2005/04/07

Manuais escolares


A medida tomada pelo Ministério da Educação no que se refere à chamada “troca” de manuais decidida pela equipa anterior merece um comentário, mas mesmo antes desse comentário vale a pena salientar que o comunicado afirma claramente que " tem toda a vontade de dar continuidade e estabilização às políticas em matéria de Educação” (segundo o Público de hoje, infelizmente não disponível…). É uma posição de bom senso que se espera seja mantida.
Passemos então ao problema da troca de manuais.

Como pessoa ligada ao currículo, tenho em relação aos manuais uma posição ambivalente. Para um curriculista os manuais são porventura os mais perniciosos elementos para um correcto desenvolvimento das actividades escolares, na medida em que condicionam, por vezes de uma maneira extrema, o professor. Quando, acabadinho de me licenciar, fui colocado num liceu e tive de preparar as aulas para um então 3º ano, hoje 7º, era adoptado a nível nacional um compêndio de História do Matoso (pai), mas na altura já havia um livro para cada ano. Como me considerava inexperiente (e com muita vontade de acertar na profissão que eu desde sempre quis que fosse a minha) abeirei-me do professor efectivo do grupo, que teria mais do dobro da minha idade, e perguntei-lhe como achava ele que deveria pensar a execução do programa (que na altura cobria a Antiguidade Oriental e a Clássica, e talvez entrasse um pouquinho na Idade Média). O bom homem olhou-me com algum espanto, e replicou, “É fácil, vai ao manual, divide o número de paginas por três, e em cada período dá o que lá está…”

Ora esta “sã atitude pedagógica” ainda existe e julgo que nem preciso explicar por que está errada.

Por outro lado, o manual (ou, dizendo melhor, manuais, livros de texto) é um elemento essencial para a aprendizagem dos alunos. E deve dizer-se, também, que os manuais se têm transformado, num sentido positivo, quer para que o professor os possa usar com independência, quer para motivar os alunos.

Por isso falava de ambivalência: não gosto que o professor seja escravo do manual, percebo que o aluno necessite dele.

Há depois outros factores – o preço dos manuais, a quantidade no mercado, a qualidade que possuem, e, sobretudo, a sua longevidade. O célebre Matoso durou décadas. Com poucas excepções (antologias literárias, por exemplo) um manual não pode, ou melhor, não deve, ter uma vida tão longa.

Posto isto, a troca que o executivo anterior visionou, faria sentido?

Pondo de parte os argumentos financeiros, que não estou habilitado a discutir, não há dúvida que a medida não parece muito interessante. Em que condição chega um manual ao fim do ano para poder passar para um novo utente, sobretudo vindos das mãos de crianças? Se o manual foi usado (e em princípio deve ser), não são apenas os exercícios que nele se fazem, é a deterioração normal do uso que, não constituindo obstáculo ao proprietário, não é nada agradável para quem o recebe o livro para o compulsar pela primeira vez. E há ainda outros aspectos. O manual que serviu num ano é muitas vezes ainda necessário no ano seguinte. Isto de um aluno chegar ao fim de um ano e desfazer-se do seu livro de texto aparece quase como um convite ao esquecimento… E vindo esta medida de quem defendia (penso) os exames, o mínimo que se pode dizer é que é paradoxal.

Muito haveria a dizer sobre manuais, mas esta é uma primeira impressão. Fico aguardando que a nova equipa, como promete, apresente uma nova proposta para resolução de um problema que, em termos do esforço financeiro que é exigido a muitas famílias, não deve ser ignorado.

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