáveis da publicação, que estejam a cumprir essas directivas. Há – ou deveria
haver – uma grande diferença entre um articulista comentador, que pode
distorcer os factos a seu bel-prazer, e um jornalista, de quem se espera que
nos apresente os factos.
Os jornais foram muito prejudicados pelo
desenvolvimento das tecnologias digitais. A necessidade de estarem presentes na
Internet, mesmo quando não permitem que boa parte dos seus conteúdos sejam de
leitura livre, levou ao quase desaparecimento do jornal em papel e a uma
diminuição de proveitos importante. Adicionalmente, o aparecimento e
crescimento rápido e maciço das redes sociais, em algumas delas surgindo
“fontes de informação” muitíssimo suspeitas mas nem por isso ignoráveis por
quem busca notícias, tem contaminado jornais que se queriam de excelência.
Apesar destas considerações, não sou capaz de
deixar de ler jornais…
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