2021/02/19

 EU E OS JORNAIS

Não posso jurar, mas creio como muito provável que tenha começado a aprender a ler folheando jornais e revistas. Nas minhas lembranças da infância, aos quatro, cinco anos, vivendo no Seixal, nos anos 40 do século passado, encontra-se o cerimonial diário de, pela manhãzinha, o Sr. Firmino, que distribuía os jornais que chegavam de Lisboa pelo primeiro barco, lançar O Século com destreza para que ele aterrasse no soalho da sala do 2º andar onde vivia. Depois o meu Pai “desembrulhava” o jornal, e de pé, junto à mesa do pequeno almoço, folheava-o numa primeira leitura antes de seguir para o seu emprego. Eu ficava ao pé dele, provavelmente mais atento a fotografias do que a texto, mas mesmo assim assimilando o princípio, que ficou para a vida, de que ler o jornal era o natural começo do dia (não dizia Hegel que a leitura do jornal era como a oração matinal para os crentes?). Na casa dos meus pais o diário era O Século, como mais tarde foi o Diário Popular. Também se lia o Século Ilustrado e a Flama, e jornais infantis existiam muitos: O Senhor Doutor e o TicTac, que vinham dos meus irmãos, e depois o Diabrete, o Papagaio, e finalmente, a acabar, o Cavaleiro Andante, foram meus companheiros por largos anos.

Depois, já estudante, descobri o Diário de Lisboa e a República, mais tarde refinei as minhas escolhas lendo de vez em quando o Le Monde e durante algum tempo, todas as semanas, o The Observer (isto em meados da década de 60). Fui depois cativado pelo Le Nouvel Observateur, que assinei uns dois ou três anos. Internamente acompanhei o reaparecimento de A Capital, e, claro, fui dos muitos que viu no Expresso a redenção de uma imprensa que prometia sempre muito mais do que cumpria. No Funchal tornei-me assinante do jornal cor de rosa, o Comércio do Funchal, situação que mantive até ao seu falecimento.

Estava nos Estados Unidos quando surgiu o Público pelo que só quase três anos depois passei a ser seu leitor. O meu respeito pela imprensa levou-me sempre a ler os jornais das localidades onde vivia – por isso em Iowa City assinei o Iowa City Press Citizen (e, claro, lia o Daily Iowan, o jornal da Universidade!) e em Braga lia diariamente quer o Correio do Minho quer o Diário do Minho.

Hoje, mantenho a assinatura do Público, Diário de Notícias e Expresso, nas versões digitais, mas perdi muito do meu sentimento positivo quanto ao papel e valor da imprensa. Talvez pela influência das redes sociais, o jornalismo aparece hoje a meus olhos não como uma fonte de informação independente e credível, mas como um repositório de opiniões que, tendo de ser respeitadas numa sociedade plural, têm por vezes mais toxinas do que o que devia ser permitido a bem da saúde pública… Por exemplo, o estatuto editorial do Público afirma que este “é um jornal diário de grande informação, orientado por critérios de rigor e criatividade editorial, sem qualquer dependência de ordem ideológica, política e económica”. Tenho as minhas dúvidas, a ver pelos editoriais assinados pelos responsáveis da publicação, que estejam a cumprir essas directivas. Há – ou deveria haver – uma grande diferença entre um articulista comentador, que pode distorcer os factos a seu bel-prazer, e um jornalista, de quem se espera que nos apresente os factos.

Os jornais foram muito prejudicados pelo desenvolvimento das tecnologias digitais. A necessidade de estarem presentes na Internet, mesmo quando não permitem que boa parte dos seus conteúdos sejam de leitura livre, levou ao quase desaparecimento do jornal em papel e a uma diminuição de proveitos importante. Adicionalmente, o aparecimento e crescimento rápido e maciço das redes sociais, em algumas delas surgindo “fontes de informação” muitíssimo suspeitas mas nem por isso ignoráveis por quem busca notícias, tem contaminado jornais que se queriam de excelência.

Apesar destas considerações, não sou capaz de deixar de ler jornais…

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