Há muito tempo que não escrevo sobre problemas da educação. É o que as férias fazem… E não obstante há matéria para análise. Não me esqueci da promessa de analisar o documento “Os números chave da Educação na Europa – 2005”, mas a verdade é que ele é tão extenso que exige muito trabalho e frescura de espírito pelo que vai demorar mais algum tempo.
Ontem, a Ministra da Educação veio informar que dos “cerca de” 40 000 candidatos ao concurso para a docência nos ensinos básico e secundário apenas 10000 são de facto professores, o que eu interpreto como sendo pessoas habilitadas com diploma que lhes confere o direito de ensinar. Os restantes, ou seja, mais ou menos 30 000, serão pessoas habilitadas com diversos cursos superiores, que a lei permite que concorram mas não são, efectivamente, professores.
O que vou escrever a seguir não se aplica ao primeiro ciclo do ensino básico (que teve sempre características próprias, por não permitir a entrada na profissão a quem não tivesse o diploma de professor).
O que a Ministra explicou, para além da quantificação, não constitui novidade. O ensino tem sido sempre uma saída de recurso para pessoas que em princípio se destinavam a outras profissões ou nem sequer as equacionavam. Há quarenta anos já era assim: não se pense que os candidatos a entrar numa escola sem habilitação tinham garantida uma colocação. Muitos não a conseguiam. Quem obtinha a profissionalização, porém, com mais ou menos dificuldade até encontrar um lugar estável, chegava a um porto seguro. Deixem-me recordar o meu caso: feito o estágio em Coimbra (1963-1965), passei por Aveiro como “agregado” (1965-1966). Lisboa (Padre António Vieira) como “auxiliar” (1966-1967), Horta já como efectivo (1967-1968), Funchal (1968-1969)… E depois ainda fui colocado em Castelo Branco e Figueira da Foz embora nunca lá tivesse dado aulas por estar destacado em Lisboa, primeiro na Inspecção do Ensino Liceal, depois no Liceu de Pedro Nunes, como metodólogo. Só em 1975 “cheguei” a Lisboa – onde fui o primeiro homem a ser colocado (sem lá ter estado!) num liceu que era antes só feminino, o Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho…
Portanto, o que mudou foi a insegurança de quem obteve o diploma profissional (nem sequer mudou a “peregrinação” até se encontrar um lugar). Que me perdoem os que, não o tendo, concorrem e não têm lugar: acho normal. É mais difícil de aceitar que um diplomado não o consiga. Mas sendo difícil de aceitar tem de se compreender. Cometeram-se erros no passado e não tem havido coragem de os corrigir. Enumero-os. Ao nível do 1º ciclo (agora, entra de novo na análise) extinguiram-se as Escolas do Magistério e criaram-se as Escolas Superiores de Educação, o que era equilibrado. Simplesmente, no fim dos anos 80 permitiu-se a abertura de numerosas escolas privadas, com “numeri clausi” superiores aos das públicas, e começando pois a formar mais docentes dos que os necessários numa situação normal. Ainda houve um ano em que não foram autorizadas matrículas no 1º ano dos cursos, mas isso nunca mais aconteceu, numa altura em que ao mesmo tempo diminuía a população escolar.
Ao nível dos outros ciclos e do secundário, a situação não é muito diferente; as ESEs e as Universidades têm continuado a formar professores sem ter em conta as necessidades, que têm sido cada vez menores. Compreende-se porque as Escolas perseveram numa situação em que elas próprias acabam por ficar mal na fotografia, se me é permitida uma expressão quase jornalística.... Pessoalmente, considero errado (mas há quem não ache).
Perante este quadro, pouco adianta dizer que é injusto ou até imoral e argumentar que o Estado deveria empregar todos os professores (entendo: os que têm diploma), quer diminuindo a dimensão das turmas, quer colocando os excedentários em outras tarefas. Isso não é possível por motivos financeiros (não vale a pena explicar porquê). Mas mesmo que fosse, tenho as maiores dúvidas a diminuição do número de alunos por turma seja desejável e benéfico para os alunos (a não ser em alguns casos que fogem à média, que já é relativamente baixa).
A meu ver, são necessárias medidas (certamente impopulares e difíceis, mas não é para as tomar que este governo existe?). Entre elas terá certamente de figurar uma pausa na aceitação de alunos para certos cursos. Exige-se um estudo cuidadoso que tenha em conta todas as variáveis em jogo e permita uma previsão do curto e médio prazo (por exemplo, a extensão da obrigatoriedade vai ter repercussão no ensino secundário). Quanto aos professores formados e sem emprego, que soluções podem ser encontradas num quadro de racionalidade das despesas do Estado? Não haverá hipóteses de a pouco e pouco ir mais além do que pagar subsídio de desemprego? Alguma criatividade poderá, eventualmente, encontrar respostas.
5 comentários:
Caro Professor, gostar dos seus textos, já não é novidade, mas é justo que lhe diga. Contudo, deixe-me dar a minha opinião acerca de alguns assuntos:
1º O facto de haver 30000 licenciados (ou não), mas não com a habilitação certa para a docência, demonstra claramente,m que antes de se criticar a classe docente e a responsabilizar pelo processo de "caotização" do ensino é, injusto, demagógico e pouco honesto (atenção que não estou afirmando que o tenha feito...fizeram os políticos e os fazedores de opinião);
2º Não concordo com a diminuição dasturmas por questõers económicas, mas deixe-me lhe dizer que concordo com essa medida por questões pedagógicas, ainda mais porque a degradação saocial que vivemos, obriga ao professor, a ser, também, psicólogo, assitente social, pai, mãe, provedor da criança e afins;
3º Já tive uma turma de 26 alunos, dos quais 23 eram repetentes, e dos quais 17 eram pela segunda vez. Bom os outros dois, um era toitalmente cego e a rapariga tinha 15% de visão;
4º Quanto ao que disse acerca das Universidades e das outras instituições de ensino superior, não dignas desse nome... que se pode dizer é que muitos dos que criticam os estado da educação e que culpam os professores, esquecem-se que foram eles a formarem docentes;
5º Nunca entendi a economização do ensino superior, confesso que não é assunto que domine, mas, que lhe dizer quando se abrem cursos de Aptidão Física, quando até já se tem licenciaturas em Educação Física e Desporto a mais?
Desculpe ter ocupado muito espaço, mas estou de certa forma cansado de ser criticado, e que essas críticas venham de pessoas com mais responsabilidade do que o no estado da "coisa". Daí o meu apelo: bata o pé nessa direcção, talvez consiga, no seu meio (universitário), contribuir para que se dignifique o processo.
Nem tive tempo de pensar nisso, era estagiário e apanhei com o bolo todo...problemas em cima de problemas. Mas poderia levantar outra questão: o que fizeram os meus orientadores (de escola e de universidade?)
Para todos os intervenientes
Não me importo nada que se escreva muito, eu próprio não costumo ser parco nos meus posts, e acho muito estimulante intervenções como as vossas. O mundo não é só de uma cor, e por isso ainda bem que as pessoas têm visões e opiniões diferentes sobre o que acontece. A experiência do Miguel é importante, e é evidente que a constituição das turmas numa escola é um dos grandes problemas que a administração da mesma tem de considerar para que não aconteça o que infelizmente é normal, isto é, adoptar a velha ideia das "turmas de nível", juntando os "melhores" e os "piores" em classes separadas. Claro que nesses casos a dimensão da turma pode pesar; mas em casos normais, de um modo geral, as investigações feitas mostram com clareza que a dimensão da turma não é relevante para o èxito educativo dos alunos.
Quanto a um dos pontos que o PJ aborda, estou inteiramente de acordo: uma formação superior, seja qual for, é sempre um investimento reprodutivo; mas apesar de tudo, em formações específicas como o ensino, há um desperdício se o profissional é desviado para outras funções. Quanto á Cokas (benvinda!) saúdo o seu percurso; é bom termos nas escolas quem tem interesse pela profissão.
Excelente texto Varela!. Excelente!.
Não sou professor, mas reconheço que qualquer coisa está mal.Parece que nada mudou desde os teus tempos.
Agora, que há muita reivindicação sem sentido, acho que tens que concordar comigo.
O inglês no 1º ciclo vai começar em força, mesmo sem instalações na escola (parece que eu e os meus alunos vamos ter aulas na igreja (!!!!), mas ainda ninguém sabe como irão as crianças para lá, se a partir de casa, se a partir da escola, se acompanhadas por mim ou pelos pais), mas não era disso que eu vinha falar: é que quem vai dar as aulas de inglês ainda não sei, só sei que NÃO SÃO professores que aguardam colocação nas listas nem sequer professores que tenham HORÁRIO ZERO no agrupamento onde pertencem...Mas isto cabe na cabeça de gente normal???
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